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2 DESENVOLVIMENTO RURAL: PASSOS PARA SUSTENTABILIDADE

2.3. Das Sementes Selvagens aos Bancos Comunitários de Sementes

2.3.1. Bancos Comunitários de Sementes: características e modus operandi

Banco comunitário de sementes é uma organização de grupos de agricultores familiares que se associam espontaneamente e têm o direito a empréstimos de certo volume de sementes. Após a colheita, a quantidade recebida antes do plantio é ou não acrescida de “juros” e devolvida ao banco, segundo as regras definidas pelos associados. Este sistema assegura que cada família produza e beneficie sua semente, destinando parte da produção para um estoque comunitário gerenciado coletivamente (WUTKE e AMBROSANO, 2007, p.3). Desse modo o sucesso de um banco de sementes comunitários não é medido pelo grau de acesso a semente e sim pela restituição destas ao banco de origem, o que pode ser um indicador para avaliação do desempenho destes bancos. (CORDEIRO e FARIAS, 1993).

Com os “juros” aplicados aos volumes emprestados, é possível aumentar o número de beneficiados e a quantidade emprestada por família. Isso permite a formação de estoques- reserva para enfrentar períodos de adversidades climáticas mais prolongadas, além de garantir a manutenção de espécies. Desse modo o banco de sementes atua como um banco comum, porém a moeda corrente é a semente.

Os bancos comunitários de sementes representam uma estratégia de manter a diversidade e surgiram como uma forma de organização de agricultores familiares, assentados

17Modus operandi é a maneira de praticar uma operação ou de desenvolver determinada atividade. Para

Bourdieu “[...] modus operandi é entendido quase que como o habitus metodológico. Seu significado não está fora da ação criativa-investigativa geradora de linguagem, cabendo ou não em maior ou menor grau àquela ação. Significa-se com e pela prática. Esta tem o primado epistemológico – isso é, o pragmatismo – e tal só se entende, inclusive no caso de Bourdieu, quando a linguagem, locus do conhecimento objetivo, também for tida como uma prática, justamente a tal ação criativa-investigativa” (SÁ, 2015, p. 126)

da reforma agrária, povos e comunidades tradicionais para armazenagem de sementes produzidas em sua comunidade para uso próprio ou intercâmbio entre pares. Segundo Silva et

al. (2007), os bancos de sementes têm um papel que vai muito além da organização do estoque

de sementes visto que o processo de gestão possibilita espaços coletivos de debate sobre as estratégias de produção de cada família.

[...] bancos de sementes podem ser considerados como organizações que visam à autossuficiência de um grupo de agricultores familiares na provisão de sementes de determinadas espécies importantes para a agricultura local. (QUEIROGA et al., 2011, p.32).

Para Sabourin (2001) bancos comunitários de sementes são importantes por promoverem a aprendizagem coletiva, destacando-se sua importância social e política, bem como econômica e ambiental. Com isso nasce uma rede que fortalece e aprimora processos sociais, gerando canais de troca de informações e conhecimentos entre agricultores, extensionistas e pesquisadores.

Historicamente no Brasil, os bancos de sementes comunitários datam da década de 1970, a partir de ações da Igreja Católica junto às Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs, em diversas dioceses e paróquias da região Nordeste.

[...] os bancos de sementes tiveram como início dois motivos: 1) falta de distribuição de sementes pelo governo em quantidade e em época oportuna de início do inverno no sertão nordestino para a semeadura dos campos e 2) para não deixar de plantar, os agricultores eram obrigados a vender força de trabalho ou pedir empréstimos aos grandes proprietários para poderem comprar a semente na época de plantio. (QUEIROGA et al., 2011, p.21).

A proposta para o fortalecimento dos bancos comunitários de sementes passa por várias questões entre as quais resgatar o conhecimento das comunidades é importante para poder fomentar intercâmbio, saber o que está na mão de órgãos governamentais e o que a sociedade está precisando fazer para que esse material chegue aos produtores.

