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Durante dez anos, sua vida foi uma festa de criação, uma contínua exube- rância de espiritualidade, uma intensa alegria de viver, benfazendo e ascenden- do para uma realização mais profunda de si mesmo. Ele se harmonizara com o Criador, e todos os seus atos eram um hino de gratidão ao Criador. Sua existên- cia tornara-se um fervor contínuo de concepção, e esta era a sua maior sensação da alegria de viver. Ele, que jamais pudera encontrar a alegria no plano huma- no, encontrava-a finalmente no plano do espírito, para onde o centro de sua vida se transferira. Tudo isso representava para ele, na verdade, uma nova exis- tência, plena de novas satisfações. Gozava daquela sensação de liberdade e de domínio que só o voo pode dar e que os répteis jamais admitirão como coisa possível. Parecia-lhe possuir novos sentidos, sentidos da alma, pelos quais esta podia finalmente revelar-se, agora que a sua casca corpórea, macerada pela dor, tornara-se mais transparente. O seu ser sentia-se como mergulhado num oceano esplendente e vibrante, onde ele se multiplicava e se expandia, onde a sua consciência podia agora transpor os limites do espaço e do tempo, impostos à natureza humana. Ele, que desde menino julgara tal restrição inaceitável e su- focante, sentia ter encontrado agora as verdadeiras dimensões do seu próprio ser, que chegavam ao infinito, e da sua verdadeira natureza livre, que estava no espírito. Assim, intensa de embriaguez, foi essa alegria, que lhe pareceu quase uma orgia – a orgia da superação e da evasão que existe na velocidade; a orgia de liberdade e de luz a que se entrega o prisioneiro finalmente liberto do cárce- re estreito e escuro. Ele encontrara a si mesmo; encontrara as suas alegrias espi- rituais, as verdadeiras alegrias; encontrara a sua vida, a verdadeira vida. O para- íso não é um lugar, mas sim um estado da alma; é a completa realização do mais nobre de si mesmo – e ele alcançara esta realização.

Os caminhos do mundo, que se abrem diante de todos, tão bem adequados e proporcionados aos respectivos desejos, como caminhos de afirmação, tinham sido para ele caminhos de negação, inadequados à sua natureza. Fora no mun- do um desastrado, um inepto, e o mundo o condenara. Rebelara-se. Destruíra as circunstâncias de vida que o ambiente tentava lhe impor; afastara-as e, ago- ra, encontrara a sua verdadeira vida, que somente podia ser de espírito, e não de matéria, somente podia estar contra o mundo, e não com o mundo. A adver- sidade, afastando seu espírito da natural projeção exterior e recalcando-o para o interior, guiara-o não à natural dispersão, mas sim a uma concentração di-

nâmica, até à compressão explosiva, constrangendo-o àquela profunda elabo- ração interior da qual puderam nascer as grandes maturações. Dor salutar e preciosa, pela qual fora obrigado a reagir em busca de uma saída, que ele não pudera encontrar senão elevando-se a formas de vida mais altas.

É na reação que o homem se revela. Tudo isso o forçou a demonstrar a sua verdadeira natureza, fazendo-o sair em busca de um mundo maior, para con- quistar nele a sua posição. Mais tarde haveria de compreender ainda melhor as funções criadoras das provas e da dor, a cujo duro aguilhão devia o fato de ter sido despertado em tempo e ter percorrido um caminho que, de outro modo, jamais teria coragem de empreender. Se não fosse a dor, que outra coisa teria a força de mover e fazer avançar o homem pelo caminho exaustivo da ascensão? Na maior parte dos casos, os seres humanos lutam contra seus semelhan- tes e desabafam com o outro sexo. Repetia com Beethoven: “Se eu tivesse sacrificado a energia vital de algum outro modo, o que poderia ter acontecido de melhor?”. Era cioso, mas em outro plano. Elegera seus termos de compa- ração – seu ícone e seu amor – num tipo ideal e se pusera a lutar desespera- damente para alcançar o supremo amplexo na identificação. Somente neste terreno sentira-se digno de combater. Tivera que triturar-se para conseguir superar a animalidade humana. Mas não se pode abdicar da própria natureza nem das afinidades fundamentais do próprio tipo e destino. Naquele campo sutil, do qual a maioria nem mesmo suspeita a existência, tivera que se mo- ver, porque ali ouvira o apelo do destino e identificara a única verdadeira realização de si mesmo; porque até ali fora irresistivelmente atraído pela ma- nifestação daquele santo impulso, no qual se origina o choque de forças con- trastantes, que são a base da evolução.

