revoltados e replcta."i de escombros e cinzas. A fumaça que saía de vários
edifícios em chamas era vista em toda.
o:;;as direçõe.."i.
o carnaval da tristeza _ 85 Os partidos políticos de oposição não tiveram melhor sorte que as rádios e os jornais. O mesmo grupo que destruiu a Rádio Difu.<o;ora encontrou-se
com o que atacou o
Diário de NotIcias
e, juntos, rumaram para o diretóriodo Partido Libertador, na rua General Câmara, esquina com a rua dos Andradas. Rapidamente, subiram as escadas e tudo o que havia na sala -
móveis, material de propaganda, armários etc. - foi jogado pela janela c
incendiado. Também a sede do Partido Social Democrático,51 na pnu;a da Alfândega, sofreu com os revoltosos. A porta de aço que protegia as instalações do partido, porém. irritou ainda mais as pessoas que passaram a jogar pedras e pedaços de pau. Após oferecer grande resistência, ela foi arrombada e todo o material partidário foi defenestrado e queimado em seguida. A Frente Democrática, a Frente Popular, o Partido Socialista, o Partido Social Progres.."iista e o Partido da Representação Popular sofreram o mesmo destino: invadidos, devastados e incendiados.
É
interessante observar como a ira das pessoas manifestou-se em relaçãoà
imprensa,às
rádios c aos partidos políticos de oposição ao PTB e aotrabalhismo no Rio Grande do Sul. O ato de agredir o outro implica o uso de um veículo, verbal ou material, envolto necessariamente por um simbo lismo que infonna a própria natureza da violência. A população gaúcha, ao atacar os adversários, não utilizou ovos ou frutos podres, querendo com isso humilhar ou diminuir. Valer-se de pedras, com o objetivo de ferir ou machucar, foi recurso eventual. Ao atacar especificamente a oposição, os revoltosos utilizaram o fogo com o inUJito de, ao mesmo tempo, destruir e
purificar.
É
curioso e el<XJüente, ne..;;se sentido, queA Tribuna,
jornal doPCB,
não tenha sido incendiada, mas apenas empastelada.Em Porto Alegre, como no Rio de Janeiro, os manifestantes
encenaram
sua indignação e revolta. A noção de teatro, aqui, novamente pennite desvendar rituais plenos de significados simbólicos. "Em todas as socieda des", diz Thompson, "o teatro é um componente essencial tanto do controle
político como do protesto ou, inclusive, da rebelião"
(1992,
p.70).
Se nacrise de agosto a oposição conservadora manipulou cenários e atores, agora era o momento de a população encenar seu contrateatro. Ocupando o palco das ruas e dividindo-se em grupos, os amotinados distribuíam papéis entre os que carregavam bandeiras, retratos de Vargas, alto-falantes e aqueles que invadiam. destruíam e incendiavam. Elegeram seus amigos e seus inimigos, estes caçados implacavelmente pela cidade. Recorreram ao simbolismo do fogo para fazer desaparecer aqueles que ameaçaram suas expectativas
5 1 No Rio Grande do Sul, o PSD aliou-se aos partidos de oposição e partiCipou ativamente da
86 • Vargas e a crise dos anos SO
políticas.
O
protesto gaúcho teve sua encenação e a trama principal foi aviolência popular.
Até aquele momento, o governador do Rio Grande do Sul, general Ernesto Dornelles, primo de Getúlio Vargas, não havia acionado o disposi tivo policial-militar para reprimir o povo. A imprensa conservadora, indig nada com os acontecimentos na capital gaúcha, atacava Dornelles:
"O
Governador do Rio Grande do Sul, general Ernesto Dornelles, nenhuma providência tomou para evitar as depredações, e cruzou os braços quando os manifestantes passaram a atear fogo aos jornaise às estações de rádio ... s2
Para os jornais, a revolta popular era ·chefiada por notórios agentes comunistas" e, sem repressão policial, "a turba alucinada pôde concluir a obra de destruição ante os olhos pasmos da população, que assistiu estarrecida a inominável selvageria".
Na verdade seria muito difícil para Ernesto Dornelles, governador pró ximo a Vargas, usar dos mesmoo métodos repressivos praticados na capital da República. Com sua atitude, Dornelles talvez procurasse dar um recado
às
elites políticas conseIVadoras: este território é nosso, aqui é diferente.Somente por volta
das 16
horas, quando o motim tornava-se ameaçador paratoda a cidade, o governador pediu auxílio ao comandante da Zona Militar Sul. Enquanto as tropas militares não invadiam as ruas, os amotinados conti nuavam os ataques aos opositores de Vargas. Se, num primeiro momento, as agressões voltaram-se para aqueles considerados pela cultura política popular como os inimigos "internos'" do presidente, como partidos, rádios e jornais, agora a revolta dirigia-se para aqueles vistos como os inimigos "'externos", referidos, inclusive, na carta-testamento: o imperialismo e suas representações oficiais e comerciais. Como afirma Banington Moore Jr., "'especialmente em tempos de crise política, uma parcela muito importante da fonna como as pessoas decidem quem elas são encontra-se na dccisão sobre quem são os seus inimigos� (1987, p. 209).
A primeira vítima foi a representação diplomática norte-americana, invadida, saqueada e totalmente destruída. No prédio onde se localizava o consulado, no edifício Rheingantz, encontravam-se também vários escritó rios e muitos consultórios médicos e dentários. Todos eles foram devastados, particularmente a Alfaiataria Maboni, cujo material de trabalho, corno tecidos, manequins e máquinas de costura, lançados na calçada, perdeu o valor. Somos levados a acreditar que, no imaginário popular, talvez a proximidade físiea das salas comerciais e médicas com a diplomacia dos EUA surgisse como cumplicidade com os interesses daquele país.
o carnaval da tristeza . 87 o