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Pode-se fazer uma síntese do olhar do presente sobre o universo repre­ sentado na minissérie através da seqüência em que Clemente, chefe de

No documento Vargas e a crise dos anos 50 (páginas 106-110)

1 tO . Vargas e a crise dos anos 50

levaram a eslrallgular o síndico do edifício do senador, que flagrara o

parlamentar tendo relações sexuais com um rapaz no elevador. Ao retratar a tensa discussão entre o síndico e Clemente, que procurava corrompê-lo, o olhar da câmera, que é o mesmo imposto ao espectador, se coloca alrás da lente dos óculos do síndico, que por sua vez ollia para Clemente quando as lentes se estilhaçam, seguindo-se seu estrangulamento. A mediação do olhar do espectador pelo da câmera, que por sua vez é o do síndico, não colocaria o espectador na situação de um homem que vê, não se corrompe e por isso é castigado, permitindo aos corruptos a sua perenidade?

Uma iconografia identificável como legitimamente nacional pode ser resgatada na seqüência em que um funcionário púb1ico corrupto vai com sua namorada a um espetáculo intitulado

Coisas do Brasil

na boate Night and Day, situada no hotel Serrador, local famoso nas noites cariocas da década de

50.

Tendo ao fundo um bailado com dançarinos em trajes típicos e ritmos brasileiros, o personagem é chamado por um garçom ao telefone, para onde se encaminha e

ao aparellio, pergunta em tom suspeito pela -encomenda". O fundo musical aumenta de volume e ele, na saída, nega dinheiro a sua namorada alegando que o "trem da alegria� já havia acontecido no mês anterior. Ao fundo, a música tocada é

Aquarela do Brasil.

Esses exemplos pontuais nos pareceram úteis ao exame do universo de questões passíveis de serem suscitadas pela "Iehura" das imagens e sons de

Agosto.

Embora a imprensa e os próprios responsáveis pela adaptação do romance para a televisão tenham destacado que a trama levada para a minissérie privilegiou uma história romântica e policial - certamente atendendo às diretrizes da emissora -, esvaziando os fatos políticos, deve-se considerar que a composição, o estilo c a linguagem da narrativa traçam um amplo painel da sociedade brasileira, incluindo a política como um de seus elementos centrais, com um tom pessimista que nem mesmo as belas mulheres em cena ou a recriação do Rio de Janeiro sob efeitos eletrônicos conseguiram eliminar. Seus limites porém vão estar explicitados na cena final, como veremos mais adiante.

Escapa aos objetivos deste trabalho avaliar a recepção obtida pela série, mas vale contudo registrar que a relação que se estabelece entre o telcspec­ tador e a minissérie é condicionada pela.', diferentes experiências culturais, políticas e de classe do público, assim como ao momento histórico em que é assistida. A referência a esse aspecto, mesmo que de fonna supcrficial� parece-nos relevante

na

medida em que filmes e programas de televisão são documentos

de

história social e cultural e muitas vezes agentes da própria história.

É

o exame do conjunto dos elementos da produção, representação e recepção que cria condições ao espectador de sair da ilusão do cntretcnimen-

Agosto e agostos _ I I 1

to e da 'verdade" para entrar no mundo da construção das imagens que mobilizam diretamente as esperanças, os sentimentos e o inconsciente do espectador. "

Como a televisão pode revelar situações para além da realidade e não suporta fechos infelizes, nem mesmo nos seus programas de telejornalismo, o plano final de

Agosto

confirma a regra. Ao tom trágico e pessimista reiterado em toda a série, mas sobretudo condensado ao final dos últimos capítulos - o suicídio de Vargas e os assassinatos de Matos, Salele e do bicheiro I1ídio -, sucede-se o toque desopilante e esperançoso do seguinte plano fmal: no dia25 de agosto, um carro, conduzido pelo comissário Pádua que acabara de assassinar lIídio por julgá-lo mandante do crime contra Matos, em movimento numa estrada deserta - na realidade, a pista paralela ao aUlódromo do Rio de Janeiro com as laterais .. apagadas .... eletronicamente - tendo ao fundo contornos de mOITOS semelhantes ao Pão de Açúcar e um noticiário de rádio em offnarrando a tranqüilidade da cidade no dia seguinte

à

morte de Vargas são as imagens e sons que antecedem os créditos e um fundo musical com um trecho da canção-hino da cidade do Rio de Janeiro: "'Rio de Janeiro, gosto de você, gosto de quem gosta, deste céu, deste mar, desta gente reli1 ... O "mar de lama" cede lugar, na ficção, a um ruo de Janeiro

ou quem sabe a um Brasil idcal e/ou virtual. • Aí é que está o busilis" , diria

o personagem do policial Rosalvo se, hoje, fora da tela.

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14 Essas que..<;tões sào importantes no desenvolvimento de projetos didáticos que se uti lizam

da linguagem visual. Remeto-me aqui, a titulo de exemplo, à experiência educacional

desenvolvida pela Fundação Robeno Marinho através do Projeto Video Escola, que

consiste na distribuição de programas em vide.o a centenas de escolas de todo o pais.

incluindo a sugestão de utilização para fins educacionais de programas do circuito da

televisão. Em seu numero 5, de agosto de 1993, a revisla editada pelo projeto. que se intitula

Escola & Video. contém algumas informações e sugestões para a utilização de Agosto nas

t 12 . Vargas e a crise dos anos 50

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Segunda Parte

No documento Vargas e a crise dos anos 50 (páginas 106-110)

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