Conseguira uma forma de pensamento e de ação onde não existia o frustra- do, o desviado, o fora da lei, o expulso da normalidade. Havia equilíbrio e harmonia na sua lei, com a qual se impunha à atenção dos seus semelhantes. O mundo não podia aceitá-lo senão como um desafio, pois atendia somente à sua própria lei de luta, que impõe a rebelião a quem não quer ficar destruído.

Finalmente, um fato novo viera transformar a situação. Um fato emergia do mistério, enviado pela Divina Providência, incrivelmente determinada a prote- ger aquela mesma decidida fé que ele, em sua férrea vontade, tão condenada pelo mundo, tivera nela e que agora produzia tão elevados frutos. Todos que o haviam desprezado olhavam-no agora, admirados com a inesperada capacidade revelada por um inepto, e interrogavam o seu rosto sem compreender. O meca-

nismo dos instintos, embora seja suficiente para guiar uma existência primitiva, constitui um instrumento muito impróprio para compreender o mais. Em seu ambiente surgiam efeitos que, apesar de não poderem ser tocados com as mãos, tinham presença real. As causas, para quem ignorava o complexo organismo das forças do destino, permaneciam um enigma. Ele andava agora firmemente pelo seu caminho, sem se preocupar com outras coisas. As novas atenções, sur- gidas depois de tanto desprezo, deixavam-no indiferente como as anteriores, que eram de condenação. A incompreensão permanecia a mesma, tanto na der- rota como na vitória. A realidade interior e profunda da sua vida continuava, como sempre, igualmente distante da psicologia de seus semelhantes.

Assim como não haviam sido compreendidos o seu maior sofrimento, o qual fora a razão de seu espírito permanecer inconciliável com o mundo, e aquele seu temperamento original, cuja natureza o impedia de participar da vida terrestre, também não podia ser compreendida agora a sua maior alegria, que estava em haver ele encontrado no plano do espírito o seu verdadeiro cen- tro vital de atividade. Deste novo estado, advindo das incompreendidas afir- mações espirituais, restavam as consequências, restavam os fatos. E os fatos não podem deixar de existir, mesmo para quem não os compreenda. As conse- quências sensíveis da invisível intervenção das forças da Divina Providência chamavam a atenção geral. Ele tinha agora uma posição social. Escrevia e pu- blicava. Seus livros se vendiam. Estava cheio de vigor e de entusiasmo. Traba- lhador incansável, dava provas de inteligência e de vontade. Em vez de ficar esmagado com seu fracasso econômico, mostrava-se muito satisfeito e corajo- so, provando de vários modos ser um vencedor. “Caprichos da sorte”, diziam alguns. “Cada um tem seu gosto”, diziam outros, sem saber ir mais adiante.

O que impressiona as pessoas são os efeitos. As causas são muitas e po- dem ser uma questão de opinião, mas os efeitos não se discutem. As pessoas olham, julgam e, sem ver mais nada, correm fanaticamente atrás dos que vencem. Fascinadas como as falenas, que giram em torno de uma chama até queimarem as asas, elas são atraídas por instinto, inspiradas pela lei biológi- ca da seleção. Aqui, comprovado pelos fatos, estava o sucesso, essa coisa estupenda sobre a qual não se raciocina mais, admirada a tal ponto, que não admite qualquer pergunta ou indagação a respeito da sua procedência, do seu mérito e até mesmo dos possíveis erros contidos nela. Adora-se a vitória, porque é vitória; despreza-se a derrota, porque é derrota. Assim é o mundo. Se o vencedor é um assassino e o derrotado um mártir, o mundo não compre-

