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CRITÉRIOS DE SELEÇÃO 0-10 (2) Vínculo com Agricultura Orgânica e Agroecologia (1)

4.6 Capital Social na perspectiva dos diferentes atores sociais do Programa BCSA

4.6.1 Histórico de reciprocidade, confiança e cooperação

Inicialmente procurou-se compreender de que forma a participação social dos agricultores familiares acontecia nos diferentes grupos sociais aos quais eles estavam vinculados.

Constatou-se que todos os pesquisados estavam envolvidos direta ou indiretamente em alguma associação/cooperativa, sendo que apenas três participavam de bancos comunitários de sementes com nível de significância de 0,01%, isto é isto é com 99,99% de certeza de que este resultado não tenha ocorrido por acaso.

Quando os agricultores foram questionados sobre qual seria, na opinião deles, o maior benefício em fazer parte de um banco de sementes, os entrevistados pontuaram vários fatores tais como desenvolvimento espiritual, posição social, autoestima (2), prazer/diversão (3), melhora a renda atual ou acesso a serviços (6), benefício para a comunidade (8), solução em situações de emergência (11) entre outros. É interessante observar que como Tecnologia Social os bancos comunitários de sementes representam efetivas soluções de transformação social (RODRIGUES et al.,2008), sendo que apenas oito dos agricultores relataram que os bancos traziam benefícios para a comunidade.

Com relação a como classificariam sua participação nas decisões das associações/cooperativas e ou casa de sementes, 10 agricultores (40%) se identificaram como muito ativos ou como líderes (3 agricultores) indicando uma ação atuante junto as comunidades onde estão localizados. Na tabela 36 é possível verificar que apenas 6 dos entrevistados (24%) não participam das decisões nas diferentes comunidades onde estavam vinculados, com nível de significância de 26,58%.

Tabela 36 - Participação dos agricultores nas decisões da associação/casa de sementes do estado do Rio de Janeiro envolvidos com o BCSAV, 2015/2016.

Participação Frequência Intervalos de confiança

Líder 3 0,0% < 12,0 < 24,7%

Relativamente ativo 6 7,3% < 24,0 < 40,7% Não participa de decisões 6 7,3% < 24,0 < 40,7% Muito ativo 10 20,8% < 40,0 < 59,2%

TOTAL 25

Fonte: Dados da pesquisa (2015-2016), onde 𝜒𝐺𝐿=32 = 3,96 e p=26,58%

Quinze dos agricultores entrevistados (60%), afirmaram poder confiar nos outros agricultores. Ao correlacionar com a participação em mutirões constatou-se que quanto maior o engajamento na comunidade do entorno do agricultor maior é sua confiança nas ações em conjunto com outros agricultores e maior é sua participação em ações como mutirões, conforme a tabela 37.

Tabela 37 – Inter-relação entre grau de participação, confiança interpessoal e participação em mutirões, onde os números em parênteses indicam o número de agricultores entrevistados envolvidos no critério. Rio de Janeiro, 2015/2016.

Grau de participação Nível de confiança Participação em mutirões Líder (3) pode-se confiar nas pessoas (2)

nunca é demais ter cuidado (1)

não (2) sim (1) Muito ativo (10) pode-se confiar nas pessoas (8)

nunca é demais ter cuidado (2)

sim (8) não (2) Relativamente ativo (6) pode-se confiar nas pessoas (3)

nunca é demais ter cuidado (3)

não (4) sim (2) Não participa de decisões (6) nunca é demais ter cuidado (4)

pode-se confiar nas pessoas (2)

não (4) sim (2) CONJUNTO (25) pode-se confiar nas pessoas

(15)

nunca é demais ter cuidado (10)

sim (13) não (12)

Fonte: Dados da pesquisa (2015-2016).

Nesta tabela é possível constatar que agricultores muito ativos confiam mais nas pessoas e consequentemente atuam com maior inserção em mutirões para auxiliar agricultores de sua comunidade. Assim é possível constatar, como o observado por Sabourin (1999) que o mutirão abre possibilidade para que os agricultores construam um processo de empoderamento fundado na ampliação dos espaços de participação.

