• Nenhum resultado encontrado

Esta pesquisa foi conduzida entre os anos de 2013 a 2016, sendo o objetivo principal verificar se o processo de implantação do Programa Banco Comunitário de Sementes de Adubos Verdes (BCSAV) contribuiu para a geração e fortalecimento de capital social local e se gerou independência de agricultores familiares de insumos externos, no caso sementes de adubos verdes. Para tanto se considerou a vivencia de diferentes atores sociais, que em determinados momentos interagiam entre si: agricultores familiares, guardiões de sementes e profissionais multiplicadores, , gestores públicos e formuladores do Programa. Nesse sentido, foi-se construindo a pesquisa de maneira que se pudesse compreender como a implementação do Programa BCSAV promoveu ou não a participação e as condições para a geração e o fortalecimento de capital social local. Durante o seu desenrolar constatou-se pontos fortes e pontos a serem melhorados na implantação e desenvolvimento de um programa de governo como o BCSAV.

Assumiu-se o banco comunitário como uma tecnologia social no sentido dela ser criada na interação com a comunidade. Neste caso, partiu-se do pressuposto de que o BCSAV traria consigo princípios e valores da interação social e da participação em sua concepção.

As discussões feitas foram embasadas a partir do conceito de capital social de teóricos como Robert David Putnam, Anthony Bebbington, John Durston e Peter Evans, trazendo desses trabalhos suas visões e argumentações do conceito de forma a pautar as discussões da tese nos pontos comuns ou complementares a eles. Estabeleceu-se como norteador da elaboração dos questionários de pesquisa e posteriormente nas discussões dos resultados pilares de sustentação teórica e metodológica identificados em cada abordagem. Isto possibilitou que houvesse uma contraposição do alcançado na pesquisa empírica com a literatura especializada. Isto permitiu, também, um olhar mais apurado sobre o posicionamento dos entrevistados à luz de experiências de outros lugares. A possibilidade de contar com um recorte amostral a partir do universo da pesquisa permitiu que se pudessem fazer inferências nas respostas conseguidas estendendo da parte para o todo neste estudo de caso.

O estudo foi iniciado por um resgate histórico do Programa BCSAV no estado do Rio de Janeiro a partir dos bancos de sementes vinculados ao Mapa. Verificou-se que os quatro bancos comunitários aqui estudados, não foram criados a partir das ações do Programa BCSAV, mas já existiam anteriormente sendo a participação dos agricultores feita de forma voluntária. Para os guardiões destes bancos, apenas a distribuição de sementes pelo Programa, não foi suficiente para a manutenção das sementes no banco. Alguns pontos foram considerados

limitantes pelos guardiões entrevistados entre os quais se destacam não ter local adequado para armazenagem além do fato de que seriam necessários recursos financeiros para manter a estrutura da casa de sementes, fato este também reconhecido como limitante pelos extensionistas. Um gargalo muito importante observado pelos guardiões foi o trabalho adicional que pesava sobre eles, visto que além de sua lida diária na roça, ele precisava destinar parte do seu tempo à produção de sementes e à gestão e controle do banco.

O Programa BCSAV teve como proposito inicial tornar acessível um recurso que era de difícil aquisição com o propósito de aumentar o uso de adubos verdes na agricultura. Contatou-se que a maioria dos agricultores entrevistados afirmaram ter conseguido implantar e manejar o uso dos adubos verdes em suas propriedades, sendo que parte deles observaram mudanças nelas, tais como aumento de produtividade da terra e melhoria na textura do solo. Em boa parte das propriedades o uso dos adubos verdes aumentou quando comparados ao período anterior ao Programa.

Muitos agricultores se apropriaram desta tecnologia e adotaram o uso de adubo verde em suas propriedades. Isso se evidenciou em especial nos agricultores de base orgânica aonde esta prática vinha conferir um diferencial. Entretanto com aqueles agricultores que não tinham como alvo a produção orgânica, a adoção dependeu em muito do papel do técnico de Ater. Constatou-se que os agricultores passavam a utilizar a adubação verde a partir do momento que o técnico local os estivesse estimulando, acompanhamento a produção e fornecendo assistência técnica adequada. Assim sendo, uma grande falha do Programa foi não pensar em recursos humanos, técnicos que estivessem no campo, voltados para o alcance dos resultados previstos. Ficou bem evidenciado na pesquisa que os agricultores tinham um interesse grande no uso do adubo verde, mas por conta de faltar um facilitador que pudesse orienta-los, isto se perdia.