ende senão mais tarde, quando o mártir estiver liquidado, não havendo mais remédio. Então o mundo lhe erguerá um monumento, fazendo isto não para glorificar o mártir, mas sim para sufocar os remorsos de tê-lo massacrado e para tirar proveito em vantagem própria daquele pretexto de mérito e virtude. Contra todas as expectativas, aos olhos de toda a gente, nosso protagonista vencera então. O inepto – aquele sonhador inútil e miserável – sabia agora fazer muitas coisas. Se no que ele escrevia havia tantas verdades, os seus sonhos não deviam ser tão idiotas. E o mais importante era que se encontrava bem economicamente, pois o seu trabalho lhe rendia o bastante para fazê-lo independente. Tanto os intrigantes como os que o desprezavam começaram a levantar a cabeça e a olhá-lo, pasmados. Convenceram-se de que a realidade dos fatos era inegável e, diante da constatação irrefutável, não puderam resis- tir ao desejo da admiração. Não há nada mais instável do que os estados psi- cológicos. Digno de fé é somente o que se diz dos outros. Parece que, apesar de toda essa mania de julgar os outros, ninguém sabe julgar a si mesmo. A admiração mais convincente é a que vem de fora de casa, de longe, de tercei- ros, de estranhos, sendo tanto mais convincente, quanto mais de longe vem. É assim que, para se fazer admirar e conhecer pelo próprio vizinho, é neces- sário, às vezes, a admiração ter feito a volta ao mundo, pois, se ela vem do ponto cardeal oposto, então sim é plausível. Se vem do exterior, é interessan- te e, se vem do outro hemisfério, é irresistível. Assim, a admiração reforça- se, cresce, estende-se e torna-se estima, constituindo aquela corrente de favor pela qual um indivíduo é socialmente circundado e definido.

Assim realizou-se lentamente, em torno dele, aquela estranha reviravolta, que causava estranheza apenas para quem não atribui um sentido sério à vida, como aquele sustentado aqui. Esta reviravolta era como o lento giro em dire- ção ao sol dessa flor que se chama justamente girassol. Parecia mentira, mas ele era agora admirado e estimado, mesmo por aqueles que antes haviam rido dele, mesmo por aqueles que, quando estava vencido, mais o desprezavam. Assim são as convicções humanas. Afinal, é lógico que a vitória seja tanto mais admirada e a derrota tanto mais desprezada, quanto mais vil e fraco é o indivíduo que julga, constrangido a mentir por sua fraqueza.

Ele olhava e sorria, sempre longe da algazarra humana. Este seu primeiro ensaio de notoriedade, em vez de entusiasmá-lo, deixava-o desiludido. Os triunfos mundanos não o seduziam, porque via seus bastidores. Via que a glória não lhe dava o amor de seus semelhantes, nem a estima, nem a satisfa-

ção de havê-los melhorado. Ao contrário, aparecer em destaque no horizonte psicológico equivalia a excitar a cupidez, a despertar os instintos de explora- ção e de inveja, a provocar uma secreta reação demolidora. Repudiava tais frutos como prêmio pelos seus trabalhos. Ser conhecido significava, portan- to, perder a liberdade e a paz – coisas extremamente necessárias à sua produ- ção intelectual e à sua profunda vida de espírito. Quanta gente vazia, que corre ao primeiro rumor, interessava-se agora por ele! E era preciso suportar o vão falatório dessa gente, que julgava e media tudo! Quanta atribulação com aquelas apreciações sem sentido! Além disso, lembrava-se que os livros não lhe pertenciam mais. Pusera neles sua própria alma, não lhe sendo mais possível acrescentar, evitar ou modificar qualquer coisa, pois eles fixavam irrevogavelmente a sua figura espiritual. A cristalização de si mesmo, vivo, num passado formal sufocava-o. A obra concluída encarcerava, ao menos por um lado, o seu espírito e fechava a sua vida. Ocorreu-lhe então que o ho- mem, ao chegar à glória, é uma estrada percorrida, constituindo um cadáver do qual a vida deseja se desembaraçar depressa. Seu pensamento já não era mais seu agora, era o pensamento dos outros e, movido por outra vontade, andava por onde os outros desejassem. Isso lhe bastou para sentir o amargor que está no fundo das atrações humanas, a vaidade e a ilusão que existem nas coisas da Terra. Então, sentiu bem claramente que, se tivesse seguido os ca- minhos do mundo, não lhe restaria senão a sensação final de anulação.

