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Foi por este tempo que Nietzsche lhe falou no seu “Also Sprach Za-

rathustra”12:

Repara, ó meu amigo, na solidão!

Onde termina a solidão, aí começa o mercado.

Longe do mercado e da glória, tudo o que é grande se retrai.

Foge da solidão! Inumeráveis são os pequenos e os miseráveis. Salva-te da sua invisível vingança. Contra ti, todos eles desejam vingar-se.

Sim. Os vis são prudentes.

Pensam muito em ti, na sua pequena alma – tu lhes deste motivo a suspeitas! Punem-te por tua virtude. E, no fundo, não te perdoam senão teus erros.

O teu orgulho taciturno irrita-os. A sua miséria arde contra ti no desejo de uma vin- gança invisível.

Aquilo que em ti é grande não faz senão torná-los mais desejosos de fazer o mal.

Depois destes conselhos, Nietzsche punha a nu toda a sua revolta:

Parece-me agora o mundo obra de um Deus sofredor e crucificado.

Aquele Deus que eu criara era a louca obra de um homem, como são todos os deuses.

Aquele outro mundo está muito bem fechado para os homens. Aquele mundo hu- mano e desumano é um nada celeste, e o útero do ser não fala absolutamente ao homem.

Na verdade, é muito difícil provar que o Ser é; mais difícil fazê-lo falar.

Não escondas mais a cabeça na areia das coisas celestes, mas levanta-a com li- berdade: uma cabeça terrestre que cria o sentido da Terra.

A guerra e a coragem realizam coisas maiores que o amor do próximo.

Na sua descida involutiva, o nosso personagem ia habituando-se a esta outra orientação, que lhe oferecia uma visão diferente e dava novo sabor às coisas.

Os homens e a vida ele os via agora da própria Terra, e não mais colocan- do-se no alto dos céus, sendo natural, portanto, que tudo lhe aparecesse dife- rente. Na profundidade de sua nova miséria, compreendeu que ia precisar de uma terrível coragem para viver assim sem Deus, sem a doce música espiritu- al do Evangelho, sem esperança, sem poder pedir auxílio, imerso numa reali- dade impiedosa. Certamente, a figura de Lúcifer tinha sua grandeza e sua be-

leza; um Lúcifer revoltado, que ousa, sozinho, desafiar o universo. Já não era o tempo dos doces sonhos. Era preciso prover-se daquela terrível e amarga coragem de saber viver por si, entre cegos perdidos no universo. Não era ho- mem para apiedar-se de si mesmo e pedir socorro. Preferia ir até ao fundo, enfrentando o problema sem acomodamentos. Precisava, com urgência, fazer para si mesmo uma filosofia objetivamente sólida, que o orientasse na reali- dade. Precisava fundar outras bases objetivas para uma nova verdade, que explicasse este mundo; uma verdade mais resistente e concreta do que aquela destruída; uma verdade que, afinal, não pudesse mais desmoronar. Fora desi- ludido e queria agora algo seguro, sólido – uma realidade de ferro, materiali- zada em fatos, indiscutível e universal, sempre presente e válida, seguida pe- los adeptos de todas as verdades. Onde, então, haveria de encontrá-la senão no mundo dos fatos, na realidade da vida? Somente a verdade biológica re- presentava, ao menos na Terra, a linguagem universal, que permite entender e é entendida por todos, mesmo pelos animais. Uma verdade finalmente aceita por todos, real, sempre aplicada aos seres e vivida por todos, mesmo pelos que a ignoram, não creem nela ou a negam. Esta era finalmente a verdade do consenso unânime imposto pelas leis da vida: a verdade indiscutível. Era pre- ciso fazê-la falar pela voz dos fenômenos que a exprimem no ambiente terres- tre. Somente essa verdade poderia ter a solidez que a aderência experimental à realidade pode dar. Somente com esse método mais universal ele poderia medir tudo e explicar a conduta de todos os homens, religiosos ou ateus, fos- sem quais fossem suas afirmações teóricas. Desejava compreender por quais razões, biologicamente verdadeiras, agia assim o homem, que ele observava agora sob outro ângulo. As delicadas construções espirituais do céu não havi- am resistido. Queria, por isso, compensar-se desta derrocada, conquistando solidez sobre a Terra. Uma vez que tinha de limitar seu campo, queria ao me- nos resultados seguros. E a Terra tinha a ciência materialista, já orientada neste sentido, objetiva, experimental, concreta e utilitária. Sem mais imersões no imponderável – as quais, assim como acontecia para os seus semelhantes, eram agora negadas também para ele, devido à sua cegueira – a sua verdade já não podia ir além dos resultados oferecidos pela percepção dos sentidos. Tinha de se limitar a ouvir a voz dos fenômenos, para que estes lhe revelas- sem o próprio significado e, com este, a verdade terrestre que continham, pois esta devia estar sempre presente neles. Tinha de se agarrar às manifestações dos fenômenos e da vida, porque elas, certamente, exprimiam as suas leis.

