• Nenhum resultado encontrado

A única dimensão nova é todo esse discurso ser fcito por um partido que participa do governo e que, segundo San Tiago, só pode trabalhar pela

No documento Vargas e a crise dos anos 50 (páginas 141-146)

modernização do país defendendo um projeto de fortalecimento das ínstitui­

ções legais, vale dizer, da democracia. Ou seja, para o rraballúsmo desenhado

por San TIago, o nacionalismo e o sindicalismo tinham sua pedra de toque

Trabalhismo e democracia . 147

e sua prova de fogo na rejeição de propostas de interrupção da continuidade jurídico-institucional do país. Seno Estado Novo a justiça social se realizava por via "democracia autoritária" , menosprezando os direitos políticos de

cidadania, na virada dos anos

50

ela

poderia se realizarpor meio de um Estado

hlJeral-<lemocrático que pusesse o voto no centro de suas preocupações." Um sindicalismo democrático, mas não demagógico, exigia que os traba­ lhistas estivessem ao lado das reivindicações, inclusive salariais, dos traba­ lhadores. Mas exigia também que os mesmos Iraba1hlstas, que faziam parte

do governo, com ele colaborassem.

Isso

significava na prática, por exemplo,

condenar o uso abusivo de greves que podiam até desembocar em movimen­ tos com características insurrecionais que escapassem a qualquer direção política. Implicava também fazer críticas a lideranças populares pouco atentas ao processo de aceleração da inflação que corroía salários, desqua­

lificando a mera luta por um aumento nominal.

Os

elos entre política salarial

stricto sensu,

refonnas sociais em sentido amplo e política econômica nacional e internacional eram muito fortes, não se JX>dendo ignorá-los.

A amplirude das questões envolvidas na qualificação dos conteúdos que

deveriam povoar c orientar a conduta dos trabalhistas, doutrinária e pragma­ ticamente, é uma das características do pensamento de San Tiago. Este fato, aliado a sua "moderação"', talvez pudesse esclarecer as dificuldades e resistências a uma mais ampla passagem dentro do partido, do movimento sindical e também entre outros partidos.

As

temáticas da crise e das refonnas sociais, que passam a dominar

fortemente as preocupações de San Tiago desde 1959, quando inicia sua

atuação parlamentar, até 1964, ano de sua morte, deixam esse aspecto muito

claro. Na verdade, para ele, a crise é "o tema de nosso tempo" em múltiplas

e profundas dimensões, desde o

fIm

da 11 Guerra Mundial. Crise "moderna"

da qual se tem consciência crescente com "a crise do E5tado" e também com

"'a crise da cul tura" em tennas universais?8

O

tema crise é, com certeza, uma

constante do campo político e intelectual da época. Mas cla passa, progres­ sivamente, a ganhar sentidos mais nacionais e precisos, sendo o discurso de posse de San Tiago na Cãmara um texto paradigmático de como irá lralar a

questão e vinculá-Ia a outro grande tema do PTB: as refonnas de base?9

27 Sobre o conceito de "democracia autoritária" e sobre a questão da relação entre direitos políticos e sociais no Estado Novo, ver Gomes, Angela de Castro. A ifrvenção do

trabalhismo. Op. cit., capo 5.

28 O tema de nosso tempo. Rjo de Janeiro, 8-12-1947. Arquivo San Tiago Dantas. Arquivo Nacional. AP 47(1), pacotilha 2. Longa explanação onde San nago discorre sobre a "idade de crise" que então se vive.

29 Refonnas de Base, Discurso na Câmara dos Deputados na sessão de 30-3-1959, in: Sall Tlago Dantas: perfil parlamemar n9 21. BrasHia, Câmara dos Deputados, 1983. p. 75-91

148 • Vargas e a crise dos anos 50

o

PTB, que era nacionalista e sindicalista, precisava lutar por ref onnas

de base, que se tornavam inadiáveis exatamente pelos riscos políticos que a

crise econômica e social tra71a.

