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A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU) se estabeleceu a partir de um acordo entre os governos Dutra e Truman em 1950, visando,

No documento Vargas e a crise dos anos 50 (páginas 162-167)

do lado brasileiro, a obtenção de assistência técnica a projetos que trariam recursos para o rcequipamento econômico brasileiro e, do lado norte-ame­ ricano, a obtenção de matérias-primas estratégicas brasileiras. Ao se instalar em jullio de 1951, a partir de novas negociações entre o ministro das Relações Exteriores do governo Vargas, João Neves da Fontoura, a CMBEU já contava com a garantia do Banco Mundial e do Eximbank de concessão de crédito aos projetos fonnulados, até o valor de US$250 milhões . " Estabelecida na esfera do Ministérioda Fazenda, a Comissão Mista produziu trabalhos que passaram a compor o que o ministro Lafer denominou

Plano

de Reaparelhamento Econômico,

um plano qüinqüenal ronnado pelos pro­ jetos já elaborados e parcialmente financiados com recursos do Banco Mundial e do Eximbank. Lafer superestimou os valores negociados nos EUA com as agências rmanciadoras, os quais,

de

US$250 milhões, pas­ saram, no seu plano qliinqüenal, para US$500 milhões. Para prover a contrapartida brasileira para esses empréstimos, o ministro recorreu ao Congresso, solicitando-lhe a aprovação de um fundo no valor de Cr$ 10 bilhões para os cinco anos de vigência do plano. 12 Foi assim que o minislro

1 I Do lado norte-americano, a comissão era encabeçada por um funcionário do Departamento de Estado dos EUA, Burke Knapp. O setor brasileiro ficou sob a gestão de Ary Torres. Dela faziam parte diplomatas do ltamaraty, e dentre os seus conselheiros estavam Valentim Bouças, Roberto Campos, Glycon de Paiva e Lucas Lopes. Os trabalhos que discutem a CMBEU são: Malan, Pedro et alii. Política econômica exterll(l e i/ldustriaLiznção 1/0 Brasil (1939-1952). Rio deJanciro, lpeafInpes, 1977; Martins, Luciano. Pou\'oiretdéveloppemem ecol1omique. Op. cit., capo 7; e O'Araujo, Maria CeUna S. Op.cit., cap.6.

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da Fazenda constituiu O

Fundo de Reaparelhamento Econômico

(Lei n 1.474

de 26-11-1951) a partir de um adicional de 15% no imposto de renda. Para gerir esse fundo, bem como os recursos advindos dos empréstimos externos, Horácio Larer propôs ao Congresso a criação do Banco Nacional de Desen­ volvimento Econômico. Graças à habilidade de negociação política do ministro da Fazenda no Congresso, o projeto de criação do BNDE foi aprovado em três meses.13

Dos trabalhos da comissão mista ficaram 42 projetos que orçaram US$387,3 milhões (valor dos créditos solicitados pela CMBEU ao Banco Mundial e ao Eximbank) e Cr$ 14,3 bilhões (valor da contrapartida brasileira nos projetos). No encerramento de seus trabalhos, em dezembro de 1953, os empréstimos concedidos pelo Banco Mundial e pelo Eximbank chegavam a US$162,1 milhões, com a contrapartida brasileira de Cr$4,9 bilhõcs. Em sua maioria os projetos que obtiveram financiamento ligavam-se ao reapare­ lhamento de ferrovias e à área de energia elétrica."

O Banco Mundial forneceu créditos ao Brasil no valor de US$I04 milhões entre 1951 e 1954. No período 1949-54 o Brasil recebeu dessa instituição créditos no valor de US$194 milhões, dos quais, somente

à

Light coube US$ 105 milhões."

Embora os recursos do Banco Mundial e do Eximbank tenbam ficado aquém do que o Plano Lafer propunha, esse plano serviu para promover a captação de recursos internos específicos para os programas do governo. Nesse sentido, o esforço de Lafer e da CMBEU em atenderem

às

exigências do Banco Mundial para a obtenção dos empréstimos terminou gerando uma equipe técnica, um banco de desenvolvimento e uma reforma fiscal que viabilizaram financeiramente, de forma definitiva, os projetos do BNDE -

empréstimos, é de que ete tinha que convencer o Congresso a votar o Fundo de Reaparethamento Econômico, sob pena de não receber os recursos dos EUA. Assim, apresentando cifras de grande porte, ele podia legitimar uma contrapartida alta. rumo a que

solicitava (op.cit., p. 381).

