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4 O PROGRAMA BANCO COMUNITÁRIO DE SEMENTES DE ADUBOS VERDES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

4.4 Empoderamento e Instrumentalização dos atores sociais

4.4.1 Agricultores Familiares:

O empoderamento acontecerá melhor e mais rápido em grupos e comunidades com forte estoque de capital social [...] Por sua vez, são elementos importantes do empoderamento pleno do ator social, o acesso a redes que transcendem o círculo de relacionamentos da comunidade e o capital social comunitário manifestado em diferentes formas de associativismo. (DURSTON, 2000, pag.34)

Durante a primeira fase do Programa (2007-2010), os agricultores receberam orientações e materiais dos técnicos multiplicadores. Já na segunda fase (2012-2015), vinte agricultores participaram da capacitação ofertada em 2012, recebida diretamente de pesquisadores da Embrapa e do Mapa. Como ocorreu a motivação pessoal dos agricultores e as ações realizadas para seu empoderamento e instrumentalização?

Segundo A.S.S (2015) as ações de capacitação previstas no Programa foram pensadas como o objetivo de formar o multiplicador para que ele pudesse capacitar o agricultor familiar. Entretanto, como alguns técnicos da Emater-Rio não aderiram ao programa, tornou- se imperativo estende-la aos agricultores familiares para que estes fossem empoderados. (A.S.S., Superintendente Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Rio de Janeiro, Executor do Programa, 02/02/2015, Rio de Janeiro, RJ).

Quando questionados sobre a motivação para participação no Programa os agricultores entrevistados apontaram três causas: atuação do motivador, disponibilidade de sementes e uso da adubação verde na recuperação do solo. A tabela 25 apresenta as frequências de ocorrência das motivações para participarem do Programa com intervalo de segurança em um nível de significância de 13,51%, isto é com 86,49% de certeza de que este resultado não tenha ocorrido por acaso.

Tabela 25 - Ocorrência de diferentes motivações dos agricultores familiares para participação no Programa BCSAV no estado do Rio de Janeiro, 2015/2016.

Motivação Frequência Intervalos de

confiança Possibilidade de introdução de práticas agrícolas

sustentáveis

3 0,0% < 12,0 < 24,7% Conhecimento das vantagens dos adubos verdes 5 4,3% < 20,0 < 35,7% Possibilidade de acesso à sementes de adubos verdes 6 7,3% < 24,0 < 40,7% Incentivo dado pelo agente multiplicador 11 24,6% < 44,0 < 63,5%

TOTAL 25

Fonte: Dados da pesquisa (2015-2016) onde 𝜒𝐺𝐿=32 = 5,56 e p=13,51

Um dos principais pontos de motivação dos agricultores para a entrada no Programa foi a atuação do extensionista-multiplicador como motivador. Segundo Landini (2015) na última década a ação da extensão rural no Brasil incorporou ações voltadas para a organização dos agricultores, gestão de processos participativos e articulação institucional. Assim sendo o papel do extensionista motivador tornou-se diferencial no aceite do novo.

[...] a primeira motivação foi o incentivo da técnica da Emater. Pois eu não conhecia leguminosa. Eu não sabia do poder de melhoria do solo proveniente da leguminosa. Quando a Priscila chegou aqui apresentando sobre as leguminosas, dizendo os benefícios de usa-las eu acreditei nela inclusive até hoje meus filhos me perguntam o porquê de eu plantar essa tal da leguminosa. (L.T., agricultora, 12/02/2015, São Gonçalo, RJ)

Outra motivação apontada foi a possibilidade do uso da adubação verde como uma prática adequada para o manejo agroecológico e orgânico das culturas. Um dos grandes gargalos para o uso da adubação verde no Brasil está no manejo da cultura e na disponibilidade de sementes (J.G.M.G., engenheiro agrônomo, 16 setembro de 2016, Seropédica, RJ). Entretanto, enquanto a produção de sementes de adubos verdes não é atrativa para o setor privado, e quando disponível apresenta preços muito elevados, inacessíveis a maioria dos produtores, os benefícios da adubação verde são reconhecidos pelos agricultores e vão da melhoria da fertilidade do solo a melhor de cobertura do mesmo. Para F.G.L. “[...] mediante a análise do solo da propriedade percebi que ele era deficiente em nitrogênio. Logo me interessou utilizar adubação verde para melhorar a quantidade do nutriente no solo.” (F.G.L., agricultor, 25/04/2016, Seropédica, RJ).

