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4 O PROGRAMA BANCO COMUNITÁRIO DE SEMENTES DE ADUBOS VERDES NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

4.2 A implantação do BCSAV no Estado do Rio de Janeiro

4.2.1 Bancos Comunitários vinculados ao Programa BCSAV no estado do Rio de Janeiro

4.2.1.3. Casa de Sementes Livres de Mata Atlântica

A Casa de Sementes Livres de Mata Atlântica foi criada como um espaço de articulação entre a pesquisa, recuperação, armazenagem e difusão de sementes tradicionais. Está localizada em Silva Jardim, cidade da região dos lagos fluminense ocupando 937.547 km² de unidade territorial, onde os estabelecimentos agropecuários totalizam 39.785 ha: destes 28.012 ha eram terras de proprietários. As lavouras eram constituídas de 2.147 ha de área plantada com forrageiras para corte (destinadas ao corte e uso na alimentação de animais), 1.246

ha com plantações permanentes e 1.347 ha com lavouras temporárias. Havia no município 370 estabelecimentos agropecuários sendo que 177 unidades eram de lavouras permanentes e 136 unidades de lavouras temporárias. Destacavam-se a banana e a laranja, como as lavouras permanentes mais expressivas totalizando 79 e 32 estabelecimentos agropecuários com mais de 50 pés existente respectivamente. A lavoura temporária de maior expressão era a de mandioca com 94 estabelecimentos agropecuários.50

Visando valorizar as sementes tradicionais da região, bem como a identidade da cultura caipira, o coletivo de jovens chamado Escola da Mata Atlântica - cujas atividades vinham desde 2005 registrando saberes nativos e criando espaços para o intercâmbio de conhecimentos – resolveu, em 2007, construir um banco de sementes crioulas no povoado de Aldeia Velha em Silva Jardim (MAYA, 2014). Desta forma o Banco Comunitário de Sementes intitulado Casa de Sementes Livres de Mata Atlântica não foi formado a partir do programa BCSAV.

O objetivo inicial de construir um banco de sementes crioulas com grandes estoques de sementes disponíveis foi pouco a pouco se transformando para dar lugar a um projeto que primasse mais pela qualidade do que pela quantidade de sementes. Foram muitas as dificuldades na obtenção de apoio financeiro por conta da conjuntura desfavorável em nível nacional e local para um projeto que envolvesse sementes crioulas. Assim, segundo o relatado pela gestora da casa de sementes, optou-se que ao invés de procurar desenvolver um trabalho com foco nos agricultores, o que seria dispendioso pelo número de visitas de campo, o coletivo aproveitaria sua inserção em um ambiente educacional e direcionaria cada vez mais seu trabalho às crianças e jovens da comunidade, operando de forma transversal no currículo escolar. O termo banco já não fazia tanto sentido e o coletivo fundador associou a experiência como um local também para pensar, discutir e sonhar livremente. Nasceu o nome que ficou até hoje: Casa das Sementes Livres.

Em 2015, ano de realização da pesquisa, a Casa de Sementes Livres era composta por cerca de dez agricultores envolvidos com a temática da agroecologia, um mestre griô51 e

50 IBGE, Censo agropecuário 2006. Para maiores detalhes consulte

http://www.cidades.ibge.gov.br/v3/cidades/municipio/3305604/pesquisa/24/2006, acesso em 06/02/2017.

51 De 2010 em diante, o coletivo implementou a pedagogia Griô para o funcionamento da Casa,

remunerando um antigo agricultor local, hoje identificado à Agroecologia, para dar as aulas semanais, horário que foi garantido na grade curricular da turma do 5º ano. A pedagogia Griô busca a inserção da tradição oral e de conhecimentos não-formais em espaços formais de aprendizagem (MAYA, 2014) mediante a transmissão oral nas diferentes comunidades para manter a tradição local. O conceito surgiu da Ação Griô, que tem como objetivo a valorização dos mestres e mestras portadores dos saberes e

quatro gestores, que se revezam na direção da casa de modo participativo. As sementes mantidas na Casa eram essencialmente alimentícias, mas o Programa BCSAV introduziu outras como crotalária (Crotalaria juncea), evilhaca (Vicia sativa L.) e mucuna (Mucuna aterrima). A figura 8 ilustra a casa onde as sementes são armazenadas e o armazenamento das sementes respectivamente.

