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Tal observação chama a atenção para uma disjunção entre o trabalhismo como movimento político e como máquina partidária, observada pela lite­

No documento Vargas e a crise dos anos 50 (páginas 150-153)

ratura que estuda o PTB e atribuída

à

força do carisma de Vargas - sem

dúvida, o principal responsável pelos votos recebidos até

1954.

É sabido

igualmente que Getúlio não priorizava a linha do fonalecimento partidário,

mas sim wna "linha sindical" para o PTB.

A

própria advertência de San

Ttago a Jango, no Jornal do Comércio, chama a atenção para o fato de que,

sem Vargas, as qualidades necessárias a um presidente do PTB eram mais

as de um "'chefe partidário". Ou seja, o crescimento eleitoral do PTB

,

sem

abandonar o tabuleiro do movimento sindical e do proselitismo dirigido aos

trabalhadores, dependeria de lances planejados em outro tabuleiro - o do

44 Várias. Jornal do Comércio, 1 1-4-1958.

45 Arquivo 5an Tiago Dantas. Arquivo Nacional. AP 47(43), pacotilha 2.

46 lnstruções dos Dirigentes Municipais do PTB (Minas Gerais). Belo Horizonte. 15-2- 1 959.

Arquivo 5an Tiago Dantas. Arquivo Nacional. AP 47(7), pacotilha 1 . As citações que se seguem são deste documento.

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sistema partidário -, o que colocava na ordem do dia as questões das coligações - "as alianças com independência'" - e da interiorização da máquina através de diretórios municipais e distritais.

Após 1954 e visando "institucionalizar" o trabalhismo, pode-se com­

preender melhor o objetivo das Instruções. Embora o

P1B

fosse um "partido

novo" , acabou por asswnir"'a aparência e a estrutura dos 'partidos deroronéis· .... , no que foi uma "imitação involuntário" do modelo de outros partidos. Mas tal situação precisava mudar com rapidez e, por isso, o texto vai desenhando, por oposição, um novo modelo: o de um "partido popular".

Isso signiticava que todos os diretórios teriam que cumprir alguns proce­

dimentos, enumerados e justificados passo a passo.

O

primeiro deles em ter

mna sede - alugada ou emprestada -, mas jamais funcionar na casa de nenhum líder. A sede, despersonalizada e identificada com o partido, era indispensável como local de reuniões periódicas da Executiva e ponto de referência para o cidadão que desejasse alistar-se ou filiar-se.

Além disso, os dirigentes municipais e distritais deviam esforçar-se para receber contribuições mensais obrigatórias dos filiados. Problema complexo mas fundamental para cobrir gastos variados, com destaque para aqueles exigidos pelo alistamento eleitoral: transporte do eleitor rural, fotografias,

cartório e outros.

O

alistamento devia ser wna atividade prioritária, perma­

nente e tão importante, que sua exeeução teria que ficar a cargo de um dirigente do diretório, sendo ele até o próprio presidente. Pste iria cercar -se de auxiliares que visitariam a zona rural e cuidariam dos alistados, tomando-os, quando possível, filiados. Embora o alistamento estivesse a cargo da Justiça Eleitoml, era natural que muitos cidadãos procurassem os partidos (ou fossem por eles

procurados) e, no caso do P1B

,

toda assistência lhes devia ser prestada.

Assim como a sede do partido, o sindicato era referência para os traba­ lhadores da localidade, devendo os dirigentes municipais e distritais estar aí presentes, tentando trazer os operários para o partido. Locais de trabalho e de recreação deviam também ser visitados e atividades de assistência social estimuladas, principalmente quando voltadas para o trabalhador rural." Tal orientação não significlilva que o partido procurasse absorver os sindicatos, transformando-os em "ramificações dos diretórios". A distinção entre parti­ do e sindicato devia permanecer clara, mas os tmbalhistas precisavam lutar pelos postos de direção sindical, impedindo que caíssem em mãos de outros partidos cada vez mais atuantes.

47 Vale lembrar que em meados de 1957 um projeto de Francisco Ferrari estendendo a

legislação trnbalhista ao campo ê rejeitado na Câmara. A proteção legal dos Mdireitos" do

trabalhador rural e a refonna agrária sào pontos tão polêmicos como marcantes da atuação do PTB no período.

Trabalhismo e democracia _ l57

o sindicato também oferecia ao partido a possibilidade de executar

atividades de caráter educacional que a vida partidária não pennitia.

O

alistamento e a propagação das idéias trabalhistas - o nacionalismo, a refonna agrária e o tema da previdência social� com destaque - encontra­ vam nos sindicatos um lugar de apresentação privilegiado.