13 O BNDE foi criado pela Lei n 1.626, de 20-6-1952. Situado na jurisdição do Ministerio da Fazenda, era um banco independente, cabendo-Ihe a elaboração de projetos para a obtenção

de fmanciamentos, o recebimento e a administração dos recursos provenientes do exterior

e do Fundo de Reaparelhamento Econômico. Outras fonnas de captação de recursos fomm sendo criadas para aumentar a receita do banco. Os setores prioritãrios em que passou a

atuar foram reequipamento de portos, ferrovias, projetos de expansão de energia hidrelétrica e siderurgia. Nos anos 50 o BNDE ficou conhecido como o banco do aço e da eletricidade.

14 Relato de tmcerramento dos trabalhos da comissão Mista, 30- 12-1953

(

Arquivo Osvaldo

AranhafCPDOC), reproduzido in: Novaes e Cruz, Adelina et am. Impa.'!se na democracia

brasileira J 951-1955: coletânea de documenlos. Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas,

1983. p. l09-t2.

15 Mason, Edward, & Asher. R. Tire World Bank since BreffoTl Wooru, Washingtoo, The Brookings Institution, 1973. p. 657,

o dificil caminho do mcio • 169 impacto bastante significativo na estrutura institucional do governo Vargas e dos que o seguiram.

No final de 1953, a CMBEU é dissolvida, em virtude do desinteresse do novo presidente dos EUA, Dwight Eisenhower, nesse tipo de colaboração técnica, envolvendo recursos públicos, em lugar de investimentos privados. O Banco Nacional

de

Desenvolvimento Econômico seguiu cumprindo a função dessa comissão, estudando projetos nas

áreas

de infra-estrutura energética, de transportes e siderurgia, bem corno intenncdiando os finan­ ciamentos externos e internos (dos fundos de reaparelhamento econômico e de eletrificação). Muitos dos técnicos da comissão mista passaram a participar dos quadros técnicos do BNDE, em especial Lucas Lopes e Roberto Campos.

O outro braço planejador do Ministério da Fazenda era a

Comissão de

Desenvolvimento Industrial

(CDI), criada em julho de 1951 para planejar uma política abrangente de desenvolvimento industrial, ao lado de projetos específicos de criação e expansão de setores da indústria. Compunha-se de representantes de vários ministérios e órgãos do governo, havendo sempre na comissão ou nas subcomissões em que se desdobrava dois representantes indicados pelas entidades da indústria. Ela traçou uma política protecionista para atrair indústrias (locais ou estrangeiras) em áreas estratégicas, ofere­

cendo isenção de tarifas de importação sobre insumos e bens de capital, subsídio cambial, prioridade para remessa de lucros e reserva de mercado. Participaram das reuniões da

cm

ou de suas subcomissões específicas vários industriais: Euvaldo Lodi, presidente da CNI, Luis Dumont ViII ares (setor da indústria siderúrgica e metalúrgica), Jorge Rezende (indústria de máquinas), Mariano Marcondes Ferraz (indústria de material ferroviário), Ricardo lafet. Nela tinham assento também militares com ligações com o setor industrial: Edmundo Macedo Soares (siderurgia), Lúcio Meira, Carlos Berenbauser Júnior e Joelmir Campos do Araripe Macedo

(Subcomissão de

Jeeps, Tratores, Caminhões e Automóveis).

Um terceiro segmento partici­

pavaainda da CDI: os tecno-empresários (gerentes de grandes empresas, em geral estrangeirns, consultores técnicos e as..."ies.sores do governo em vários oUlros organismos). Dentre estes últimos estavam Augusto Frederico Schmidt, Ary Torres e Luiz Simõcs Lopes.