Figura 08 - Casa de Sementes livres e local de armazenamento das sementes, Silva Jardim, RJ, 2015

Fonte: Acervo da pesquisa (2015)

Para participar da Casa de Sementes o agricultor precisa ter o compromisso de replicar a semente, ou seja, ter interesse em plantar e depois saber que vai multiplicar a semente crioula. Entretanto, na visão dos coordenadores, as pessoas precisam ter acesso primeiro a estas sementes para posteriormente poder multiplica-la. Assim toda a ação preconiza o acesso à semente, e deste modo o controle de acesso a esse banco é bem mais livre do que o preconizado no Programa BCSAV. Nas palavras de C.H.N.S (2015)

Eu sempre dou sementes para pessoas que sempre plantam, pois, as sementes são preciosas. Se ela quer experimentar ela que compre. Eu não gero expectativas. Aqui dou a semente, anoto direitinho, e fico esperando que ela devolva. Eu tento monitorar. Em via geral em tudo em tento não ter expectativa, sem cobrança. (C.H.N.S., cientista social, gestor da casa de sementes livres, 27/05/ 2015, Aldeia Velha, RJ)

fazeres da cultura oral, os chamados griôs, e o fomento da transmissão desta tradição. Para maiores detalhes sobre a pedagogia Griô consulte

http://www.blogeducacao.org.br/2012/11/pedagogia-grio-conceito-promete-reinterpretar-o-estudo- tradicional-nas-escolas/, acesso em 24/01/2017.

Alguns agricultores fornecem sementes, a distribuição é livre. Como a gente não tem estrutura para manter o controle a gente prefere deixar livre. Eu tenho meu controle, para quem eu emprestei, ai eu vou acompanhando. A gente tenta distribuir as sementes que são aceitas pela comunidade local, a semente que tenha viabilidade aqui. A gente tenta passar ideia do que é o banco: a gente da a semente e a gente tenta de alguma forma fazer com que as pessoas devolvam para a gente. A gente consegue as vezes que isto ocorra. Como estratégia preconizada, programada, a gente não tem. Anoto quanto foi dado para cada agricultor, mas não há obrigatoriedade de devolver. (C.H.N.S., cientista social, gestor da casa de sementes livres, 27/05/ 2015, Aldeia Velha, RJ)

Uma das principais dificuldades apontadas pelo gestor foi a obtenção de recursos financeiros para a manutenção da Casa, visto que esta depende de fomentos oriundos de projetos de extensão. O Programa BCSAV previu apenas a distribuição de sementes, o que para o gestor da Casa de Sementes Livres não foi suficiente para a manutenção das sementes no banco. Segundo ele seriam necessários recursos financeiros para manter tanto a estrutura da casa de sementes quanto o agricultor guardião, visto que parte do tempo deste seria destinado a produção de sementes e controle do banco.

A gente tem dificuldade em manter o banco. São usados contatos pessoais que garantem algo. (Precisa...) dar bolsa para o agricultor para ele acompanhar o processo. Pois para se trabalhar com a capacitação ele tem que deixar sua labuta. [...] a gente trabalha na base do convencimento e da troca. (C.H.N.S., cientista social, gestor da casa de sementes livres, 27/05/ 2015, Aldeia Velha, RJ)

As ações da Casa de Sementes Livres de Mata Atlântica estavam bem assentadas e os coordenadores interagiam com a comunidade e laços de confiança estavam sendo criados.