A orientação para a montagem de bancos comunitários e o manejo da adubação verde foi dada pelos agentes multiplicadores vinculados ao Programa. Conforme descrito

anteriormente, muitos são os benefícios reconhecidos do uso de adubação verde entre os quais o aumento do teor de matéria orgânica e a disponibilidade de água e nutrientes e redução do uso de insumos externos utilizados para incremento da fertilidade do solo. Entretanto muitas são as limitações para a produção em larga escala das espécies usadas como adubos verdes, o que demanda cuidados técnicos relativos ao manejo da cultura. Quando questionados se receberam orientação e auxílio efetivo para manejo do Adubo Verde em campo, 68% (17) dos 25 agricultores entrevistados afirmaram ter recebido em um nível de significância de 7,19%, isto é com 92,89% de certeza do resultado não ter ocorrido por acaso. Destaca-se ser a Emater- Rio responsável por 85% desta Assistência Técnica, considerando os multiplicadores entrevistados. A tabela 26 correlaciona a instituição de vinculação do multiplicador com o fato do agricultor receber assistência técnica.

Tabela 26 - Correlação entre a vinculação do multiplicador e o recebimento de assistência técnica pelo agricultor durante a implantação do Programa BCSAV no estado do Rio de Janeiro, em porcentagem e números absolutos nos parênteses, 2015/2016.

Recebimento de assistência técnica

Instituição envolvida

Total Emater-Rio Embrapa Não recebe

Sim 85,0% (17) 10,0% ( 2) 5,0% ( 1) 100% (20) Não 20,0% ( 1) 0,0% ( 0) 80,0% ( 4) 100% (5) TOTAL 72,0% (18) 8,0% ( 2) 20,0% ( 5) 100% (25) Fonte: Dados da pesquisa (2015-2016) onde 𝜒𝐺𝐿=22 = 14,10 e p=0,09%. Os números em parênteses indicam o número de multiplicadores envolvidos no critério.

Quando questionados sobre o fato de terem recebido orientação para a montagem do banco de sementes, 64% (16) dos vinte e cinco agricultores entrevistados afirmaram ter recebido. Entretanto, apenas 13 dos agricultores entrevistados afirmaram ter recebido de modo efetivo o auxílio do multiplicador para a montagem.

Com base no apresentado pode-se observar que o papel do ator multiplicador foi um ponto decisivo para a adesão dos agricultores ao Programa, quer como motivadores, quer como agentes técnicos.

4.4.2 Multiplicadores:

Para que o Programa pudesse ocorrer no estado do Rio de Janeiro, foram convidados multiplicadores para participarem das ações de capacitação.

Quando questionados sobre a motivação para participação no Programa os multiplicadores apontaram como causas a disponibilidade de sementes, a possibilidade de melhora da qualidade do solo e a experiência profissional prévia. Constatou-se 50,0% (9) dos multiplicadores apontaram a experiência profissional prévia e 44,4% (8) a perspectiva de melhora do solo como motivações para a participação no Programa. A tabela 27 a seguir apresenta as frequências de ocorrência das motivações para participação no programa em um nível de significância de 4,21%, isto é com 95,79% de certeza deste resultado não ter ocorrido por acaso.

Tabela 27 - Ocorrência de diferentes motivações dos multiplicadores para participação no Programa BCSAV no estado do Rio de Janeiro, em números absolutos e porcentagem nos parênteses, 2015/2016.

Motivação Frequência Intervalos de confiança Disponibilidade de sementes 1 (5,6%) 0,0% < 5,6 < 16,1% Melhora do solo 8 (44,4%) 21,5% < 44,4 < 67,4% Experiência profissional 9 (50,0%) 26,9% < 50,0 < 73,1%

TOTAL OBS. 18

Fonte: Dados da pesquisa (2015-2016) onde 𝜒𝐺𝐿=22 = 6,33 e p=4,21%

Dados obtidos durante as entrevistas permitiram o cruzamento das motivações pessoais com a atuação do agente multiplicador. Observou-se que onze dos dezoito multiplicadores entrevistados eram agentes de Ater, sendo que sete deles (63,3%) motivaram- se a participar no Programa graças a experiência profissional prévia e quatro multiplicadores (36,4%) por conta da capacidade do adubo verde em melhorar o solo, conforme tabela 28.

