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Assim, decaído mas livre e consciente para conhecer toda a verdade, qualquer que ela fosse, em todos os seus aspectos, ele entrara no mundo. Desse modo, continuava a avançar na vida, sem temores nem preconceitos, com plena sinceridade. E o mundo ria-se desta sinceridade, como um siste- ma de ingênuos. Mas a sinceridade também era uma força. Esse era o seu método retilíneo, e ele não o mudaria. Aqui se revelava e sobrevivia o seu tipo inflexível, que, embora caído na Terra, não pertencia a ela e jamais po- deria aceitá-la definitivamente. Aqui, ele era sempre um estrangeiro em permanente exploração. Olhava o mundo francamente, de frente. Se o mun- do tivesse uma verdade a dizer-lhe, seria constrangido a ouvi-la. Mas, se fosse mentira, ele a desmascararia. Aceitava e fazia sua a lei do mundo, não apenas para experimentá-la seriamente, mas também para atirar à face do mundo o resultado de sua experiência, se esta não fosse digna de um ho- mem. Ele devia experimentar e conhecer tudo. Já estava agora disposto a agarrar desesperadamente pela gola as leis terrestres e dissecá-las a fundo. Exigia a mesma sinceridade que oferecia. Assim, poderia encontrar a signi- ficação do mundo, para justificá-lo ou então, por seus pontos débeis e suas contradições, acusá-lo e condená-lo. Aprazia-lhe a luta apocalíptica pelo ideal, no entanto queria a franqueza honesta e corajosa. Teria considerado respeitável a fera em seu ambiente, desde que esta desse provas de coerên- cia. Mas jamais lhe perdoaria a vileza de defraudar a sinceridade sob falsas aparências. Estava pronto a desmontar, consciente e honestamente, todas as suas construções e conquistas, pronto a perder a cabeça no suicídio espiritu- al, pronto para tudo. Mas metera-se com o Evangelho. Sua vida tinha sido uma experiência do Evangelho. Se ele tinha de cair, então o Evangelho, as- sim como todo seu conteúdo de justiça, bondade, fé, religião e ideal, tam- bém devia cair. Isto seria o final de tudo. Adeus a tudo, se tivesse que haver mentiras. Ou honestidade, ou nada. A cruz é um símbolo supremo e terrível, que se olha de frente e com seriedade. Se for um símbolo falso, que caia. Mas que se tenha a coragem de fazê-lo cair abertamente, para que isso ja- mais resulte da vileza e da mentira. Mesmo no reino da força controlada, ainda que dirigida para a violência, a mentira é uma incoerência, que cons- titui violação, sendo uma traição de todas as leis, tanto da Terra como do céu. Isto seria, neste ponto crucial, uma vileza e vergonha imperdoável so-

bre a Terra. Se a cruz é um símbolo falso, tenha-se a coerência de fazê-la cair honestamente. Mas se é um símbolo verdadeiro, ai do mundo! Ai, so- bretudo, dos responsáveis espirituais pelo mundo! Não é lícito mentir diante da cruz, não é lícito mentir diante dos mártires que a seguiram.

Ele procurava, mas, em vez da revolta corajosa, encontrava apenas a verda- de distorcida, explorada e falseada até se tornar irreconhecível; o bem perver- tido, deturpado até se tornar mal; o princípio espiritual da vida degradado, ma- nipulado até se transformar em veneno. Observava, aterrorizado, a dissolução moral do mundo, o seu método de falsificação do ideal, para trair o céu. O fato de ter desejado observar a vida por trás dos bastidores havia demolido nele todas as ilusões. Para ele, o mundo nada mais era do que simples representa- ções de coisas nobres e virtuosas, de exaltações convencionais e acordos táci- tos, jamais revelados aos ingênuos. Não era possível o entendimento com duas linguagens tão diversas: a sinceridade e o fingimento. Enquanto as verdades que ele dizia eram recebidas como mentiras, ele, por sua vez, tomava como verdades as mentiras ditas pelos outros. Não havia possibilidade de entendi- mento entre quem procurava o ideal com seriedade e o mundo, que, fazendo dele um estandarte para seus desígnios, buscava, com isso, conseguir vanta- gens materiais. Não compreendia por que, sobre este terreno de utilidades, ele era sempre vencido, enquanto os outros saíam vencedores; por que as mesmas coisas, assim diversamente tratadas, produziam efeitos opostos.