Além de ser uma estratégia para o agricultor diminuir sua dependência externa, bancos comunitários de sementes são espaços privilegiados de aprendizado e de desenvolvimento da capacidade de gestão e de fortalecimento das relações de cooperação e solidariedade, de recuperação de sementes e de saberes perdidos (CORDEIRO e FARIAS, 1993). Entretanto ressalta-se que a gestão de bancos de sementes, de forma participativa e democrática em nível comunitário, não é um processo simples (QUEIROGA et al., 2011).

O banco de sementes somente é considerado como um instrumento socialmente reconhecido de acesso à semente, quando existe qualidade do material estocado. Havendo falta de qualidade, nenhum agricultor irá querer depositar sua semente ou mesmo fazer empréstimo em um banco, quando há riscos de que a baixa qualidade venha comprometer a produção do seu cultivo. (CORDEIRO e FARIAS, 1993).

Cordeiro e Farias (1993) apontam que diversos problemas podem surgir na gestão participativa dos bancos de sementes comprometendo o seu desempenho, tais como:

 Concentração de trabalho na mão de um grupo pequeno de agricultores ou de uma única família;

 Devolução de sementes de má qualidade por parte de alguns produtores sócios;  Concentração de poder do presidente da associação gestora do banco; e

 Má organização ou administração do grupo gestor poderão ocorrer frequentemente e são de difícil solução.

Assim sendo, o incentivo à formação e manutenção de bancos de sementes é uma estratégia importante para promover a autonomia dos agricultores e para a conservação e manutenção da agrobiodiversidade local, podendo ser sinônimo de segurança alimentar. Entretanto há necessidade de investir em infraestrutura e de suporte técnico e operacional para a manutenção e funcionamento dos bancos de sementes (BRASIL, 2013).

Cunha (2013) apresenta uma síntese dos princípios que fundamentam um Banco Comunitário de Sementes a partir de experiência no estado da Paraíba. Os princípios podem ser divididos nos relativos à sementes e à gestão do trabalho com elas:

a. Princípios relativos às sementes:

 Localidade: a semente é local, foram adaptadas à determinada região e foram desenvolvidas ao longo de gerações para suprir as demandas locais e de interesse dos agricultores;

 Qualidade: a semente é de qualidade e sem agrotóxico, visto que sementes locais têm bom desempenho frente às convencionais e que problemas relacionados ao baixo desempenho estão relacionados com as condições de armazenamento;

 Identidade: são meios de produção e de identidade cultural;

 Autonomia: independência no acesso às sementes e outros insumos endógenos à unidade de produção e no papel do agricultor na sua preservação;

 Resistência: atuando no sentido de uma política camponesa e de uma resistência biológica;

 Como produto cultural não passível de tornar-se propriedade intelectual de diferentes grupos; e

 Como porta de entrada para práticas agroecológicas visto que sementes locais são adaptadas à agricultura familiar, apresentando alta variabilidade genética, fatores que vão ao encontro dos princípios da agroecologia.

b. Princípios relacionados à gestão do trabalho em torno das sementes:

 Gestão eficiente sob controle dos agricultores, ou seja, capacidade de gerenciar sistemas de recursos genéticos, eficiência dos agricultores e suas organizações na gestão de recursos públicos voltados para a agricultura familiar; e

 Organização e ação em rede de associações e cooperativas de agricultores visando intercâmbios que potencializem os bancos de sementes e valorizem as experiências, via fortalecimento das redes as quais também podem influenciar políticas públicas.

Corroborando com estes princípios, em especial aos relacionados à gestão do trabalho em torno das sementes, Gonçalves (2000) aponta que além de fortalecer o surgimento de uma nova cultura associativista, o fator mais importante que contribuiu para a expansão de vários bancos de sementes comunitários no meio rural, foi o gerenciamento dos mesmos pelas associações ou por grupos organizados de agricultores. Assim sendo, o fundamental na formação de um grupo, que organiza um banco de sementes, é que haja um nível mínimo de confiança e bom relacionamento entre os participantes de cada comunidade.