Como se vê, o documento é detalhado, contendo observações, inclusive,

sobre como o diretório local devia receber um visitante do

PfB

ou de outro

partido.

As

Instruções também alertavam para casos de infidelidade ou de

índices insatisfatórios de desempenho no alistamento ou nos resultados eleitorais. Intervenções nos diretórios, a presença de delegados especiais e

a própria reestruturação organizacional, com a apuração

das

causas dos

problemas enfrentados, também constavam das orientações.

O que mais se distingue no documento é a preocupação com um trabalho pennanente, em nível municipal e distrital, de alistamento, que devia ser fiscalizado de perto pela direção regional: recomendava-se o envio de relatórios semestrais com dados e avaliações. Mesmo que não se esteja imaginando aqui que os fatos se passaram confonne o receituário proposto, o cuidado com a elaboração das Instruções e o progressivo desempenho eleitoral do P'lB, com sua já atestada -interiorização" em vários estados do Brasil (inclusive no Nordeste), demonstram resultados positivos que, em parte� deviam derivar desses cuidados. Além disso, as Instruções são con­ gruentes com a estrutura organizacional de um partido altamente oligarqui­ zado, que excluía sistematicamente dissidentes e não sociali7..ava debates politicos de fundo. Como integrante do grupo janguista, o prestígio crescente

de San TIago em Minas fortalecia a liderança nacional do

PTB

num estado

extremamente estratégico na vida política brasileira, pelo número de eleito­ res e por sua tradição histórica.

Se esse trabalho sistemático do PTB

,

refletido nas Instruções, dá conta de

aspectos

pouco examinados e val0ri7.ados quando se trata de partide>; politicos no Brasil, cIe complementa.se, sem dúvida, com as atividades suscitadas pelos

momentos de campanha eleitoral.

O

exemplo da campanha à vice-govemança de

Minas, realizada por San TIago em 1960, pode ser ilustrativo do planejamento e da importãncia crescente de novas práticas de propaganda política.

A elaboração de manifestos, em conjunto com o PSD ou isoladamentc� para serem amplamente divulgados pela imprensa escrita e falada aliava-se

à foodação de comitês de propaganda que, no caso, deveriam existir em

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localidades mineiras. Muitas viagens e comícios, de vários tipos e tamanhos, eram articulados. Para (ais acontecimentos elaboravam-se discursos com temas apropriados. Por exemplo: em Belo Horizonte, discursos sobre edu­ cação; em Uberaba� sobre pecuária; e em Juiz de Fora. sohre sindicalismo. Nesses discursos, a preocupação com a menção ao nome do "inesquecível

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fundador .... � se possível associada a eventos programados para datas traba­ lhistas, como o 1 g de maio. Nas excursões, era fundamental fazer visitas a sindicatos, hospitais, centros de puericultura e a bairros onde residiam trabalhadores. A idéia era marcar "um novo estilo político", que substituísse os velhos contatos com chefias locais, sempre vinculados aos métodos empreguistas, por novas atividades associadas a reivindicações coletivas e abertas ao povo em geral e aos trabalhadores em especial.48

É

claro que esse "novo estilo" não era apenas petebista, e a UDN, sobretudo

no Rio de Janeiro, eom a liderança de Carlos Laoerda, moslrava seus frutos de

fonna irrefutável. O interessante a observar é sua extensão e adaptação a municípios do interior, como os de Minas, observando-se que tais práticas não deviam se restringir a esse estado. O estilo, de fato, também não era tão novo, mas a intensidade e o alcance da competição partidária sem dúvida o eram.

Os anos 50 destacam-se, assim, como um período estratégico para a

constituição de partidos políticos no Brasil como organiz.ações de massa, o que significa tanto um esforço organizacional interno em bases mais moder­ nas� quanto uma atuação agressiva na área do alistamento eleitoral, ou seja, na produção de cidadãos com efetivo direito de voto.

O exemplo do PTB, mais especificamente o exemplo do PTB em Minas

Gerais - estado onde este partido tradicionalmente não tinha força política e San Tiago recebera a tarefa específica de lançar bases sólidas para o

trabalhismo -, é esclarecedor.

É

preciso não esquecer que a prática organi­

zativa é elemento central

à

construção da identidade de um ator coletivo,

influindo e sendo influenciada pela dimensão simbólica por ela articulada. Dessa fonna� a ... renovação .... do trabalhismo - o espaço que os temas das refonnas e da democracia ganham nessa ideologia - complementa-se com

a conformação do PTB como um �partido operário de massa" , um "partido

dos trabalhadores", como San Tiago preferia nomeá-lo.

No documento Vargas e a crise dos anos 50 (páginas 150-153)

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