Voltou o olhar para horizontes mais vastos e confortou-se na verificação de suas novas realizações espirituais. Agora que triunfava humanamente, es- timava-se menos do que antes, quando sofria, porque a condição atual era apenas de colheita, enquanto a anterior era a hora maior da semeadura. Ele se alegrava diante do resultado de seus esforços. Os espíritos eleitos compreen- diam, e ele podia fazer o bem. Era uma hora de abundância espiritual. A ceifa se faz debaixo do sol quente, rapidamente, sob a embriaguez da vitória, que é sempre, em todos os campos, a maior exaltação da vida. Não há tempo então para a mente se deter na tentativa de prever qual será o rigor do próximo in- verno. Quando ele chegar, veremos. Agora é festa, e isto basta. Completa- mente entregue à grande colheita, ele ceifava e acumulava em grande quanti- dade a messe abundante. Tinha pressa de colher tudo. Não queria e não podia perder nada daquele intenso, mas sempre fugaz, instante. A sua alma era um incêndio, mas ele estava ali presente em plena consciência. Embora ardendo na chama espiritual, ele observava e registrava tudo. Uma grande, impetuosa

e destruidora corrente de pensamento atravessava o seu espírito, e ele tinha um duro trabalho para contê-la dentro dos obstáculos da palavra, para canali- zá-la na forma de redação, para discipliná-la no desenvolvimento conceptual que jorrava de sua pena.

Naqueles dez anos, ele desenvolveu uma atividade enorme, sem repousar por um momento sequer, mantendo-se num estado de grande tensão criadora, que devia depois acalmar-se, senão o destruiria. Mas a própria febre o susten- tava. Nesse estado, então, lançou uma produção literária tão extraordinária, que mais tarde ficaria assombrado por ter sido capaz de tanto. Não se pode explicar o arroubo e o triunfo de certas festas do pensamento a quem não as experimentou e não está espiritualmente desenvolvido para compreendê-las. Comparados a tais estados, os orgasmos humanos nada são. O ser tem a sensa- ção de expandir-se completamente além dos sufocantes limites do espaço e do tempo, passando a navegar no seu elemento infinito, acima de todas as dimen- sões humanas de poder, de domínio e de limpidez de visão. A exaltação senso- rial, ao invés de superficial, é tão espiritualmente profunda, tão mergulhada na substância do ser, que se poderia definir como um arrebatamento. A verdadei- ra concepção é realmente um êxtase e uma visão. E assim acontecia para ele. Era envolvido por um turbilhão de correntes espirituais e por ela arrastado para fora de si, não sabia para onde, de visão em visão. Seu olhar interior assistia, pasmado, à dilatação dos horizontes na vastidão dos planos da intuição, sendo levado em novas dimensões conceituais, até à sensação da grandeza infinita do funcionamento orgânico do universo. Os pensamentos lhe pareciam verdadei- ros relâmpagos, imprevistos, vivos e cegantes como centelhas. Acompanhan- do-o a muito custo, sua pobre pena não conseguia registrar tudo, enquanto seu coração entumecia na exaltação da alegria da concepção. Este pensamento até lhe parecia nascer de um novo gênero de amor espiritual, que descia do céu, inflamando-o como um turbilhão de fogo.