Sthapit et al. (2007) consideram seis etapas necessárias para o efetivo estabelecimento funcional de um Banco Comunitário de Sementes:

 Etapa 1: A comunidade precisa conscientizar-se sobre a taxa alarmante de erosão das sementes rústicas e entender a necessidade de sua conservação;

 Etapa 2: Um comitê para o manejo comunitário da biodiversidade deve ser formado;

 Etapa 3: As regras de funcionamento do banco devem ser formuladas de acordo com os interesses da comunidade;

 Etapa 4: Materiais disponíveis localmente podem ser usados para a construção da estrutura de armazenamento de sementes;

 Etapa 6: A distribuição de sementes com ênfase nos agricultores que não possuem sementes ou não tenham possibilidades de comprá-las.

Segundo Cordeiro e Farias (1993), nas regras de funcionamento do Banco de Sementes devem constar as seguintes cláusulas:

 Quem será beneficiário do banco;

 Qual a quantidade de sementes e com que frequência o agricultor pode solicitar;  Como será a devolução das sementes;

 Qual a quantidade de sementes que cada agricultor terá que restituir de garrafas pets18;

 O tempo para devolução e entrega das sementes ao banco;  Quem fica responsável pelo patrimônio genético do banco;

 E outros aspectos importantes para o funcionamento do banco, tais como ocorrências e problemas relacionados às situações adversas que afetem o agricultor e a agricultura local, por exemplo, perdas de lavouras ocorridas por drástica seca na região.

Há dois tipos de bancos de sementes classificados conforme sua gestão:

 Bancos familiares de sementes: são mantidos por uma família independente de uma relação com um banco comunitário. Normalmente incluem variedades de uso tradicional pela família e também representam uma foram de segurança alimentar em tempos de intempéries.

 Bancos comunitários de sementes: envolvem a articulação e o compromisso entre agricultores e/ou grupos de agricultores e onde se estabelecem regras, por exemplo, no que diz respeito à manutenção dos estoques, da diversidade das sementes no banco e formas de pagamento dos empréstimos.

Os bancos comunitários são colocados como uma alternativa para o problema da falta de alimentos em comunidades pobres e conservação da biodiversidade. É preciso que as comunidades se mobilizem para as questões de solidariedade e socialização. Deste modo, o banco comunitário de sementes pode vir a atuar como mediador e legitimador do capital social local, que poderá ser gerado como bem público a partir de atividades sociais, tendo na confiança um caráter básico (CLEMENTINO, 2011).

18 Observações em campo pela autora da pesquisa tem mostrado que as sementes comumente são

armazenadas pelos agricultores e guardiões de sementes em garrafas pets as quais apesar de serem alternativas mais baratas e resolverem momentaneamente o problema do armazenamento, trazem consigo a desvantagem de poderem promover a perda de germinação e vigor das sementes a médio prazo.

Neste sentido concebe-se a formação de bancos comunitários como tecnologia social na medida em que sendo a agricultura familiar o principal ator social desse processo, como será visto adiante, ela apresenta uma estratégia para minimizar a exclusão social no meio rural com a incorporação de recursos tecnológicos de baixo custo possibilitando uma agricultura sustentável onde o direito à vida e as condições dignas às pessoas do campo ficam fortalecidos (GEHLEN, 2004), através da aliança da produtividade agrícola com a preservação ambiental, segurança alimentar e geração de renda no campo. (PENA, 2010).

Seja como for, toda e qualquer estratégia de inserção de novas tecnologias sustentáveis somente terão sucesso quando amparadas em políticas públicas de apoio financeiro e técnico, de qualificação profissional e de infraestrutura. (GEHLEN, 2004).