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CRITÉRIOS DE SELEÇÃO 0-10 (2) Vínculo com Agricultura Orgânica e Agroecologia (1)

4.6 Capital Social na perspectiva dos diferentes atores sociais do Programa BCSA

4.6.2. Mecanismos de cooperação, reciprocidade e confiança criados

“O capital social pode ser intensificado ou inibido a partir de ações individuais e institucionais de ordem governamental e não governamental. Ele é intensificado quando uma ação estimula e valoriza seus princípios (confiança, cooperação, reciprocidade e normas de sociabilidade); e é inibido quando os ignoram ou os depreciam. A construção dos mecanismos para intensificar ou inibir o capital social pode ocorrer a partir de diferentes processos: dos sujeitos locais (indivíduo, grupo, comunidade, instituição) entre si; do sujeito local com um sujeito externo (igrejas, ONGs, sindicatos, partidos, órgãos governamentais, empresas); do sujeito externo com o sujeito local” (HOLANDA, 2011, pag. 133-134).

Considerando que o capital social envolve relações de confiança e reciprocidade entre indivíduos que interagem em grupos sociais, a pesquisa procurou investigar se na perspectiva dos multiplicadores o Programa intensificou a participação social, bem como se

ocorreu aumento de confiança e cooperação entre as pessoas nas localidades atendidas pelos multiplicadores.

Um dos grandes questionamentos feitos aos multiplicadores entrevistados nesta pesquisa era se o Programa BCSAV potencializava o capital social local em termos de cooperação, confiança e reciprocidade entre os agricultores.

Observou-se durante a pesquisa que para oito multiplicadores (44,4%) não houve alteração significativa na participação social dos agricultores. A mesma resposta foi observada quando os critérios foram confiança e cooperação. Para ambos, as diferenças entre as frequências estatísticas considerando a capacidade do BCSAV de aumentar ou não tanto a confiança quanto a cooperação não foram significativas. As tabelas 38 e 39 ilustram o impacto do Programa BCSAV no fomento à confiança e cooperação entre os agricultores na visão dos extensionistas.

Tabela 38- Alteração do nível de confiança entre os agricultores beneficiados pelo BCSAV na percepção dos extensionistas em números absolutos e porcentagem nos parênteses. Rio de Janeiro,2015/2016.

Confiança Frequência Intervalos de confiança Aumentou 7 (38,9%) 16,4% < 38,9 < 61,4% Não alterou 11 (61,1%) 38,6% < 61,1 < 83,6%

TOTAL 18

Fonte: Dados da pesquisa (2015-2016), onde 𝜒𝐺𝐿=12 = 0,89 e p= 34,58%

Tabela 39 - Alteração do nível de cooperação entre os agricultores beneficiados pelo BCSAV na percepção dos extensionistas em números absolutos e porcentagem nos parênteses. Rio de Janeiro,2015/2016.

Cooperação Frequência Intervalos de confiança Aumentou 9 (50%) 26,9% < 50,0 < 73,1% Não alterou 9 (50%) 26,9% < 50,0 < 73,1%

TOTAL 18

Fonte: Dados da pesquisa (2015-2016) onde 𝜒𝐺𝐿=12 = 0,89 e p= 34,58%

Para Durston (1999, pag. 110), a experiência de Chiquimula mostrou que o continuo exercício da confiança e de cooperação entre os camponeses estimula uma maior propensão em cooperar reciprocamente com a vida comunitária que tende a aumentar gradualmente com o passar do tempo.

Quando questionados sobre como viam sua participação nas decisões da associação/cooperativa e ou casa de sementes comparativamente há um ano, 15 agricultores familiares (60%) afirmaram que sua participação não havia se alterado em relação ao último ano. Apenas cinco agricultores afirmaram ter uma participação maior em relação ao último ano, sendo que destes quatro (66,7%) declararam-se como “relativamente ativos” nas associações/cooperativas aos quais estavam vinculados. A tabela 40 apresenta a participação em comparação há um ano.

Tabela 40 - Participação dos agricultores nas decisões da associação/cooperativa e ou casa de sementes em 2015 em comparação à 2014.