A

cm

formulou um Plano Geral de Industriali711ção (maio de

1952)

no qual estabeleceu áreas prioritárias a serem atendidas pelo governo: energia (refino do petróleo, indústria de equipamentos para prospecção e refino, e material elétrico pesado), metalurgia (produção de ligas metálicas e seu processamento em bens de conswno e bens de produção), indústrias quími­ cas (insumos industriais, adubos, fibras artificiais e matérias plásticas, produtos farmacêuticos, celulose e papel), indústria da borracha e indústria

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de alimentos.16 Foi o único órgão com caráter neocorporativo denlre os três braços planejadores do governo Vargas. Com ela se retomava uma estratégia de articulação entre burguesia industrial e E..tado que já existira no Conselho Federal do Comércio Exterior ou no Conselho de Política Industrial ou Comercial. Só que agora esses organismos passavam a existir na democra­ cia, convivendo com o Congresso e os partidos políticos. Industriais� mili­

tares, técnicos de vária.;; agências do governo e empresários de outros setores

decidiam juntos os projetos industriais específicos e construíam paralela­ mente um projeto abrangente de industrialização, que acabou por se cumprir

no decorrer dos anos 50 (ainda que não necessariamente na ordem de

prioridades estabelecida pela CDI).

Euvaldo Lodi viu na criação da

cm

uma nova etapa nas relações entre

indústria e governo. O "divórcio" entre o ágil ritmo de transformação da

economia industrial e o lento processo de transfonnação das agências decisórias começava a se resolver, afinnou ele na inauguração da comissão.

O presidente fora capaz de perceber esse "divórcio" e estava promovendo o

ajuste entre os organismos do Estado e os empresários diretamente envolvi­

dos na tarefa

da

industrialização.17

Dois organismos neocorporativos foram criados a partir dos estudos da CDI: a Comissão Executiva da Indústria Automobilística e a Comissão Executiva da Indústria de Material Elétrico.

A Subcomissão de Jceps, Tratores, Caminhõe..o;; e Automóveis, criada em

1952, deu lugar em 1954 comissão Executiva da ' Indústria de Material Automobilístico (Ceima). Ela foi coordenada desde o início por Lúcio Meira e estimulou o desenvolvimento da já existente indústria de autopeças, trazendo para o Brasil fábricas de tratores, caminhõcs e automóveis, num

sistema inicial de montagem, seguido de progrcssiva fabricação local. O

projeto de implementação da indústria de veículos da

cm

previa três

estágios progressivos: a) consolidação da indústria de autopeças e acessórios

para veículos combinada com o incentivo

à

expansão dos insumos para o

setor (em especial aço lamjnado); b) desenvolvimento da indústria de

caminhõcs e tratores e

c)

implantação da indústria de automóveis.18

A despeito da crise política de meados de 1954, os trabalhos da CDI

1 6 "Plano geral de industrialização do país" in: Draibe. Sonia. Rumos e metamorfoses. Estado e i"dustrialização 110 Brasil 1930-1960. Rio de Janeiro. Paz e Term, 19R5. p. 237-9. (7 lodi, Euvaldo. Aspectos técnicos e econômicos do desenvolvimento industrial. Rio de

Janeiro, [95 1 .

I S eDI Parecer da Subcomissão de Fabricação deJeeps, Tratores, Caminhões c Automóveis sobre o fomento da produção, no pais.. de peças e acessórios de veiculos automotores. tn Almeida.

José de. A implamação da indústria automobilística no Brasil. Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 1972, p. 13-6_

o difícil caminho do meio • 171

continuaram em ritmo acelerado. Nessa ocasião a Fiesp referiu-se à recepção favorável da recém-criada Comissão Executiva da Indústria de Material Automobilístico (Ceima) em São Paulo, a qual "abriria novas perspectivas para os brasileiros que sonhavam e desejavam uma independência econô­ mica para o país em todos os setores da indústria manufatureira .... 19 Esta atirude da federação paulista mostra que, apesar dos conflitos que nesse momento a burguesia industrial mantinha com algumas áreas do governo em questões como greves e aumento salarial, a aliança entre empresariado industrial e Estado visando a aceleração do desenvolv imento industrial ainda existia?!>

Os entendimentos da sulx:omissão e da Ceima com várias linnas estran­ geiras resultaram em acordos de montagem e fabricação, como os da Fábrica Nacional de Motores com a Alfa-Romeo, para montagem de caminhões com nacionalização progressiva da produção. No mesmo ano do acordo

(1952),

o Brasil já montava na

FNM

mil caminhões, dobrando a produção em

1955,

quando produziu 2.420 caminhões, dos quais 60% do peso do veículo correspondiam a produtos locais. Em

