Vargas via dois caminhos nas relações econômicas internacionais do Brasil. De um lado, a aüança com os EUA, dos quais pretendia obter empréstimos públicos e colaboração técnica para a industrialização brasilei ra. Sabia também que iria depender do fornecimento externo de petróleo para incrementar a produção interna de derivados, e de equipamentos e
créditos para os projetos de infra-eslnttura. O presidente mostrava-se aberto
à
vinda de empresas estrangeiras interessadas em instalar empreendimentoslocais nas áreas priorizadas por seu governo.
Por outro lado, reconhecia a necessidade de voltar-se para a Europa, buscando nela créditos, assistência técnica e trocas comerciais.
Não havia portanto um projeto autárquico, anti-Estados Unidos, na
proposta inicial de GehÍlio Vargas. O salto para a integração vertical da
industrialização, se representava menor dependência da importação de certos produtos, significava também a nece,''isidadc de importar novos insu
mos e equipamentos. O que se colocava claramente, desde a campanha, era
que o Brasil devia diversificar suas relações econômicas e comerciais com os EU A e a Europa.
Vargas concentrou os projetos de industrialização de seu governo em duas áreas: a Assessoria Econômica e o Ministério da Fazenda.
Ao assumir o governo, fonnou um gnlpo de assessores técnicos para desempenhar simultaneamente as funções de uma secretaria infonnal de planejamento e de assessoria ao gabinete nas questões do dia-a-<lia do presidente. Inicialmente recrutou para a Assessoria Econômica Rômulo de Almeida, que montou o restante da equipe. Ela cra constituida por técnicos especializados em planejamento e política industrial (como Rômulo) e em
energia elétrica e política mineral (como Jesus Soares Pereira c João Neiva
Figueiredo). Em geral, provinham de outras áreas do serviço público, tendo aí entrado através de concurso do Departamento de Administração e Servjço Público (Dasp), e haviam tido experiência prévia de assessoria em organis-
166 • Vargas e a crise dos anos 50
mos como o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o Conselho Federal de Comércio Exterior e o Conselho Nacional do Petróleo. Rômulo de Almeida fora também assessor de Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi no Departamento Econômico da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
entre 1946 e
1950,
tendo formulado com eles um projeto de indll,trializaçãopara
os pós-guerra que previa o tratamento da questão energética, tarifária e o reequipamento industrial. As verbas da Asscs..·;;oria Econômica eram tão reduzidas que a CNI complementava de inicio o salário de Rômulo de Almeida, ainda que ele já tivesse se afastado do Departamento Econômico.9 Esse fato evidencia a proximidade entre o presidente e os industriais, o que viabilizou a formação de uma aliança getulista: o principal assessor de Vargas vinha da CNI; seu ministro da Fazenda, Horácio Larer, e o presidente do Banco do Brasil, Ricardo Jafe!, eram industriais paulistas; e o presidente da CNI, Euvaldo Lodi, era deputado federal pelo PSD mineiro e tinha livre trânsito no gabinete presidencial.Compllnbam também a Assessoria Econômica Inácio Rangel, Pompeu Aciolly Borges, Ottolmy Strauch e Saldanha da Gama. Essa era a equipe fIxa, mas ela contava também com grupos técnicos eventuais, recrutados de agências governamentais confonne a necessidade de infonnaçõcs. Como colaborador 'voluntário" (nas palavras de Rômulo de Almeida), o organis mo dispunha da ajuda do comandante Lúcio Meira, subchefe da Casa Militar. Vários dos trabalhos des."" organismo eram também compartilhados por Cleantho de Paiva Leite."
Um traço característico desses técnicos era a orientação nacionalista não-ortodoxa, que lhes permitia abrir lugar para a participação controlada do capital estrangeiro em empreendimentos como a Petrobrás. Eram tam bém assessores leais ao presidente.
Coube
à
Assessoria Econômica formular os projetos de criação daPetrobrás e da Eletrobrás, bem como prover os recursos que alimentariam essas empresas. Dessa forma, para cada projeto seguia-se uma proposta de pequena refonna fiscal, para provimento de capital àquela área. Como as
políticas do petróleo e da energia elétrica culminaram
na
criação de empresãs
púhlicas, pode-se dizer que, além de planejar, a Assessoria realizou, semgrande alarde, uma refonna administrativa e fiscal pela via incrcmentalista.
9 Almeida, Rômulo de. Prefácio. ln: Pereira, Jesus Soares. Petróleo, energia elétrica e
sideru.rgia. Depoimtmto a Medeiros Lima. Rio de Janeiro, Paz e Terra, t975; Almeida,
Rômulo de. Política econômica do segundo governo Vargas. In: Szmrecsanyi, Tamas &
Gmnziera., R. Op. clt.; e entrevista da autora comJaci Magalhães, 1981/82.
10 Sobre a Assessoria Econômica, além dos depoimentos de Rômulo de Almeida ao CPOOC (1980) e deseus artigos citados na nota anterior, vera análise de Maria Celina S. O'Araujo, op. cit., p. 134-11.
o difícil caminho do meio _ 167
sem ter de recorrer a medidas que gerariam rupturas no interior do Estado.
Os
primeiros projetos interligando as políticas energéticas com a indústria de equipamentos pesados surgiram ali, sendo depois transferidos para aj Comissão de Desenvolvimento Industrial, no Ministério da Fazenda. A sugestão da criação da CDI proveio da assessoria que, sobrecarregada com a elaboração dos projetos do petróleo e o aconselliamento cotidiano
à
Presidência, optou por descentralizar tarefas de planejamento, passando-as para o ministro Horácio Lafer. Também nela foram fonnulados o Plano Nacional do Carvão, o Banco do Nordeste e uma série de projetos na
área
agrícola.
No Ministério da Fazenda foram criadas duas agências para elaborar planos e projetos voltados para a industrialização e a infra-estrutura energé tica: a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e a Comissão de Desenvolvi mento Industrial.
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