Participação/ em relação ha um ano atrás menor igual maior

Líder 33,3% ( 1) 33,3% ( 1) 33,3% ( 1)

Muito ativo 0,0% ( 0) 100% (10) 0,0% ( 0)

Relativamente ativo 16,7% ( 1) 16,7% ( 1) 66,7% ( 4) Não participa de decisões 50,0% ( 3) 50,0% ( 3) 0,0% ( 0)

TOTAL 20,0% ( 5) 60,0% (15) 20,0% ( 5)

Fonte: Dados da pesquisa (2015)

O fundamental na formação de um grupo que organiza um Banco de Sementes é que haja um nível mínimo de confiança e bom relacionamento entre os participantes de cada comunidade, pontos importantes que denotam a presença de capital social. Soma-se a este fato que bancos comunitários de sementes são pautados em princípios colaborativos e como tecnologia social além de serem formados a partir da interação entre os membros da comunidade em um ambiente de confiança, reciprocidade e cooperação entre os pares. Quanto a confiança foi observada na entrevista que para os gestores dos bancos comunitários Aspur, AAT e Aldeia Velha, a implantação/entrada do programa BCSAV melhorou o grau de confiança dos associados. Segundo E.L.C.F. “[...] em um grupo de orgânicos a confiança e cooperação é maior por conta deles estarem no mesmo barco, na participação sistema participativo de garantia [...].” (E.L.C.F., engenheiro agrônomo, 08/04/2015, Teresópolis, RJ). Para Souza (2006, pag.168) a presença de capital social em uma comunidade está associada a existência de instituições como organizações não-governamentais onde o benefício dessa parceria é recíproco para ambas as partes.

Na visão do outro técnico, o Programa aumentou a confiança entre os agricultores de modo incipiente, porém consistente. Segundo ele, o Programa em si só não alterou a confiança entre os agricultores, mas o comprometimento dos técnicos envolvidos e a maneira

como ele foi implantado é que se constituiu em um diferencial. Segundo Sá e Chies (2012, p.197) “[...]‘tradicionalmente os extensionistas são percebidos como trabalhadores com forte motivação afetiva para desenvolvimento do seu trabalho”.

Entretanto, cabe observar que para 40% dos agricultores entrevistados a desconfiança parece ser a tônica das relações, em especial nas situações onde o financeiro está presente, refletindo nas ações que ocorrem na comunidade.

Não ocorrem mutirões. Tivemos algumas reuniões para divisão das primeiras sementes de leguminosas. Até houve um grupo de mutirão onde cada um dava um valor por mês, porém quando começou a envolver dinheiro, acabou em problemas e saímos da participação dos mutirões. (O.F, agricultor, 12/02/2015, São Gonçalo, RJ)

Eu já tive um grupo lá no assentamento sol da manhã que fazia o mutirão. Cada um dia da semana íamos para propriedade de um ajudar na colheita ou no que tivesse que fazer. Chamavam até de grupo de trabalho do Flávio. Eram 10 famílias que participavam desse grupo. Depois o grupo de desfez, por questão imobiliária. Algumas pessoas saíram do local, outras famílias de desfizeram e eu acabei ficando meio sozinho. (F.G.L., agricultor, 25/04/2016, Seropédica, RJ)

Para um dos técnicos entrevistados muito da confiança entre os agricultores já existia por conta de trabalhos anteriores. Em sua opinião, o Banco de Sementes pouco teve a ver com isso, sendo o sucesso da implantação do mesmo decorrente de ações anteriores na comunidade de agricultores. Isto pode evidenciar laços de confiança entre o técnico e o agricultor, visto que segundo Durston a partir da experiência de Chiquimula observou que “[...] la confianza se construye sobre el pasado, no sobre el futuro: sobre la experiencia de cumplimiento anterior que prueba la confiabilidad de las personas, no sobre acuerdos y contratos de promesas para el futuro” (DURSTON, 1999, pag. 110).

Em contraposição, Abramovay (1998) afirma que o capital social pode ser criado desde que haja a presença de “organizações sociais suficientemente fortes” indicando às pessoas alternativas para suas articulações sociais. Na visão A.P.P., multiplicadora do Programa “[...] faltou um pouco dessa coisa de fortalecer a organização social e de fortalecer a ideia de formar um banco comunitário. [...] os agricultores não tinham espaço para a discussão coletiva, essa foi uma dificuldade” (A.P.P., engenheira agrônoma, 22/04/2015, Teresópolis, RJ).