Poderiam existir também outras leis, mas esta era, sem dúvida, a lei do ambi- ente terrestre, a sua verdade. Encontrou então a realidade biológica, com sua impiedosa e bestial lei de luta pela vida, para a seleção dos mais fortes. Viu- se diante dos instintos primordiais da animalidade, os motores elementares da existência: a fome, o amor e a evolução – tanto para a conservação individual como para a conservação da espécie. Era uma verdade bem magra, esquema- ticamente animalesca, mas indiscutível. Certamente, era triste esta mutilação de quem reduz todo o seu ser à sua própria estrutura animal. Mas não era esta a realidade da vida? Não era vão tentar a superestrutura do ideal? Não era essa a hora da degradação involutiva? Ele poderia ter-se retraído para perma- necer no centro morto de seu espírito e deixar-se extinguir ali, sem qualquer reação, numa triste depressão, renunciando à vida. E esta foi, na verdade, a primeira tendência de seu espírito logo após os casos descritos. Viveu, depois dos golpes recebidos, um período de anulação que o teria levado à morte, se não tivesse sobrevindo um irresistível instinto de vida. Tinha de reviver, se- não mais no céu, ao menos sobre a Terra, não importa se de modo diferente, e seguir um período de renovação, ainda que em sentido inverso. Ao abatimen- to da morte seguiu-se então a reação da vida; à resignação do vencido, suce- deu a revolta de Lúcifer. Tudo era lícito, menos renunciar à vida. Não era hora das virtudes passivas da paciência, mas sim das virtudes ativas da força. “Quero viver!”, gritou ele. E sua vida foi um grito de revolta. Aliás, não tinha escolha. Se desejava sobreviver, não lhe restava outro caminho. Não era esta a hora das trevas? Portanto, coragem! Precisava suportar até ao fim a prova da animalização. Quem iniciara este suicídio espiritual? Quem o provocara? Te- ria ele o procurado ou desejado? Tudo estava disperso; tudo o que de melhor havia em sua alma e que ele dera pelo bem era agora condenado e repelido.

Haviam distorcido as suas intenções e acusado os seus livros. A voz mais alta e verdadeira de sua vida havia sido negada e sufocada. Semeara sobre ter- ra envenenada; atirara seus trabalhos, suas dores e seu sangue na lama. Nada mais podia fazer. Não lhe era possível deter as consequências, impedir as rea- ções. Desenvolvia-se nele um drama terrível, superior às suas forças. Neste drama, que não era visto nem percebido por ninguém, ele morria. Um turbi- lhão gigantesco o arrastava, mais forte que sua vontade e sua resistência.

Que o mundo era seu inimigo, ele o sabia, mas não sabia que ficaria abando- nado por Deus assim, quando estava sozinho naquela exaustão! Não possuir forças para se voltar a Deus e salvar-se Nele – isto estava acima da sua compre-

ensão e das suas forças. A suprema ironia do mal vitorioso ria-se em torno dele, enquanto se desmoronava em ruínas todo o edifício espiritual construído com tanto trabalho e tantos anos de sacrifício. O último fio de vida gritava: “Quero viver! Não posso morrer!”. Este era o delito de sua revolta. Com certeza, Deus, sempre presente, observa vigilante o fundo destes desesperos. Mas ele não o sabia. Se no inferno existisse a sensação de Deus, que inferno seria esse?