Era tomado por ingênuo. Ousara dizer certas coisas, mas sua simplicidade provocara escândalo, enquanto sua sinceridade era considerada ofensa. Não se gosta de ouvir certas verdades, que devem permanecer ocultas. Pensou então quanto seria útil para ele aprender um pouco do lindo jogo das pessoas respeitáveis. E pensava isto não com espírito de sátira, mas sim com profun- da amargura. Não pretendia dar a estes julgamentos um valor absoluto. Tra- tava-se simplesmente da impressão que as coisas lhe causavam, vistas de sua posição. Eram condições inconciliáveis com o seu temperamento, às quais ele apenas reagia. Sua reação era lenta, complexa, profunda. Tinha que, conscientemente, demolir as aparências e, através da consciência, conservar íntegras a honestidade e a justiça. Mas, já indistintamente, sentia que não poderia resistir a esse ambiente por muito tempo, adaptando-se e esquecendo o seu passado; percebia que, com o tempo, nada mais poderia fazer senão reagir a esta nova realidade, imensamente inferior àquela já conhecida; sabia que, dado o seu temperamento e os precedentes, seria inevitável uma nova

revolta e, depois, uma ressurreição. Não serviria esta nova experiência, que ele acumulava atravessando o mundo das trevas, justamente para devolvê-lo, com maior impulso e vigor, em direção à luz?

Sentia no mundo um conteúdo inaceitável que, decerto, já formava dentro dele, ainda não claramente delineada, a base da revolta. O primeiro impulso para a sua nova transformação não era tanto a atração do alto, mas sim uma invencível repugnância pelos métodos do mundo, uma repulsa pelo inferior. Realmente, nada lhe parecia mais inaceitável e insuportável do que a falta de sinceridade e de retidão. Sentia também que era inútil acusar, pretender refor- mar ou pedir, porque o mundo desejava seguir pelo seu caminho, estando bem equipado para isto e bem armado para defender a sua vontade. Além disso, se era impossível ser dobrado ou entenderem-se e se ele também não podia do- brar-se a si mesmo, o que mais lhe restava senão voltar as costas ao mundo?

Continuando sua exploração, observou a forma como a sociedade funciona- va segundo esquemas deixados por cada geração à geração seguinte, nos quais se enquadram todos os homens e seu respectivo trabalho. No âmbito destes esquemas – as categorias sociais, políticas, religiosas, militares e econômicas, bem como as distinções e agrupamentos que, pelas mais disparatadas razões, unem ou dividem os homens dentro desses recintos artificiais – devem acomo- dar-se os tipos biológicos mais diversos, cada um com sua capacidade, que pode estar em irreconciliável contraste com a posição socialmente ocupada. Então nasce a luta entre o esquema e o homem, entre o tipo verdadeiro e a rou- pagem falsa, luta na qual cada um deles procura dobrar o outro: o esquema pro- curando transformar o homem segundo o modelo prefixado, e o homem procu- rando transformar o esquema, para adaptá-lo ao seu próprio temperamento.

Dada a possibilidade que tem o homem de, sobre a Terra, disfarçar a sua verdadeira personalidade e dada também a impossibilidade de conhecer sua verdadeira natureza, os esquemas são forçados a considerar apenas as aparên- cias, as formas, sob as quais é sempre possível ocultar qualquer substância. Daí, os mais estridentes contrastes e contradições. Ele percebia que havia caí- do no reino da forma, onde dominam os esquemas. Dedicou-se, então, a ir diretamente ao indivíduo, sem levar em conta os esquemas; procurou o homem e nada mais, prescindindo absolutamente de sua posição e aparência exterior; decidiu demolir todo o edifício da catalogação social, desvinculando do tipo as vestes que o envolvem e disfarçam, para, sem dar nenhuma importância às transformações da aparência, conseguir alcançar a substância.