O

diagnóstico da crise então realizado pode

ser esquematizado em três desigualdades que ameaçavam a própria solida­ riedade nacional: as desigualdades de renda entre proprietários e as­ salariados, que traziam a instabilidade social; as desigualdades entre regiões, que produziam o colapso do federalismo; e as desigualdades entre a cidade e o campo, responsáveis pelas revolta rural e questões de violência urbana.

A

gravidade particular da crise na segunda metade dos anos 50 estava no

aprendizado irrefutável de que o desenvolvimento econômico não trazia progresso socia� ao contrário, podia agravar - pelo aumento das desigual­ dades - todos os problemas sociais e políticos já conhecidos no país. Daí o fato de a plataforma política do trabalhismo - e não só do trabalhismo de San TIago - poder ser sintetizada e simbolizada na luta peJas reformas de base, das quais as refonnas tributária e agrária seriam as mais expressivas.30 Porém, se as refonnas de base podiam ser consideradas um ponto de consenso dentro do PTB, uma verdadeira marca registrada de todos os programas e pronunciamentos, a delimitação de seu conteúdo c de seu encaminhamento tinha o efeito de instaurar o conflito no interior do partido,

o que só iria se agravar ao longo do governo Goulart, após 1961.

É

claro que

tais definições implicavam em detenninar o alcance das refonnas c as possíveis estratégias e alianças para realizá-las. No caso de San TIago, a

implementação das reformas de base é qualificada, já em 1959 na Câmara,

como a execução de uma "revolução branca'·, isto é, uma verdadeira revo­ lução pelas transfonnações que se produziriam, mas que, por se realizar dentro da legalidade, seguiria uma dinâmíca de refonrusmo social progressivo e de rejeição ao radicalismo político e ideológíco.

Essa posição em re1ação ao vínculo existente entre refonnas e democracia passa a se constituir no elemento fundamental das disputas políticas entre e

intrapartidos em inícios da década de 60.

A

conjuntura impunha o tema das

refonnas, e as diferentes forças políticas, inclusive extra e supraparLidárias,

passam a se posicionar como em um

cmuinuum,

que variava entre refonnas

c democracia; refonnas radicais, ma..'i rejeição à democracia; c nenhuma

refonna e nenhuma democracia?]

Nesse contexto, que vai num radicalismo crescente, a proposta de San 30 As reformas de base eram nomeadas como um conjunto que englobava um amplo leque de

refonnas: agrária, urbana, tributária, bancária, administrativa.

3 1 Uma excelente e minuciosa análise dessa conjuntura política que desemboca no golpe de

1964 está em Figueiredo, Argelina Cheilub. Democracia ou reformas? Alremarlms democrriticas à crise politica: 1961-1964. São Paulo, Paz e Terrn, I 993.

Trabalhismo e democracia . 149

l1ago para o Irabalhismo do

P1B

e para sua busca de aliados políticos é a

realização de reformas moderadas e de comprometimento indeclinável com os princípios democráticos. Alguns de seus pronunciamentos mais signifi­ cativos� pelo teor e pela circunstância em que foram feitos� dão a exata medida do que se quer assinalar.

"Temos que realizar no nosso País, como em todos os países subdesenvolvidos que têm nossas características políticas, uma autêntica revolução democrática. Esta revolução é que nos salvará de uma revolução extremista c antidemocrática. Ela é que consoli­

dará as nossas instituições. ,,32

Esse pequeno Irecho do discurso realizado quando de sua indicação para

primeiro-minisIrO, em 1962, após ter ocupado o Ministério das Relações

Exteriores, estava no centro de uma argumentação que visava, ao mesmo tempo, acusar todos os extremismos - tanto os de direita, quanto os de esquerda - e rechaçar as críticas que sofria como extremista. na medida em que defendia as refonnas de base. Nesse texto, San TIago insiste em que "o espírito de refonna social .... não representa "tendência esquerdizante .... e não é privilégio de ideologia política, não significando em absoluto o abandono das posições democráticas?3 Mais de um ano depois, em discurso de agra­

decimento pela escolha de seu nome como Homem de Visão de 1963 e já

afastado do Ministério da Fazenda, volta ao ponto para nele sintetizar toda a sua conduta de homem público. Afmna estar totaJmente convencido da necessidade urgente de defender a democracia no Brasil e da impossibilidade de salvá-la apenas como fórmula política ou apenas como desdobramento do desenvolvimento econômico.34

A luta pela refonna social - pela extensão ao povo dos benefícios políticos e econômicos reservados a poucos - era a própria luta pela democracia. Mas o alcance e os meios de processar essa refonna lhe pareciam propositalmente infonnulados, facilitando o imobilismo e o radi­

calismo.