Jamais se procura tanto a Deus como quando se está perdido; jamais Ele é tão afirmado como quando é negado; jamais está tão presente como quando parece ausente.

Afundou-se lentamente, por sucessivas demolições, enquanto Cristo, na glória de seus céus, ficava cada vez mais longe de suas sensações. Ao contata- rem a dura realidade humana, as passadas visões tinham-se pulverizado. No seu novo estado, perguntava se elas teriam verdadeiramente existido, se não teriam sido unicamente criações de sua fé. Causara-lhe assombro o súbito abandono do alto, a inesperada cegueira, a constatação de que, quando já não tinha mais forças para subir até Deus pela própria tensão da fé, Deus desapare- cera de suas sensações. Perguntava a si mesmo: “Se os caminhos da fé podem fechar-se assim, se tais realidades estão na dependência do meu estado nervo- so, da minha capacidade de percepção, existirão elas objetivamente ou serão as condições que as criam? Se, quando a minha força de percepção falta, elas logo desaparecem, que valor probatório pode ter uma realidade experimental que a cada momento está sujeita a desaparecer? Naturalmente, os nossos senti- dos não são os objetos que percebemos, mas é certo que, sem esses sentidos, os objetos, ao menos para nós, não existem, sendo a dúvida justificada nesses momentos. Tratando-se de coisas menos garantidas do que as habituais, menos valorizadas pela experiência de todos, a dúvida é mais plausível”. E concluía: “A fé é uma ilusão de ótica pela qual vemos como reais as projeções das cria- ções de nosso pensamento. As verdades estão em nós, e não fora de nós. Por isso existe aquilo em que cremos, mas apenas porque acreditamos nelas. Os conceitos em si não existem; são apenas vibrações de pensamento no cérebro humano. Os ideais não existem; há somente pessoas que acreditam neles. O esforço que o homem realiza para, através da fé, criar uma realidade diversa da horrível realidade da Terra é inútil, porque o projeto de construção que ele antecipa com sua fantasia, o modelo em torno do qual trabalha, é tão elevado e inacessível, tão cercado de obstáculos impostos pela resistência da Terra re- belde, que jamais se realiza. Na prática, tal esforço nada cria e nada move”.

Atormentava-o, sobretudo, como natural consequência do seu novo ponto de vista, uma dúvida: seria a sublime utopia do Evangelho aplicável na Terra, ou teria ele cometido um engano e sacrificado inutilmente a sua vida, tendo talvez de recomeçar do princípio? O problema não interessava somente a ele, mas tinha também um âmbito muito mais vasto. Por que o irredutível contraste entre o Evangelho e os instintos animais do homem, expresso nas leis biológi- cas? Seria o Evangelho antibiológico? Como se poderia pretender que a lei do céu fosse aplicável na Terra, onde existe a matéria humana, e não o espírito evangélico; onde tudo – os instintos, o corpo, as exigências do ambiente, as leis da vida – é tão diverso? O mundo guiava-se por outra tábua de valores, tendo no topo desta a força, ante a qual todos se prostram e a qual também tem o seu próprio decálogo, onde é condenada a resignação e a miséria dos fracos, enquanto é exaltada a revolta e a virtude dos fortes. Condena-se a fraqueza, pecado capital, e condena-se o Evangelho, refúgio dos vencidos... A paciência e o perdão são tolices supremas... Os dois mundos tinham cada um o seu sis- tema completo, que se contrapunham. Ele perguntava se os ideais espirituais não seriam antibiológicos, antivitais, constituindo um verdadeiro suicídio no plano animal; se não seria absurda e impossível a pretensão de realizá-los no ambiente terrestre; se não seria uma suprema utopia a tentativa de transplantar, para um ambiente adequado unicamente à Terra, tal ordem de valores, constru- ídos exclusivamente para o céu. Não estaria falando claro a inconciliabilidade congênita, a revolta da matéria contra o espírito? Não estaria a realidade práti- ca lhe mostrando que, ao invés de se compreenderem e se fundirem, os dois princípios lutavam para se excluírem? Tudo lhe dizia que o Evangelho é uma linda mas irrealizável utopia.