E ali estava ele, pobre escriba, mas consciente registrador, fiel e enamorado executor. Em torno, sobre a terra, silêncio. E sob o céu estrelado, o grande campo adormecido. À luz débil de uma lâmpada, uma pena corre rápida e si- lenciosa, como silenciosas correm as estrelas pelo espaço sem fim. Nada ao seu lado, senão um maço de papéis em branco. Mas dentro de si arde um incêndio de pensamentos, de fé e de amor. Certamente, lá do alto, o bom Deus olha e sorri, piedosa e bondosamente, porque um desgraçado, no fundo do inferno terrestre, levanta o olhar para Ele e, cheio de fé, acredita que o sente e lhe obe-

dece. Quem sabe? Quem pode dizer qual o mistério daquelas horas sublimes? Quem pode dizer que coisas, realmente, ardiam naquele incêndio? Saberão dizê-lo a ciência ou a religião? Ninguém foi testemunha. Os metros comuns não servem para medir as expansões da alma. Ele sabia apenas de sua grande e sincera fé, na simplicidade da qual ardia ansioso somente por obedecer e dar-se. Será assim tão imperdoável culpa para o mundo o crer e dar-se? Por que, então, exalta-se tanto o altruísmo, dizendo-se que basta apenas a fé? Ele acreditava, e isto lhe bastava. Abandonou-se assim à infinita potência criadora da fé.

No entanto, diante do mundo prático e cético, um homem que age assim é desprezado. E a sua fé não era feita de inércia, mas sim de cansaço e sacrifício. No esforço para seguir e realizá-la, ele se dava e se consumia. Por que o mun- do o considerava um ingênuo? Por que, na prática, estimam-se e exaltam-se aqueles que, demonstrando egoísmo, são hábeis acumuladores de riquezas, por vezes tão sem escrúpulos, que podem constituir um verdadeiro perigo social? Haviam-lhe lançado em rosto que seus esforços não rendiam dinheiro e retor- naram ao tema de sua imperdoável inépcia... Mas ele estava absolutamente nos antípodas do tipo corrente de homem-máquina acumulador de dinheiro. Acu- mulava bem outros valores, sendo no seu campo escrupuloso lavrador e eco- nomizador. Se, por um princípio superior, desprezava o rendimento econômi- co, quão grande rendimento moral, porém, tinha em compensação! Como se sentia hábil neste campo e quão maravilhosos resultados obtinha! Parecia estar em ócio, pois, quanto mais intenso era seu trabalho, tanto mais procurava es- conder-se, para não ser perturbado. Parecia repousar, e todos diziam: “Mas ele não faz nada!” – porém depois se surpreendiam ao ver o resultado tão evidente brotar daquele nada e daquele ócio. Em cada passo, em cada movimento, em cada atitude que tomava, encontrava-se em irredutível contraste com o mundo. Naturalmente, não podia ser compreendido nem aceito, porque dava às coisas do espírito a mais extrema importância.

Por enquanto, estava protegido por um mal-entendido, pelo qual o mundo era levado a apreciá-lo em razão de efeitos secundários, derivados de sua nova condição, que não tinha para ele a menor importância. Realmente, só um mal- entendido podia servir de base a um acordo – na verdade, fictício e breve – entre ele e o mundo. Podia assim gozar da inapreciável vantagem de ser deixa- do em paz. Que mais poderia pedir aos seus semelhantes? O mal-entendido podia se manter, estendendo-se pelo fato de nosso personagem trabalhar em silêncio, sem fazer alarde de si, sem usar daquela propaganda empregada pelos

que desejam figurar no mundo. Suas metas eram outras. Movia-se não para obter vanglória ou vantagens materiais, mas sim para obedecer à imposição que derivava da compreensão de seu destino. Nada tinha para exibir, porque nada pedia aos outros. Nada esperava dos outros, ai deles! Cuidava de construir co- mo podia, sozinho, em plena sinceridade, por um íntimo sentido de missão, confiante em Deus. Também no método, ele estava nos antípodas do mundo.

Mas sob o mal-entendido incubava-se a discórdia, que era de substância, profunda e insanável. De um lado, ele, ativo no espírito, ligado ao Evange- lho, progredindo sempre pelo caminho da ascensão mística. De outro lado, o mundo, ativo na matéria, vivendo em desacordo com o Evangelho, sempre mais preso aos interesses terrenos. À medida que o seu destino se desenvol- via, as duas estradas se faziam cada vez mais divergentes e inconciliáveis. O desafio, por enquanto, era latente, mas já constituía uma semente que haveria de se desenvolver e que, lentamente, chegaria à maturação. Muitas provas haviam tornado aguerrido aquele homem, para que ele personificasse este