Para os técnicos entrevistados a questão social nas comunidades de agricultores familiares é fundamental, sendo a lógica da reciprocidade em um grupo de agricultores o motivador de uma parte importante da produção e também do manejo dos recursos e dos fatores de produção (SABOURIN, 1999). Entretanto em campo observou-se que os agricultores tinham

dificuldade para fazer um trabalho associativista. Segundo um agricultor entrevistado “[...] nós não temos a cultura de ajudar um ao outro. Isto é comum em Minas Gerais e Santa Catarina e não no Rio. Isto falta para a gente, mas infelizmente não é de nossa cultura” (J.F., agricultora, 15/04/2015, Nova Friburgo, RJ).

Para um trabalho coletivo

[...] é preciso sensibiliza-los, capacita-los para isso e não dá para fazer uma coisa pontual e achar que a partir desse movimento vai ser uma doutrina, vai crescer. Isso não vai acontecer. Aqui as coisas têm que ser diárias e acontecer no passo a passo. (A.P.P., engenheira agrônoma, 22/04/2015, Teresópolis, RJ).

O uso de oficinas para socialização das ideias do Programa permitiu agrupar as experiências individuais de cada agricultor presente. Esta situação foi observada em vários locais no estado do Rio de Janeiro, onde os técnicos atuavam. Observou-se que o envolvimento no Programa foi potencializado em regiões que os agricultores participavam de algum tipo de organização, grupos produtivos, associações, ou seja, onde existe algum tipo de ação coletiva com a comunidade. Isso corrobora as observações de Nascimento et al. (2012) que pontuaram que por meio de bancos comunitários de sementes tem sido possível realizar, em conjunto com as comunidades, o associativismo contribuindo assim com a resistência dos agricultores familiares frente ao domínio do mercado. Entretanto em regiões onde esta participação não ocorria, o individualismo era evidente.

O que poderia potencializar seria a questão do associativismo e da organização dos agricultores, isso se perdeu. A falha foi que entregou o material e não acompanhou ... esta falha deixou o agricultor órfão;. Aqui no Rio a história do associativismo e uma história de penúria, aqui não tem a vida comunitária como no sul do país e Minas Geais, onde as pessoas se associam por uma série de questões. Aqui no Rio de Janeiro é comum as pessoas se dispersarem. (L.H.S.T., engenheiro agrônomo, 22/04/2015, Magé, RJ).

Para um dos técnicos facilitadores do programa que atuava junto a uma associação de agricultores, o Programa no início intensificou a participação social, porque apresentou uma oportunidade agrupar os diferentes atores para discussão de problemas comuns. O pensar de modo coletivo os problemas favoreceu ações coletivas tal como o fortalecimento do Sistema Participativo de Garantia (SPG). Tal observação é respaldada por Khan et al. (2005), para o qual o capital, quando presente em uma sociedade, fortalece a tomada de decisões e a execução de ações colaborativas que beneficiam toda a comunidade.

[...] quando começou foi uma oportunidade de juntar os núcleos, fazer oficinas, que eram grupos que não se reuniam frequentemente. Ajudou o SPG. Este projeto proporcionou este espaço de construção do SPG, espaço de estar juntos discutindo problemas, pensando soluções, trabalhando mutirões. Ajudou, mas não foi suficiente, foi o elo das pessoas. (A.P.P., engenheira agrônoma, 22/04/2015, Teresópolis, RJ)

Segundo Silva et al. (2007), os bancos de sementes têm um papel que vai muito além da organização do estoque de sementes visto que o processo de gestão possibilita espaços coletivos de debate sobre as estratégias de produção de cada família. A capacidade de ação coletiva é um requisito do desenvolvimento sustentável, pois “[...] comunidades com essa característica tem mais capacidade de demandar em quantidade e qualidade, ações por parte do Estado e esse dinamismo e cooperação da base comunitária facilitam a aproximação e a eficácia das instituições de apoio” (NICOLA, 2007, p. 636).

