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As manifestações em São Paulo e Belo Horizonte

No documento Vargas e a crise dos anos 50 (páginas 85-88)

Na cidade de São Paulo, os trabalhadores receberam a notícia da morte de Vargas pela manhã bem cedo, e muitos dclcs já se encontravam dentro das fábricas e oficinas. Somente na hora do almoço, com algum tempo livre,

operáriQs de muitas empresas decidiram decretar greve c saíram em direção

aos seus sindicatos. Ao meio-dia, as suas organizações de classe estavam

lotadas com manifestantes portando faixas e cartazes à espera do início das

atividades de protesto. A passeata começou

às 13

horas, saindo dos sindica­

tos dos metalúrgicos c dos têxteis, além dos diretórios distritais do PTB

.

Ao

chegarem na praça Antônio Prado, subiam pela avenida São João quando algumas pessoas mais revoltadas começaram a quebrar vidraças de restau­ rantes� cinemas e lojas. Quando alcançaram a avenida Duque de Caxias, as lideranças sindicais e petebistas conseguiram convencer os mais exaltados a evitarem as depredaçõcs, alegando que tais atitudes tão-somente interes­ savam aos inimigos dá obra de Getúlio Vargas.

Na sede do YfB, ponto fmal da manifestação, os opcr.írios realizaram um comício. Eusébio Rocha, subindo em um jipe, disse com emoção para . seus companheiros se manterem vigilantes contra os inimigos de Vargas, uma vez que eles também eram os inimigos do Brasil. Várias faixas e cartazes diziam: "Getúlio Vargas não morreu: vive no coração do povo"; 'Os trabalhadores saúdam aquele que foi o maior brasileiro vivo'·; 'Os trabalhadores pesarosos pela morte de seu chefe-."

o carnaval da tristeza _ 89

Vários outros grupos também protestaram em inúmeros pontos da cidade.

Muitos participaram do ato público da praça da Sé, onde o PTB e o PeB

promoveram uma manifestação em conjunto. Enormes faixas que aludiam

ao "'imperialismo e aos

tmsts

norte-americanos" eram carregada.. ... por traba­

lhistas c comunistas.54 No largo de São Francisco, os dois partidos tentaram organizar um outro comício. mas os cavalarianos da polícia, à força, disper­ saram militantes e populares. Na percepção da imprensa conservadora, a ação policial nas ruas do centro e no largo de São Francisco, "onde se aglomerou grande massa popular", foi necessária pois impediu "assim que os comunistas levassem avante seus planos terroristas":'55

Os comunistas, na verdade, foram pegos de surpresa no episódio do suicídio de Vargas. Se até a noite anterior faziam pesados ataques ao presidente, na manhã seguinte eles tentavam reverter mais um de seus "desvios", para usar a linguagem partidária. Antonio Carlos Felix Nunes, em texto primoroso, conta-nos que, logo nas primeiras horas da manhã, os integrantes da célula do PeB da Zona Leste paulista já estavam nas portas das fábricas, cujos trabalhadores, chocados com a notícia, declararam greve. Reunidos, milhares de operários que abandonaram as empresas procuravam organizar outra manifestação de protesto. Os comunistas misturaram-se à multidão esperando o momento adequado para lançar as palavras.<Je-ordem do partido e comandar o movimento. Para o espanto de todos. no entanto. de um grupo de jovens operárias que lamentavam e choravam a morte de Vargas, uma delas, também aos prantos, tomou uma atitude surpreendente: rasgou as mangas de seu vestido, deixando à mostra os ombros e parte dos seios; arrebentou com os dentes as alças da combinação preta c. por baixo da roupa. retirou o saiote. Diante do silêncio respeitoso dos trabalhadores, a moça procurou pelo chão algo parecido com uma haste e amarrou nela sua combinação. A operária, improvisando uma bandeira negra, em sinal de luto, dirigiu-se para a frente da multidão e, num apelo dramático, gritou: "Mata­ ram Getúlio! Mataram Getúlio! Morreu nosso pai!"

Deu-se, então, o início da passeata com milhares de trabalhadorcsseguin­ do a porta-cstandarte. sob os olhos atônitos dos comunistas que perderam a

iniciativa e a liderança do movimento (Nunes,

19&0,

p. 1 6-7).

Também nas cidades vizinhas à capital têm-se notícias de protestos. Em São Caetano do Sul, logo pela manhã, muitos operários abandonaram os locais de trahalho c, junto àqueles que nem chegaram a entrar neles,

iniciaram uma passeata.

À

medida que pa..'iSavam por outras empresas,

incitavam seus colegas a declararem greves e acompanhá-los. As indústrias

54 o Estado de S. Paulo. 25-8-1954, p. 10. 55 Correio da Manhã, 28-8-1954, p. 2.

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que não aderiram, como a Aço Villares, os Elevadores Atlas e a General Motors, foram apedrejadas pelos operários."

A população de Belo Horizonte, a exemplo de outras cidades, também não ficou indiferente diante do impacto da triste noticia. Logo pela manbã, quando as rádios locais informaram a tragédia, milhares de pessoas saíram

às

ruas, particularmente os trabalhadores, para

se

certificarem do fato e

expressarem sua dor e indignação. A rua, aliás, foi o espaço privilegiado nas manifestações populares em todas as capitais do país. Seguindo algumas

idéias de Thompson, podemos dizer que, no dia

24

de agosto, homens e

mulheres tomaram o espaço público para confll'll1arern versões e rumores. discutirem política e organizarem algum tipo de protesto. Na rua, a multidão, pelo grande número de indivíduos. "sentia por algum momento que era

forle"

( 1984,

p.

132). Na

capital mineira, a primeira reação dos populares

foi a de arrancarem dos postes e marquises faixas e cartazes dos candidatos

da oposição, em particular da

UDN,

para queimá-los em seguida. da mesma

maneira que no Rio de Janeiro.57

Operários de várias fábricas e da construção civil abandonaram seus postos de trabalho e se concentraram no centro da cidade. Após acerto entre eles, rumaram para o Instituto Brasil-Estados Unidos, cuja sede ficou totalmente destruída.58 Outro grupo invadiu o consulado norte-americano quebrando móveis. annários, vidraças e rasgando livros e docwncntos.59 O comércio, em sinal de luto e medo, fechou ainda pela manhã. enquanto os bondes deixaram de circular. Manifestantes revoltados tentaram ainda em­

pastelar o jornal

Correio

da

Manhã,

órgão da

UDN,

mas a polícia, chamada

a temIX>, impediu a invasão.60 Belo Horizonte logo foi tomada pela Polícia do Exército, fortemente annada. que se espalhou em pontos estratégicos da cidade e em todos os prédios públicos.ó1

Somente à noite. quando os distúrbios deram sinais de cansaço, Belo Horizonte teve sua vítima de morte. Na avenida Santos Dumont, um grupo de populares atacou um destacamento policial a pedradas. Segundo o repórter, um soldado, ferido, reagiu atirando contra eles. Um inocente vendedor ambulante foi atingido pelo projétil e, mesmo socorrido no hospi­ tal� veio a falecer mais tarde.62

56 O Estado de S. Paulo, 25-8-1954, p. 10. 57 Última Hora, 25-8-1954, edição extra, p. 5. 58 O Dia, 25-8- 1954, p. 6.

59 O Dia. 25-8-1954, p. 6.

60 O EsTado de S. Paulo. 25-8-1954, p. tO.

61 O Dia, 25-8-1954, p. 6.

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