Tabela 28 - Correlação entre a motivação do multiplicador para participar no Programa e sua ação como agente de Ater no estado do Rio de Janeiro, em porcentagem e números absolutos nos parênteses, 2015/2016. Agente de Ater Motivação Total Experiência profissional Disponibilidade de recursos (sementes) Melhora do solo Sim 63,6% ( 7) 0,0% ( 0) 36,4% ( 4) 100,00% (11) Não 28,6% ( 2) 14,3% ( 1) 57,1% ( 4) 100,00% (7) Total 50,0% ( 9) 5,6% ( 1) 44,4% ( 8) 100,00% (18) Fonte: Dados da pesquisa (2015-2016) onde 𝜒𝐺𝐿=22 = 3,04 e p=21,88%

O movimento agroecológico pauta-se no estabelecimento de um paradigma orientado para o desenvolvimento rural sustentável e ao estabelecimento de uma agricultura sustentável. A Política Nacional de Ater (Pnater) estabeleceu como diretrizes para a prática da assistência técnica e extensão rural no País à agricultura familiar, princípios da agroecologia e as metodologias participativas. Constatou-se nas entrevistas que a experiência profissional destes agentes multiplicadores se pautou pelo histórico de militância no movimento agroecológico, no trabalho com práticas agroecológicas tal como a adubação verde, na necessidade de sementes para uma agricultura de base ecológica, no fato de trabalhar como agricultores familiares e na sua crença de que se este souber trabalhar com sementes terá autonomia frente ao mercado dominado pelas empresas de sementes.

No estado do Rio de Janeiro há regiões com uso muito intensivo do solo onde a dependência de insumos externos é muito grande e onde o uso de leguminosas para adubação do solo é uma das potenciais soluções para evitar o aporte de adubos sintéticos no solo. A adubação verde com leguminosas foi um grande mote para a entrada dos agentes entrevistados no Programa, em especial para os profissionais como maior tempo de serviço, como visto anteriormente que 62,5% dos entrevistados com esta motivação apresentaram mais que 21 anos de atuação na extensão rural. Esta situação foi evidenciada para os profissionais que trabalhavam com citros e em regiões mais íngremes, como a região serrana, dada a capacidade de cobertura e melhora das condições físico-químicas do solo. Desse modo o grande motivador para as ações dos agentes multiplicadores foi o de atuar dentro do previsto na Pnater dentro de um diálogo constante com sua prática profissional.

Na verdade, chegou um convite aqui para o escritório, porém o interesse de participar foi na intenção de continuar fazendo o trabalho de extensão que fazemos aqui buscando difundir o que a pesquisa produz e transferir essas tecnologias para o produtor rural. E como na época alguns produtores estavam interessados na adubação verde, veio a calhar a participação na capacitação para que pudéssemos passar as informações sobre o assunto para os agricultores. (J.L.G., engenheiro agrônomo, 11/01/2016, São Gonçalo, RJ).

Outra motivação apontada pelos agentes multiplicadores foi a possibilidade do acesso, pelo Programa BCSAV, às sementes de adubos verdes. Destaca-se, que conforme verificado anteriormente, a adubação verde já era recomendada e sua dificuldade em conseguir sementes nas quantidades e com a qualidade necessária já era conhecida.

[...] a gente já tinha começado a trabalhar com adubação verde e a gente tinha dificuldade em conseguir semente. E aí começamos...tinha um grupo de

agricultores em transição e aí surgiu o Banco de sementes que forneceu semente para começar o cultivo e guardar sementes, houve orientação e a gente foi trabalhar. Daí surgiu a ideia de abraçar o Programa. Foi dessa forma, porque já existia um movimento agroecológico na região e então a gente começou a articular o banco [...] (J.S.M.V., engenheiro agrônomo, 08/04/2015, Porciúncula, RJ)

[...] a disponibilidade de sementes principalmente, ter a semente para trabalhar junto com o produtor (acesso a sementes), a principal razão foi por isso porque muitas vezes ele vai trabalhar com leguminosas, no caso para adubação verde, ele não te dá rendimento, só trabalha assim a conservação do solo, trabalha a parte da fixação de nitrogênio e o produtor não se interessa muito por isso não, ele acha mais fácil comprar o adubo e botar. A parte da terra que você ocupa com leguminosa poderia estar ocupando com outra coisa. (M.S.M., engenheira agrônoma, 11/02/2015, Rio Claro, RJ)

Para que possa ocorrer o estabelecimento de uma agricultura sustentável com base nos princípios da agroecologia deve-se ter como ponto de partida a capacitação de agentes de Ater pautados em processos educativos voltados para o crescimento do ser humano como cidadão. (BRASIL, 2004).