A tal ponto descera no mundo, que assumia e fazia sua toda aquela psicolo- gia. Somente poderia compreendê-lo assim, colocando-se antes de tudo na sua posição, no seu ponto de vista, que justificava seus atos e considerações. Pre- cisava viver no mundo e com o mundo, tornando-se mundo. Sua posição atual tinha uma lógica impiedosa, que, em consequência dos últimos acontecimen- tos, não podia ser diversa. Afinal de contas, essa lógica seria a mesma que, prolongando-se inexoravelmente, deveria mais tarde salvá-lo. Ele podia ser tudo, menos um preguiçoso inerte e hipócrita. Era o tipo indômito no espírito, e não se pode imobilizar esse tipo, que pode até ceder, mas jamais renunciará à própria atividade. Não era um homem de acomodações, já o dissemos, nem para se conformar em vegetar. Já vimos que o céu lhe fora fechado por muitas

forças contrárias e convergentes para aquele resultado. Não lhe restava, por isso, outra escolha para sobreviver, senão seguir a experiência do mundo, cuja base é a força e a vontade.

Dada a imprevista derrocada de suas superconstruções espirituais, a sua re- ação, forçosamente, tinha de ser inferior. O importante era ele trazer em si mesmo o gérmen da reação, pois este é o princípio da vida, aquele que faz o homem vencer tanto no plano da matéria como no plano do espírito. Os que possuem tal princípio de vida sempre se salvam, porquanto dispõem de uma riqueza de recursos e de uma potência intrínseca que superam os vagalhões da tempestade e guiam ao sucesso. Vale mais uma alma pronta e ativa do que cem almas inertes. A primeira cairá em todas as crises – com o que as segun- das sentirão o dever de se escandalizar – mas se salvará. As outras, com suas práticas metódicas, permanecerão no pântano, onde o espírito morre. As al- mas ardentes, feitas de tempestade, embora possam ter os grandes vícios e as grandes fraquezas, têm também os grandes recursos. Se elas são capazes de muito pecar, são capazes também de muito amar e muito subir.

A primeira reação, dirigida ao plano inferior, muito escandalizou os méto- dos dos bem-pensantes, mas foi para ele o meio de alcançar a segunda reação, da qual aqueles jamais seriam capazes. E esta o salvou, reconduzindo-o ao bem, muito mais alto do que antes.

O destino lhe preparou essa prova, que era de um novo gênero, e ele a aceitou, como aceitara todas as outras. No entanto ele não apenas a aceitou, mas também a utilizou. Encontrou ocasião de observar este mundo, para compreender-lhe bem a estrutura, estando dentro dele, depois de sempre havê-lo observado de longe. E ele, que sempre figurara como um fracassado, procurava por instinto os pontos débeis, para vencê-los, já agora com maior competência. Assim, aquele mal se transformaria em bem. Se as adversidades o prostravam, nem por isso ele tivera sua natureza transformada em outra. O tipo de um homem não pode ser profundamente modificado por circunstân- cias exteriores. Não se pode destruir o tipo do indivíduo. Desse modo, uma vez que, por enquanto, não podia viver segundo a lei do céu, ele se enquadrou na lei do mundo, para ver se assim lhe seria possível viver. Se o sistema pre- cedente havia dado tão tristes resultados, não lhe restava senão modificá-lo. Concluía então que a vida, embora horrorosa pelas adversidades e pesada pelos trabalhos, superamentos e provas, é sempre uma experiência muito inte- ressante. Apesar de brutal, ela era sempre digna de ser vivida. Desse modo,

uma vez que era necessário ele entrar no mundo, onde não existia piedade para os fracos, nem mesmo para mártires, e onde a revolta é condição de vida, o seu grito foi: “Rebelião”.