Este era o método do espírito, através do qual ele verificava que, na Terra, reinava de fato o método da matéria. Quanto mais o ser é involuído, tanto mai- or importância dá à forma, à aparência exterior; quanto mais é pobre em valores reais, tanto mais procura se proteger com um manto de valores fictícios. A as- cenção conduz o verdadeiro eu interior para a luz, tornando-o, ao mesmo tem- po, mais digno de poder aparecer. Assim, para fugir aos enganos e alcançar a realidade, ele não mais considerou as formas ou os esquemas, deixando de dar atenção à veste exterior do homem.

Procurou arrancar a máscara das coisas, as formas fictícias sob as quais tu- do se esconde na Terra. Compreendia que, onde a luta é motivo fundamental da vida e meio universal de realização, é necessário o egoísmo, é necessária a mentira. Quem não tem força, se não recorrer à astúcia, ficará sem defesa, e um ser indefeso, sobre a Terra, está liquidado. Portanto é, indiscutivelmente, muito mais útil apresentar-se como cheio de virtudes. A palavra poucas vezes diz alguma coisa, raramente diz coisas dignas de serem ditas e, quase sempre, em vez de exprimir o pensamento, serve para escondê-lo. O ilusionismo faz parte do armamento protetor da natureza. Mas ele, que sentia a elevação dos ideais, horrorizava-se com esta profanação, com esta inconsciência, pela qual se pretendia pôr o céu a serviço da Terra, considerando as coisas mais precio- sas e elevadas como vulgares meios de proteger a vida. Repugnava-lhe a triste necessidade de reduzir tudo, até o céu, ao plano humano; de usar tudo, sem distinção, em função da luta pela vida.

Grande inconsciência, mas também grande miséria, esta triste necessidade. A luta universal e impiedosa invade tudo, exige e se impõe a tudo. E, aqui, ele compreendia a significação e a lógica da imperdoável mentira. Mas que pavo- roso terreno inseguro e escorregadio, que realidade de duas faces, que miséria o ser constrangido a tais meios para sobreviver! Quanta inconsciência, para poder ter a coragem de realizar tais profanações. Parecendo-lhe a exaltação mais irrespirável da Terra, a mentira tornava a sua atmosfera ainda mais impu- ra e sufocante. Causavam-lhe agonia o método tortuoso, a realidade inconsci- ente que se desfazia facilmente, o mundo feito de ilusões. Neste terreno, em tal atmosfera de falsidade, o homem devia trabalhar penosamente, procurando realizar-se; devia fazer da desconfiança um hábito e uma qualidade, neutrali- zando a cada passo a astúcia traiçoeira do seu vizinho. Quão terrível e infernal peso acarretava tal estado, e quão paradisíaca libertação pode emergir num plano mais alto, de sinceridade e de fé! Temeroso, olhava este mundo de apa-

rências, observando o fazer-se e desfazer-se daqueles mutáveis e fictícios vul- tos das coisas, sem poder acreditar em mais nada sobre a Terra.

Qual era a resposta do mundo a estas suas acusações? Primeiramente, dizia: “Vós nos acusais de mentirosos, mas vos esqueceis de que, na Terra, o regime não é de justiça e de verdade, mas sim de luta, onde a mentira é uma arma de ataque e defesa. Tudo isto caminhará para a justiça e a verdade, constituindo um recurso para conquistá-las, mas trata-se de coisas longínquas, que estão hoje ausentes da realidade da nossa vida. É absurdo pretendê-las. Assim, se vós exigis a nossa sinceridade neste mundo, não pode ser senão para nos tirar nossas defesas e deixar que, assim, sejamos mais facilmente vencidos”.