Um processo de capacitação para a transição agroecológico deve ter um conteúdo capaz de formar os profissionais para atuarem como agentes de desenvolvimento local, com condições de investigar, identificar e disponibilizar aos agricultores, demais públicos da extensão e ao conjunto das pessoas que vivem no meio rural um conjunto de opções técnicas e não técnicas, compatíveis com as necessidades dos beneficiários e com o espaço territorial onde estejam inseridos. (BRASIL, 2004, p.21)

Visando o empoderamento dos multiplicadores do Programa foram realizadas duas capacitações, ocorridas uma em 2009 e outra em 2012. Para os entrevistados a capacitação de 2009 foi suficientemente esclarecedora ao apresentar meios de operacionalização de um banco de sementes, contando com a presença de profissionais do Mapa e pesquisadores da Embrapa Agrobiologia. Na visão deles esta capacitação constitui-se de um curso de caráter informativo, ou seja, um curso cujo o objetivo foi transmitir um conjunto de informações básicas visando subsidiar as ações dos multiplicadores em campo. O conteúdo abordado visava à introdução das ideias do Programa bem como a discussão dos conteúdos presentes nas cartilhas orientadoras para técnicos, além da importância da adubação verde, distribuição de sementes e informações sobre as espécies e informações sobre o funcionamento de banco comunitário. Para A.C.B. “[...] as informações foram suficientes para o básico da introdução da ideia do banco” (A.C.B., engenheira agrônoma, 07/12/2015, Miracema, RJ)

Na capacitação de 2012 foram realizadas prospecções de demandas junto aos técnicos presentes e contou com a presença de um consultor, na época contratado pelo Mapa. Foram realizadas palestras de pesquisadores da Embrapa Agrobiologia sobre adubação verde, trabalhos em grupo (dinâmicas), repassadas informações sobre a dinâmica dos bancos e sobre a sua gestão. Foram ainda distribuídas cartilhas do Programa e feita uma explanação visando a contextualização das ações do Planapo e sobre a importância do agricultor não depender de sementes híbridas. Também foram apresentadas as características das principais espécies adubadoras e distribuídas sementes.

Quando questionados se a capacitação foi suficiente para a ação extensionista, 12 (66,7%) dos 18 entrevistados alegaram que foi suficiente para o início dos trabalhos. Entretanto 11,11% (dois entrevistados) pontuaram que foram muito trabalhados os aspectos da adubação verde em detrimento dos aspectos de cunho social como os de fortalecimento da organização social, associativismo, fortalecimento dos guardiões e empoderamento dos diferentes atores envolvidos que são necessários para o bom andamento dos trabalhos com os bancos comunitários de sementes. Para J.L.G. o conteúdo trabalhado “em termos técnicos para produção e uso da adubação verde era suficiente. Faltou trabalhar o cunho social. [...] quando se fala em banco precisa trabalhar o empoderamento dos grupos.” (J.L.G., engenheiro agrônomo, 11/01/2016, São Gonçalo, RJ)

A conquista do saber ocorre no âmago das relações sociais em seu conjunto, visto que o conhecimento é percebido como produção coletiva dos homens que surge de sua atuação na vida real, por intermédio de suas relações com a natureza, com os outros e com ele próprio (BASTOS, 1991). Durston (1999) ao estudar a formação do capital social em Chiquimula na Guatemala observou que o trabalho comunitário e a interação social foram fomentados graças ao empoderamento dos atores envolvidos. Assim, sendo para trabalhar o tema do banco comunitário de sementes seriam necessárias ações realizadas de modo comunitário. Entretanto foi observado pelos participantes das capacitações de 2009 e 2012 que em momento algum o associativismo foi trabalhado.

Eu achei bem bacana em relação ao desenvolvimento na justificativa do projeto que consistia em manter o banco de sementes em prol das comunidades. Só que a meu ver a questão que teria que ser mais bem direcionada as pessoas responsáveis por estes bancos. Tem que ver se esta pessoa tem perfil e trabalhar mais a parte coletiva, não ficar na mão de um só. (J.R.M.V., engenheiro agrônomo, 18/08/2015, Cachoeiras de Macacu, RJ)

Estratégias de extensão rural a serem adotadas pelo seguimento agropecuário deveriam levar em conta a construção de formas inovadoras de trabalhos capazes de potencializar os processos de desenvolvimento rural sustentável. Com o empoderamento e instrumentalização, o papel dos técnicos seria o de mediadores, apoiadores no fortalecimento dos agricultores beneficiados para que encontrem suas próprias soluções e as implementem visando o êxito do Programa de governo. Neste sentido deveria orientar suas ações para metodologias de trabalho participativas e coletivas que considerassem a realidade local na busca por uma perspectiva de sustentabilidade ambiental e de desenvolvimento com equidade social, geração de renda e de ocupações no meio rural (CAPORAL e RAMOS, 2010). Para Durston (1999) a formação de capital social depende do uso de metodologias participativas e da instituição de espaços participativos, onde o protagonismo de planejamento e execução das ações deve ser dado aos beneficiários finais.