Os

riscos emm muito grandes. pois a refonna social podia abrir seu

canúnho anti democraticamente ou ser da mesma fonna barrada.

Talvez se possa dizer que o centro de sua proposta estivesse no que chama de "reformas decididas mas prudentes", o que significava escolhas modestas em termos doulrinários, algo extremamente difícil para a época, além de

32 Pronunciamento do ministro San TIago Dantas a uma rede de televisão e rádio no dia 22 de junho (1962). quando da indicação de seu nome para primeiro-ministro. Arquivo San TIago

Dantas. Arquivo Nacional. AP 47(48), pacotilha 2, p. 6. 33 Id .• p. 5-7.

34 Dantas, San Trngo. Idéias e rumos para a revolução brasileira. Rio de Janeiro, José Olympio, 1963, p. 4-6.

150 • Vargas e a crise dos anos 50

escolhas flexíveis em tennos de alianças políticas, o que ia se tornando, na prática, impossível.

Ilustrando: para San Tiago, uma orientação política nacionalista inde­

pendente devia dominar as relações internacionais do país, até porque

assim se completaria o processo de industrialização iniciado nos anos

30.

a diversificação de mercados de importação e exportação romperia com o "sistema comercial colonialista" até então dominante e incentivaria a inicia­ tiva privada. Mas este fato não significava uma conduta antiamericanista que recusasse, por exemplo, a negociação da dívida com os EUA, ignorando a falta de força econômica do país e desprezando uma melhoria em nossa

situação de devedor. Na mesma linha, se era necessário diminuir a..o;; pressões

dos grandes grupos estrangeiros e proteger, com a nacionalização, os setores de energia e comwúcaçóes, não se podia operar internacionalmente desco­ nhecendo demandas de empresas estrangeiras aqui radicadas há muito teInIX>. Portanto, não se tratava de realizar opções excludentes entre iniciativa estatal e iniciativa privada; entre política externa independente e recusa a relaçâes com os EUA; entre uma política de salários que protegesse o lraha­

lhador e uma política de preços que exigisse austeridade e comhate

à

inflação.

O exemplo da refonna agrária é particulannente expressivo, pois o que se postulava era sua execução por instrumentos legais c com flexibilidade. Havia medidas de caráter administrativo que podiam ser tomadas rapida­ mente (como a utilização de terras públicas), outras que exigiam nego­ ciação para resolver dificuldades e ainda outras que requeriam transfor­ mações constitucionais, sem o que a refonna não ganharia a amplitude necessária (a questão da desapropriação por interesse social).3!'i

Os sucessivos malogros na trajetpria política de San Tiago são um bom indicador das resistências crescentes que passa a encontrar no interior de seu próprio partido e na cena política em geral. De certa fonua, é possível mapear essa cena a partir de uma grande diretriz que dividia aqueles que pcnnane­ ciam defendendo a democracia - o que cada vez exigia mais moderação nas refonnas -, daqueles que a abandonavam, seja porque só aceitavam reformas radicais, seja porque rejeitavam qualquer tipo de reforma.

A não-aprovação do nome de San Tiago, em meados de 1962, para a

fooção de primeiro-minislro, apontava para uma orientação política que,

dentro do PTB

,

apostava no aprofundamento das refonnas e em seu vínculo

com o presidencialismo e o radicalismo. A adesão ao parlamentarismo e a uma proposta "moderada" , que comportava um denominador comum para as diferenças partidárias em momentos dramáticos como o que se vivia, não

35 Nos dois pronunciamentos citados e tambêm no discurso de posse em 30-3-1959 há fortes

Trabalhismo e democracia . 151

suscitava amplas simpatias. As dificuldades posteriores, como ministro da

No documento Vargas e a crise dos anos 50 (páginas 141-146)

Outline

Documentos relacionados