E continuava respondendo: “Somos os involuídos, ainda não redimidos. Quem, porventura, pode nos dar força para transformar a vida, levando-a dos estridores da luta às harmonias evangélicas? É inútil o convite ou a ordem do céu. Quem poderá transportar estes densos invólucros de matéria até àquela rarefeita atmosfera? Quem poderá afinar a nossa rústica sensibilidade a ponto de podermos perceber a evanescente realidade daquele elevado mundo? Cada um é feito para o seu meio. Vós, anjos, não sois feitos para a Terra e estarão mal aqui em baixo, como nós não somos feitos para o céu e estaríamos mal lá em cima. Nós somos inferiores. Aqui temos a nossa animalidade, à qual sabe- mos adaptar-nos e que temos força para suportar. Vós podeis ter os olhos vol- tados para o alto, mas nós estamos presos à Terra, e nosso olhar tem que estar voltado para baixo. Quem nos julga egoístas, impiedosos e agressivos dá pro- vas de uma grande ingenuidade e ignorância da realidade da vida. O ambiente terrestre não é um paraíso de alegrias gratuitas, mas sim um mundo de forças inimigas, onde nada se obtém sem violência e imposição. O anjo tem razão, porque vai partir. Mas, se tivesse que ficar aqui, teria de se transformar, caso contrário seria eliminado. Estas são as condições reais, e é inútil procurar suas causas. É verdade que tudo isto é bem rude e tem sabor de punição. É verdade também que, se o nosso destino é chegar a Deus, isto significará sempre um pavoroso trabalho. Mas condenação e trabalho não impedem que o nosso ego- ísmo feroz seja, dada a vida humana e seu ambiente, uma necessidade normal. Esta punição e abjeção – sejam elas determinadas ou não pela justiça divina, quem sabe por quais culpas nossas, já que nascemos hoje e morremos amanhã sem nada saber – fazem decerto parte do fatal determinismo inerente ao desti- no humano, constituindo um tremendo peso que cumpre carregar, porquanto, depois de vinte séculos, parece que nem mesmo o holocausto de Cristo conse-

guiu libertar-nos de tal fardo. Portanto, ao se tentar transplantar para a Terra as coisas do espírito, estas fenecem rapidamente na atmosfera imprópria, sendo levadas a morrer. Trata-se de coisas demasiado delicadas e sutis para serem percebidas, demasiado leves para terem peso entre gente com a sensibilidade do ferro, em meio à feroz realidade. As leis biológicas não são um princípio abstrato, mas sim uma vontade concreta que exige obediência.

“Seguir o Evangelho significa rebelar-se a essa vontade e expor-se à vin- gança daquelas leis, que dominam na Terra e imolam quem as viola. Ai de quem não as respeita! Acaba triturado. Todos as suportam e aplicam, inclusi- ve os teóricos que pretendem dominá-las e superá-las. Não é culpa nossa se o Evangelho e o mundo são inconciliáveis. Não podemos, para cumprir o dever de aplicar integralmente o Evangelho, eliminar o dever de viver. Não temos direito ao suicídio. Para se realizar qualquer coisa sobre a Terra, é preciso primeiro a força, depois a astúcia; a bondade vem por último. A bondade é o meio mais inadequado em um ambiente onde a necessidade não é amar e sonhar, mas sim agir, pois, com ela, nada se faz aqui na Terra. Temos que nos realizar primeiro na Terra e, só depois, no céu. O contrário é absurdo, não havendo margem para semelhantes experiências. Temos que nos ater ao positivo: fugir à dor e procurar a alegria, para nesta conseguir rapidamente o prêmio da luta. É preciso que o bem seja útil. Os resultados longínquos e hipotéticos não interessam. Aqui é preciso viver sem cair, pois os que caem são arrastados. A luta é árdua, e não sobram energias para ajudar aquele ir- mão que caiu, porque, sendo ele sempre um rival, a piedade por ele nos rou- ba a vitória. Na Terra não há lugar para o Evangelho, não há possibilidade para fraternidade ou para altruísmo. A única coisa que surge em tudo é lutar e vencer. Sob todas as máscaras e sob todas as modas do tempo, esta é a úni- ca substância estável, que jamais muda. O que nos vindes contar? Não! Não nos coloqueis em vossos ideais altruísticos. Desejais destruir e enganar a natureza? Ela não pode admitir a piedade onde se desenvolve a luta pela se- leção. A justiça, então, é obtida não pela piedade dos superiores, mas sim pela rebelião egoísta dos inferiores; não por amorosa conduta evangélica, mas sim por extorsão, porque a luta é contínua e apenas os mais fortes con- seguem vitória. A realidade biológica não tem interesse algum no prolonga- mento da piedade maternal além de sua funções protetoras da maternidade. Proteger além destes limites é antisseletivo. A vossa lei é fraca e só produz ineptos. A nossa justiça é férrea, inexorável e cria fortes. A lei biológica não