Destaca-se que há casos relatados na literatura, onde a ação do estado torna possível contribuir para a criação ou intensificação de capital social comunitário através de políticas públicas (DURSTON, 1999), as quais podem estimular os diferentes atores sociais a se associarem estimulando a confiança e o fortalecimento dos laços de cooperação. (DURSTON, 2000, pag.32). Desse modo, capital social está relacionado à capacidade de organização e constituição de redes de cooperação social fundamentais no processo de desenvolvimento sustentável. Tal situação foi observada em estudo de envolvendo acampados e assentados de reforma agrária em São Paulo, onde

“[...] através de valores como a reciprocidade, a confiança, a solidariedade, foram formando suas redes de relações e à medida que essas redes se fortaleciam tais valores solidificavam-se. No momento em que passaram a ser assentadas e a conviverem próximas umas das outras, ou seja, à medida que o grupo do acampamento é perpetuado no assentamento, essas pessoas, já portadoras de elementos que constituem o capital social (como confiança, solidariedade, reciprocidade, ajuda mútua) passam a potencializar tais elementos nas práticas do dia a dia” (SOUZA, 2006, pag. 171).

Percebeu-se durante as entrevistas que a ação dos técnicos foi fundamental para a continuidade do Programa BCSAV no Rio de Janeiro. Para M.S.M. “[...] o Programa teve falhas, mas aqueles agricultores que perceberam o que era, fizeram por conta própria sem interferência da coisa pública, tanto da Emater quanto do município.” (M.S.M., engenheira agrônoma, 11/02/2015, Rio Claro, RJ).

Para os técnicos entrevistados, o Programa possibilitou, em maior ou menor grau, a participação social intensificando os laços de confiança e cooperação. Para um dos entrevistados houve aumento do diálogo, da cooperatividade e da troca de serviços entre os

agricultores da região. Para ele os laços de confiança foram criados e mantidos, sendo que “[...] os agricultores pedem por mais iniciativas de projetos ligados à cooperação mutua”. (A.C.B., engenheira agrônoma, 07/12/2015, Miracema, RJ).

Construir capital social é construir capacidades sociais e técnicas, aprimorar os processos de gestão social e construir a visão de território com base na cooperação e na confiança mútua. Ele é composto por sistemas sociais complexos, baseados em múltiplos agentes que os mobiliza em suas estratégias e empreendimentos (MENDONÇA et al., 2008). Entretanto, segundo Durston “[...]existen dudas entre los propios autores fundacionales, como Robert Putnam, sobre la posibilidad práctica de construir capital social en grupos que carecen de él.” (DURSTON, 1999, pag. 105)

Um dos técnicos que atua na região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro afirmou que a sua região de atuação “é muito individualista e o banco foi uma motivação, deu uma nova percepção em termos de associativismo, colaborar, cooperar, em especial nos grupos orgânicos.” (J.M.S., engenheiro agrônomo, 02/06/2015, Duque de Caxias, RJ). Para este multiplicador a situação “não mudou da água para o vinho mas deu uma nova percepção”.

Para um dos técnicos que atua na Região Serrana o Programa

[...] alterou as relações para melhor. Aumentou a confiança entre eles apesar de pouca e lenta o que se conseguiu foi consistente. Pouco perceptível e muito demorado. Os que se convenceram continuaram para outras espécies [...]. (A.P.P., engenheira agrônoma, 22/04/2015, Teresópolis, RJ)

Na pesquisa foi evidenciado que um dos pontos que favoreceu a implantação dos BCSAV no Rio de Janeiro foi a interação entre os agricultores e os técnicos das instituições participantes a partir do momento em que permitiu unir interesses destes grupos. Este fortalecimento corrobora com as observações de Amâncio (2006) em que grupos que constroem uma ação mais interativa entre as iniciativas de acompanhamento técnico-econômico e as de caráter educacional participativo tenderam a construir relações sociais de solidariedade, reciprocidade e confiança mais fortes. Destaca-se que estudos realizados por Durston (1999) em Chiquimula demonstraram ser possível a formação de capital social a partir da presença de grupos locais com repositórios de reciprocidade que podem vir a transformar-se em uma força de coesão e confiança entre os membros.