Durston (2000, pag.27) observa que comunidades rurais apresentam mais aspectos de capital social que em comunidades urbanas, visto a estabilidade relativa dada pelas relações de parentesco, firmadas durante um tempo mais longo em um mesmo local. Evans (1996) pontua que o capital social pode ser formado ao longo das gerações e não apenas em locais onde existam raízes históricas.

A construção do capital social em determinada comunidade ocorre pelas interações sociais, manifestando-se através da confiança, normas e cadeias de relações sociais (AMARAL, 2004). Segundo Putnam (1996) quanto maior o nível de confiança em um grupo ou comunidade, maior a probabilidade de ocorrer cooperação entre seus membros. Para o autor, a cooperação e o envolvimento com o coletivo geram também confiança e participação das pessoas em atividades associativas ou cooperativas, estruturas cívicas locais e nacionais.

Analisando os bancos/casas de sementes estudadas, observa-se que os mesmos precursores de confiança e cooperação, tais como parentesco, identidade, prestigio no serviço comunitário, estão presentes na maioria dos casos expressando-se em falas tais como “[...] nas

pessoas da Abio60 eu confio” (I.M.X., agricultora, 12/02/2015, Seropédica, RJ). Em uma rede, a confiança que existe entre os indivíduos não é um recurso da sociedade como um todo, mas sim dos indivíduos ou grupo que está no centro desta rede (PUTZEL, 1997).

Os laços de interação social também são evidenciados para todos os agricultores familiares entrevistados em situações cotidianas. Para eles em caso de fatalidade com uma das pessoas ligadas ao banco comunitário de sementes ou mesmo as diferentes associações nas quais os agricultores estão vinculados, tal como uma doença grave, ou a morte de um parente foi apontada como muito alta a probabilidade das pessoas na comunidade se unirem para ajudar as vítimas. Segundo Durston (1999, pag.103) “[...] entende-se por capital social o conjunto de normas, instituições e organizações que promovem a confiança e a cooperação entre as pessoas, nas comunidades e na sociedade como um todo”. Neste contexto capital social comunitário é uma forma particular de capital social, que engloba o conteúdo informal das instituições que tem como finalidade o bem comum. Considerando o capital social comunitário como uma institucionalidade social e não um recurso individual constata-se que todos os participantes do capital social comunitário almejam o bem comum como objetivo (DURSTON, 1999, pag.104).

Durante as entrevistas com os guardiões/gestores dos bancos comunitários vinculados ao Programa BCSAV no estado do Rio de Janeiro observou-se que três dos quatro gestores dos bancos comunitários/casas de sementes entrevistados (especificamente AAT, Aspur e Casa de Sementes Livres de Aldeia Velha) alegaram que quando havia uma decisão a ser tomada que afetava o coletivo, os membros do Banco Comunitário de Sementes entrevistados participavam das reuniões, discutiam o assunto e decidiam em conjunto. Isto nos remete aos benefícios advindos dele tais como cooperação em tarefas além do previsto para determinada comunidade e ou grupo e criação de confiança entre seus membros. Entretanto a mera identificação destes benefícios nas casas de sementes ou bancos comunitários analisados não permite afirmar a existência do capital social comunitário (DURSTON, 2000, pag.23). Para J.S.M.V., guardião do Banco de Sementes Comunitário de Purilândia (Aspur) a presença destes benefícios “[...] tem a ver com a história das pessoas com sua simplicidade [...] são pessoas que por viver em situação de poder aquisitivo menor, sem certos benefícios, elas têm mais o senso de ajudar e estender a mão para ajudar”. (J.S.M.V., consultor técnico, 08/04/2015, Porciúncula).

O aspecto participativo é muito valorado pelos gestores/guardiões dos bancos comunitários estudados, sendo salientado pelo J.S.M.V, guardião de sementes do banco

60 A Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (ABIO) tem por missão contribuir para o fortalecimento da agricultura orgânica de base agroecológica, mediante a prestação de serviços aos agricultores, produtores e extrativistas. Disponível em http://abiorj.org/sobre-abio/ acesso em 01/11/2016.