pode aceitar o Evangelho. Em nosso mundo, a piedade e a bondade não fun- cionam, ninguém paga o sacrifício, não há espaço para os ideais. A lei su- prema é agir por si mesmo, sabendo bem que não se deve pedir auxílio e que não se encontrará piedade, porque o nosso vizinho está mais empenhado do que nós. Nada mais nos resta senão negar todo o auxílio e não ter piedade. Esta é a nossa justiça. O nosso mundo é um vórtice que nos impele e arrasta a todos. Rebelar-se e isolar-se é impossível. Agarramo-nos desesperadamen- te ao vórtice, com todos os meios e alegrias, repelindo a dor como podemos. Por que faríamos esforços por resultados longínquos, quando temos que lutar pelas necessidades imediatas? Pelos caminhos do Evangelho, o cansaço é próximo, enquanto o resultado é hipotético e longínquo, sendo, por isso, na- tural que a natureza evite tais caminhos. Ela é positiva, utilitária, econômica e prudente, não admitindo riscos. Se alguns loucos despendem energias, per- seguindo ideais e resultados incertos, ela não tolera o cansaço, que apenas deixará o homem extenuado aos pés de um sonho.

“A natureza, que está no instinto, faz suas contas e exige para si o paga- mento tangível e seguro na Terra, a fim de viver. Não lhe interessam os pa- gamentos após a morte, aquele abismo de trevas além do qual a vida humana não vale nada. Talvez sejamos cegos, mas somos feitos de bom senso práti- co, somos positivos. O céu não pode existir sobre a Terra. O além é um mis- tério, e não se fazem sacrifícios heroicos, como os exigidos pelo Evangelho, apenas por um mistério.

“Sim! Passam às vezes por aqui esses estranhos seres chamados santos, com os olhos sempre postos no alto. Que coisas veem eles lá em cima, não sabemos. Talvez seja outro mundo, com outros fenômenos e outras leis, que não podemos negar a princípio, mas que não conhecemos. Suas realizações ideais estão longe demais para que possam ser tomadas em consideração. Fo- gem completamente à nossa experiência, e tudo que está fora desta é, na prá- tica, inexistente para nós, não interessando à vida. Visto dos planos biológi- cos, o ideal se afigura muito diferente e não pode ser avaliado senão em rela- ção ao seu proveito utilitário, de acordo com o que possa render em nosso plano. É natural, pois, que tudo seja revirado, falseado, explorado. E assim acontece de fato com aqueles superiores seres do ideal, que são perseguidos pelas leis da Terra, porque estão deslocados, sendo incompreendidos e maltra- tados. A maioria tem razão em repudiar tais seres, que, saindo do plano nor- mal da vida, pretendem assim, em vez de viver como os outros, na luta e na

miséria da Terra, ser exceção e, com isto, eximir-se aos trabalhos que consti- tuem o quinhão de todos. Quem superou as divisões humanas fica excluído de uma vida feita de separatismos. O universal não é normal, não é compreendi- do e não é permitido. Aqui na Terra, o relativo impera no seu reino e condena o absoluto. Que importa a inteligência do gênio, sublime instrumento de mú- sica divina, se não pode ser usada como bastão de ataque e defesa?

“A culpa é do gênio, por ser um anormal. Ele está sozinho ou quase sozinho na Terra, onde quem está só não tem razão e quem não tem razão está fora da lei, podendo ser impunemente destruído. No final, a superioridade é paga. Que ele se normalize então, descendo à fossa comum da miséria e da ignorância e fazendo seus os instintos primitivos de todos. Se, por não saber fazer isto, aca- bar morrendo, pior para ele. Vamos rir dele. Não nos interessa o espírito, mas sim o estômago. Se Deus está com ele, por que não desce à Terra, para defen- dê-lo? Tais utopias são luxos. A Terra é feita para os involuídos, para nós, que somos muitos, e não para eles, que são tão poucos. Talvez sejamos inferiores e grosseiros, merecendo desprezo por isso, mas estamos em nossa casa e temos a nossa lei, sendo este o nosso ambiente, ao qual somos proporcionados, en- quanto eles, aqui na Terra, não o são. Tendo isto em conta, somos bem feitos e não desejamos nos refinar e enfraquecer. Não podemos confraternizar com seres de outras raças. Tanto melhor para eles, se exauriram suas provas aqui e superaram nosso mundo. Que se retirem então.

“Nós não superamos este plano inferior. As nossas provas são aqui na