Como tecnologia social os bancos comunitários deveriam fortalecer a participação visto ser esta tecnologia fruto de uma construção coletiva. Entretanto no Rio de Janeiro o do associativismo é uma história onde não se vivencia a vida comunitária como na região Sul do Brasil e em Minas Gerais, onde as pessoas se associam por uma série de questões e influências históricas. Soma-se a isso que em muitas regiões do estado do Rio de Janeiro o processo de urbanização levou o agricultor a ter comportamentos diferenciados no tocante as práticas de trocas de semente, de trabalho em mutirão e atuação em trabalhos comunitários.

Observou-se durante a pesquisa que o objetivo de criar bancos e apoiar os já existentes não foi plenamente atendido pelo Programa, talvez pela crença de que já existia um capital social formado para dar conta disso. Durante as capacitações realizadas para

empoderamento e instrumentalização dos técnicos de Ater e agricultores multiplicadores foram muito trabalhados os aspectos da adubação verde em detrimento dos aspectos de cunho social como o fortalecimento da organização social, associativismo, papel e importância dos guardiões de sementes e empoderamento dos diferentes atores envolvidos, que são essenciais para o bom andamento dos trabalhos com os bancos comunitários de sementes.

Constatou-se na pesquisa que todos os agricultores familiares já participavam de alguma associação/cooperativa, identificando-se, em sua maioria, como muito ativos ou como líderes. Alguns precursores de confiança e cooperação, tais como parentesco, identidade, prestígio no serviço comunitário, evidenciaram-se na maioria dos casos. Percebeu-se que quanto maior era o engajamento na comunidade do entorno do agricultor, maior era sua confiança nas ações em conjunto com outros agricultores e maior sua participação em ações coletivas como mutirões. Laços de interação social também foram evidenciados para todos os agricultores familiares entrevistados em suas situações cotidianas. Entretanto para os agricultores entrevistados não houve alteração significativa na participação social, confiança e cooperação de modo significativo, sendo os laços de confiança criados e mantidos. Para os técnicos entrevistados, o Programa possibilitou, em maior ou menor grau, a participação social intensificando os laços de confiança e cooperação entre os agricultores. Quando considerados os bancos de sementes, era possível identificar fortes laços de reciprocidade onde as pessoas auxiliavam-se umas às outras, aumentando a confiança e a cooperação dos associados. Também o aspecto participativo era muito valorado pelos gestores/guardiões dos bancos comunitários estudados.

Diante do exposto, alguns resultados encontrados na pesquisa de campo podem nos direcionar para algumas conclusões a partir dos objetivos específicos previamente definidos:

Em relação ao “Resgatar historicamente a concepção, elaboração e implantação do Programa Banco Comunitário de Sementes de Adubos Verdes tanto para o âmbito nacional quanto no estado do Rio de Janeiro” pôde-se concluir que:

(1) A concepção do Programa ficou restrita a poucos pesquisadores que atuavam

com a temática sendo que os agricultores familiares e técnicos multiplicadores não participaramdesse processo;

(2) Apesar de ter como modelo os bancos comunitários de sementes do estado da Paraíba, a ideia inicial do Programa BCSAV era difundir o uso de adubos verdes em todo o território nacional;

(3) No estado do Rio de Janeiro foram obtidos resultados na difusão do uso da adubação verde devido ao envolvimento de pesquisadores da temática desde a implantação do Programa;

(4) A consolidação da adubação verde como uma opção de melhoria do solo no estado do Rio de Janeiro parece ter atendido à demanda original dos formuladores, entretanto não abrangeu o estado do Rio de Janeiro como um todo.

No tocante ao objetivo específico de “Verificar e analisar o papel dos diferentes atores envolvidos com a concepção, elaboração, implantação e acompanhamento do Programa Banco Comunitário de Sementes de Adubos Verdes no estado do Rio de Janeiro” constatou-se que:

(1) Os técnicos multiplicadores selecionados no Programa atuavam direta ou indiretamente com a temática da agricultura orgânica, mas não tinham preparo para atuar no âmbito de ações comunitárias na totalidade das suas dimensões; (2) Temas importantes como conservação de sementes, gestão de bancos

comunitários, formação de redes, associativismo foram pouco discutidos ou mesmo não foram trabalhados nas capacitações dos agentes multiplicadores, deixando lacunas importantes na formação dos multiplicadores e, por conseguinte para o sucesso do Programa;

(3) A ausência de participação dos agricultores familiares e multiplicadores nos processos de decisórios relacionados à implantação e acompanhamento do Programa no estado trouxeram como consequência algumas fragilidades para o alcance dos resultados esperados.

(4) Ao não se considerar a participação dos agricultores familiares e técnicos multiplicadores nos processos decisórios da execução do Programa outras necessidades individualizadas e coletivas não foram consideradas afetando, o alcance dos resultados esperados. Quem não se sente parte não participa de modo eficiente.