Colocado no mundo, olhava agora todas as coisas com um senso diverso e tornava a fazer, de um ponto de vista prático, a mesma pergunta: seria o Evan- gelho antibiológico? A ação das religiões, julgada através da realidade biológi- ca, parecia-lhe desastrosa. A realidade biológica deseja a seleção do mais inte- ligente, ativo e forte em todos os campos. Ora, o princípio religioso da bonda- de, que, na sua origem, tinha uma sadia função biológica, criadora de coesão social, transformara-se, à força de desvios, de acomodações e, podemos até dizer, de traições humanas, num sistema de proteção que possibilitava o pacífi- co crescimento dos ineptos, dos fracos, dos parasitas. Olhava tristemente aquele lânguido exército, aquela tépida corte de seguidores que a chama original dos mártires, também imolados por estes mesmos sequazes, não conseguia mais agitar nem inflamar. Praticado na Terra como um melancólico sonho, esse rei- no dos céus foi falsificado para enquadramento de débeis acomodados. Repug- nava-lhe ver a mutilação da virtude da ação, invertida ao seu negativo, como bondade abastardada em indolência; ver a degradação da religião, reduzida a sinecura hereditária. À sombra protetora daquela bondade conseguira-se supri- mir o trabalho da luta, que é a base do progresso da vida, e fora possível operar- se uma seleção inversa. Assim modificadas, as religiões invertiam suas funções e resultados. E ele perguntava a que estranho tipo biológico de criatura se che- garia depois de algum tempo, caso se continuasse nesse caminho. Afligia-se ao ver tão poderosas forças espirituais, assim falseadas, falirem e deformarem-se até se tornarem o oposto do que deveriam ser. Somente a salutar reação daque- las condenadas leis biológicas inferiores poderia sustar tal adormecimento e desalojar os parasitas, agitando o lodo, para evitar a putrefação.

Tentara falar, mas a sua voz, pelo fato de perturbar os adormecidos, fora sufocada. A palavra estava agora com as leis da vida, porquanto é absurdo tentar matá-las com a preguiça. A vida sabe defender-se e insurgir-se, sol- tando seu brado de guerra, através do qual afasta as incrustações antivitais que sufocam o progresso. A esta lei estão sujeitos todos os que vivem sobre a Terra. Quando o espírito trai a sua missão e se degrada no ócio, então as leis inferiores da Terra são chamadas, para lhe dar uma salutar lição, impelindo- o, através da dor, a despertar o apetite pelas coisas do céu. Quando o espírito se afoga na forma e a religião é um convite para vegetar, quando se exalta a

obediência para que seja mais fácil o comando do homem sobre o rebanho, tornam-se salutares sem dúvida todas as tempestades que sacodem os ângu- los mortos da vida e trazem tudo à luz da luta, à luz do sol. Quando renuncia à sua supremacia verdadeira, por não conseguir libertar-se das leis da Terra, o espírito se liga a esta e, colocando-se em seu nível, fica indefeso diante da lei do mundo, que o macera até reconduzi-lo à sua primitiva pureza.

Nessas comprovações, ele encontrava a explicação da inconciabilidade prá- tica entre a lei do céu e as leis da Terra. Se o Evangelho era elevado demais para ser aplicado ao mundo, o mundo estava baixo demais para ser erguido até ao Evangelho. Compreendia o homem e compadecia-se dele. Como pretender que este superasse as leis biológicas? No mundo, a luta salutar e esclarecedora adoece na preguiça; a coragem tem a sua sombra na astúcia; cada virtude tem uma irresistível tendência para enfraquecer.

Ao lado do triunfo do vencedor está a miséria do vencido. É natural, por is- so, o parasitismo e a busca das posições protetoras. É natural a presença dos fracos, assim como é natural que, na luta sem tréguas de todos contra todos sobre a Terra, a miséria se refugie onde puder, inclusive nas religiões. Como