1953

a FNM se associou a um consórcio italiano encabeçado pela Fiat para a produção de tratores." Os entendimentos para a criação da indústria de automóveis e outros veículos eram intensos: Mercedes-Benz e Berüet manifestaram interesse no mercado brasileiro, enquanto que a Volkswagen comprou terreno para a instalação de sua fábrica de automóveis durante o governo Vargas. As seis empresas de montagem de veículos existentes no país foram convidadas a montarem fábricas de automóveis. A General Motors e a Ford, que dominavam o mercado brasileiro, se recusaram a colaborar com a subcomissão e organi­ zaram um

lobby

contrário ao esforço de implantação da indústria de veículos no país: a Associação das Montadoras de Veículos e Automóvejs Particula­ res (ANMV AP). Havia portanto uma cisão entre os industriais que acredi-

1 9 Fiesp-Ciesp. Boletim Informativo, 26-07-1954.

20 Algumas análises reforçam a crise em tomo do aumento do salário mínimo em 1954 como crucial para explicar a ruptura da burguesia industrial com o governo. Pela posição da Fiesp na questão da Ceima, pode-se ver que apesarde os industriais estarem irritados com várias das politica.c; do governo Vargas, não viam nesse atrito razão para abrir mão dos ganhos que estavam tendo com o proteciorusmo governamental e o rápido crescimento da indústria no período. Para as análises que reforçam a tese de ru ptura, ver Skidmore, Thomas. Brasil de

GetúUo a Castelo. Rio de Janeiro, Saga, 1969, p. 134-6: e Bolto Ir., Annando. O golpe de

1954: a burguesia contra o populismo. Op. dI.

2 1 Hilton. Stanley. lhe anned forces and the industrialists in modem Brazil: the drive for militaI)' autonomy (1889-1954). In Hispalljc Americmr HisroricaJ &v;el .... , 62(4): p. 669, 1982 e Faro, Clovis de; & Silva, Salomào Quadros da. A década de 50 e o Programa de Metas. In: Gomes, Angela de Castro (org.). O Brasil de JK. Rio de Janeiro. FundaçàoGetulio Vargas/CPDOC, 1991. p. 47.

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tavam nesse projeto e estavam se beneficiando dele (empresários do setor siderúrgico, de material elétrico leve e de autopeças e acessórios) e os que se ligavam

às

companhias montadoras estrangeiras (que importavam lodo o material, apenas efetuando no país a montagem do veículo).

Os

industriais contavam com fortes aliados fora da CDI: os militares estavam interessados na produção dos jipes, caminhões e peças para veículos para uso das forças armadas e agiam como uma força de apoio. Evidência desse fato é a presença de dois militares nessa subcomissão (Lúcio Meira e Araripe Macedo). Boa parte do sucesso da implantação da indústria de veículos no país no periodo Kubitschek adveio dos trabalhos desenvolvidos

na Subcomissão

de

Jeeps, Tratores, Caminhões e Automóveis e na Ceima durante o governo Vargas.

A CDI também incentivou a produção de vagões e locomotivas, buscando trazer para o país a empresa alemã Krupp, que se propõs a fabricar locomo­ tivas em São Paulo.

Reconhecendo o setor de material elétrico pesado como o de maior prioridade em virtude dos projetos na área da energia elétrica, a

CO

I propôs a formação da Comissão Executiva da Indústria de Material Elétrico, que se instalou em abril de 1952 e foi coordenada pelo militar Carlos Berenhauser Júnior. Dentre os objetivos desse organismo e...;;tava a substituição

das

importações na proporção de 50% em 10 anos. Projetos para o desenvolvi­ mento da produção de turbinas para as usinas hidrelétricas ganharam prio­ ridade junto à comissão. Para atrair empresários locais c estrangeiros para esse setor, a comissão executiva fonnulou uma política de incentivo (viabi­ lizada através do Decreto n' 31 .926, de janeiro de 1953), que oferecia facilidades como: prioridade na remessa de lucro e

royalries,

crédito, reserva de mercado. encomenda preferencial do governo, prioridade na importação de equipamentos e matéria-prima. Ela se antecipava também à Instrução nº 1 1 3 da Sumoc, ao estabelecer que os empreendimentos no setor elétrico pesado que trouxessem equipamentos do exterior sem gastos

de

divisas conta­ riam o valor do equipamento como investimento de capital na indústria.22

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