Concluiu-se com o processo de “Identificar e caracterizar o perfil socioeconômico dos agricultores familiares envolvidos com os bancos comunitários de sementes de adubos verdes no estado do Rio de Janeiro” que:

(1) O Programa priorizou aqueles agricultores que já trabalhavam dentro do sistema orgânico de produção, os proprietários de terra e os que tinham na agricultura sua única fonte de renda;

(2) Houve predomínio da presença masculina no Programa tanto agricultores familiares beneficiados quanto de técnicos multiplicadores, evidenciando uma disparidade de gêneros. Considerando que a presença da mulher como guardiã de sementes é comumente observada em diferentes regiões do planeta, esta pouca representatividade pode ter interferido no alcance de melhores resultados da implantação d o Programa e impactado o sucesso da criação de novos bancos no estado do Rio de Janeiro;

Com relação aos “condicionantes que levam os agricultores familiares a adotarem a tecnologia social dos Bancos Comunitários de Sementes de Adubos Verdes”, verificou-se que:

(1) Pesquisas em campo evidenciaram como potencializadora a disponibilidade de sementes e o envolvimento interinstitucional;

(2) O principal limitante ao êxito do Programa BCSAV apontado pelos agentes multiplicadores foi a falta ou a inadequada assistência técnica dada aos agricultores;

(3) Agricultores de base orgânica adotaram com mais facilidade a adubação verde, sendo que a prática vinha conferir um diferencial em suas propriedades;

(4) Em agricultores que não tinham como alvo a produção orgânica, a adoção dependeu em muito do papel do técnico de Ater;

(5) Agricultores passavam a utilizar a adubação verde a partir do momento que o técnico local os estivesse estimulando, acompanhamento a produção e fornecendo assistência técnica adequada;

(6) A entrada de sementes destinadas a segurança alimentar atendeu de modo mais eficiente a demanda dos agricultores por sementes.

Por fim, em relação ao objetivo de “Verificar em que os Bancos Comunitários contribuem para a formação do Capital Social em termos de promoção da confiança, reciprocidade e cooperação entre os pares e participação social” destacam-se as seguintes conclusões:

(1) Como verificado em outros estudos, participação comunitária é uma experiência que promove o empoderamento das famílias de agricultores e o fortalecimento da agricultura familiar. Na presente pesquisa foram observadas interações entre os agricultores entrevistados e seu meio social, mas não de participação na articulação das ações do Programa. Observou-se que laços de capital social foram evidenciados em locais onde as redes de sociabilidade já estavam

constituídas. No estado do Rio de Janeiro estas práticas já estavam presentes nas regiões estudadas e o Programa BCSAV as fortaleceu, mas não as criou.

(2) Bancos de Sementes Comunitários possibilitam a interação entre as famílias em locais onde as comunidades participam de diferentes instancias sociais e se consolida em práticas de solidariedade, confiança e reciprocidade. Desse modo, para que um programa de governo possa criar capital social é preciso que se tenha a participação dos diferentes atores sociais em sua concepção. Não pode ser excludente ou seja todos os interessados devem estar envolvidos.

O Programa Banco Comunitário de Sementes de Adubos Verdes possuía condições de promover a participação e a geração e fortalecimento de capital social local. Entretanto isto se evidenciou de modo mais incisivo em locais onde já havia, mesmo que de forma incipiente, laços de confiança, reciprocidade e cooperação instalados.

Para que um programa de governo possa ser efetivo é preciso que além das demandas locais se considere a participação dos diferentes atores envolvidos, inclusive valorizando a participação equitativa de gênero. O Programa BCSAV apresentou uma estratégia de implantação que não dialogou de modo eficiente com os agricultores, o que limitou o alcance de seus resultados no tocante ao atendimento da demanda de campo. Assim, tornou- se um programa de governo com poucos resultados efetivos na constituição de bancos comunitários de sementes.

Um ponto extremamente importante para o sucesso de uma política pública reside na participação efetiva de todos os atores. Assim sendo, para que a implantação de bancos comunitários ocorra com sucesso é preciso que os diferentes atores sociais envolvidos dialoguem em uma rede sociotécnica, onde competências e habilidades possam complementar- se. Para construir capital social é preciso tecer a malha das relações com confiança, reciprocidade e cooperação, quer em nível de relações familiares mais íntimas quer em relações institucionais.

Desse modo espera-se que os resultados alcançados neste estudo, permitam que novos programas de governo destinados a levar autonomia aos agricultores possam ter melhores resultados quando implantados, desde que sanados os seus limites e ressaltadas as suas potencialidades.