comunitário da Aspur como sendo importante para a coesão do grupo de agricultores. Apenas nos bancos localizados em Cachoeira de Macacu verificou-se que isto não ocorria, pois na visão do técnico responsável não havia decisões a serem tomada pelos agricultores vinculados ao banco de sementes. Segundo o técnico responsável “[...] não há decisão a ser tomada no Banco Comunitário de Sementes, pois as pessoas guardiãs são responsáveis pelos seus bancos.” (J.R.M.V., engenheiro agrônomo, 18/08/2015, Cachoeiras de Macacu, RJ). Este ponto salienta a importância da convivência comunitária dos agricultores familiares em associações e ou cooperativas, visto que em Cachoeiras de Macacu a guarda de sementes se dá em bancos familiares e não em banco comunitário de sementes strictu sensu. Ficou evidenciado que apesar do técnico/coordenador do programa considerar os bancos como comunitários, o capital social presente no grupo dentro da visão do técnico não está fortalecido.

Conforme North (apud PUTNAN, 2000) se não houver um estimulo maior com ênfase na convivência, a cooperação, a civilidade e a participação, não haverá possibilidade de desenvolvimento de capital social. Segundo o observado por R.A.S., guardião do Banco de Sementes da AAT, “[...] os membros do banco comunitário discutem o assunto e decidem em conjunto. A gente sempre discute com o pessoal da associação. As decisões cruciais a gente decide no coletivo” (R.A.S., engenheiro agrônomo, 14/12/2015, Teresópolis, RJ).

Membros de uma comunidade em que existe o capital social comunitário compartilham um discurso de cooperação para o bem comum, o qual dialoga com os laços de confiança e reciprocidade, visto que uma associação requer confiança e reciprocidade pautadas nas relações interpessoais. (DURSTON, 1999, pag.104).

[...] faz parte do nosso associativismo, da confiança mais profunda que existe dentro da associação. Os companheiros são amigos pessoas queridas que segurem o negócio juntos. [...] na troca de sementes há troca de informações e foi um momento importante na construção da nossa consciência. Eles têm materiais também em casa. O banco comunitário de sementes aumentou o grau de confiança dos associados Mesmo os agricultores tendo dificuldades em por na roça, validam como positiva, ate usando como teste e falando sobre isso deu efeito possível. Vem conversa, teste, troca de experiências. Pode confiar na maioria das pessoas daqui. (R.A.S., guardião da ATT, engenheiro agrônomo, 14/12/2015, Teresópolis,RJ).

Nós estamos sempre na ideia da troca da semente de vários materiais que são da associação vieram destas trocas. Vem conversa, testa e troca de experiências. Podemos confiar na maioria das pessoas. (C.H.N.S., gestor da casa de sementes livres, cientista social, 10 de dezembro de 2015, Aldeia Velha, RJ)

Quando questionados sobre o aspecto da cooperação todos os gestores/coordenadores entrevistados afirmaram que as pessoas ligadas aos bancos comunitários de sementes ajudam umas às outras quase sempre. Por unanimidade foi afirmado que “se houvesse um problema de abastecimento de sementes nessa comunidade, é muito provável que as pessoas cooperarem para tentar resolver o problema”. Esta afirmativa nos remete ao conceito de reciprocidade, o que para Durston (1999, pag. 104) é o centro de todo capital social. Para ele a “importância da reciprocidade vai além da manifestação nas relações dialógicas entre duas pessoas; como princípio se entende as relações formais e informais em nível da comunidade” (DURSTON, 1999, pag. 104-105). Diante do exposto, pode-se inferir que quanto mais elevado for o capital social, expresso em laços de cooperação, reciprocidade e confiança, maior será a cooperação em ações que resultem em oportunidade de crescimento, melhorias, mudanças nos grupos, associações ou cooperativas nas quais os indivíduos estão inseridos. Conforme Durston (1999, pag.104) “[...] membros de comunidades em que existe o capital social comunitário compartilham um discurso de cooperação para o bem comum [...]”, propiciando o desenvolvimento local.

Segundo Mendonça et al. (2008, pag. 5) “[...] construir capital social é construir capacidades sociais e técnicas, aprimorar os processos de gestão social e construir a visão do território com base na cooperação e na confiança mutua.” Assim sendo, quando os níveis de interação social de um grupo são baixos, a tendência natural é que o capital social seja fraco (CASTRO, 2008). Decisões tomadas no coletivo no ambiente dos bancos comunitários/casas de sementes podem criar ou fortalecer o capital social do grupo.