• Nenhum resultado encontrado

A B AHIA DOS V IAJANTES E AS R EPRESENTAÇÕES DA G RUTA SUBTERRÂNEA: AS CRÔNICAS COLONIAIS, OS ALFARRÁBIOS DOS

No documento E book Literatura Viagens Turismo Cultural (páginas 111-114)

Rafaela Mendes Mano Sanches

2. A B AHIA DOS V IAJANTES E AS R EPRESENTAÇÕES DA G RUTA SUBTERRÂNEA: AS CRÔNICAS COLONIAIS, OS ALFARRÁBIOS DOS

J

ESUÍTAS

,

E A

C

ULTURA

O

RAL DO

P

OVO

No cenário da Bahia, as imagens da colonização reinterpretam e reacomodam as descrições paisagísticas dos textos coloniais, sobretudo, do Tratado Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa. Os escritos de Gabriel Soares são importantes tanto por trazerem uma fonte da época em que se passa a história, quanto por compreenderem um material que dialoga com o eixo temático do romance e com seu caráter alegórico: a riqueza do Brasil Colonial que atrai o europeu para viver neste continente. Este é exatamente o percurso de Sousa: herda um roteiro de exploração de seu irmão, e se empenha por tentar descobrir minas na colônia portuguesa.

O discurso das crônicas coloniais48 introduz novos elementos nas leituras sobre o

Novo Mundo, através da colonização e ocupação do território. As primeiras imagens de deslumbramento dos cronistas passam a conviver com as de “malezas” do país. Contudo, apesar de descreverem os problemas do território, que, em diferentes graus, rompem com

a linguagem idealizada, eles se esforçam por trazer um espaço que servisse aos interesses comerciais.

O romance alencariano resgata e ressignifica o olhar deslumbrado dos viajantes sobre a nova terra, seja por meio da descrição grandiloquente da paisagem baiana, seja por meio da configuração de elementos de luxo que fazem parte do cotidiano de uma parcela da população baiana, em geral, designada como senhores de engenho.

No reaproveitamento dos textos cronísticos, a descrição da capital na abertura da obra traz um tom majestoso e grandioso, comprovando o apreço que José de Alencar nutre por esse espaço brasileiro:

A cidade nascente apenas, mas louçã e gentil, elevando aos ares as grimpas

de suas torres, olhando o mar que se alisava a seus pés como uma alcatifa de

veludo, era então, pelo direito da beleza e pela razão da progenitura, a rainha do império selvagem que dormia ainda no seio das virgens florestas.

(Alencar, 1958, p. 417).

Juntamente com as qualidades enobrecedoras, as imagens que revestem e constroem os signos culturais e naturais da cidade da Bahia redimensionam suas representações simbólicas para a tensão tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto da narrativa. Por um lado, o enfoque é dado à modelagem da cidade, potencializada pelos “grimpas de suas torres”, que metaforizam a força política e ideológica da capital, orientada pelo edifício dos Jesuítas e pelo prédio da administração da Sé. Já, por outro lado, a ênfase recai na imagem do mar, uma vez que a cidade baiana dirige-se a ela por meio de seu olhar, antecipando as invasões estrangeiras. Em outra face desse eixo conflituoso, desnuda-se o “império selvagem”, configurando-se no seio das virgens florestas. Dessa forma, a capital baiana constitui-se como um antro de riqueza cultural e natural. Nesse ambiente, o narrador define aquela região, estabelecendo ora oposições e ora mesclas entre cidade e sertão, citadinos e sertanejos, natureza e cultura.

A esfera de uma cidade ainda por se desenvolver e incipiente contrasta com o ambiente impregnado de riqueza e de ornamento, o que gera um eixo dúplice representativo, calcado, por um lado, na falta de desenvolvimento, e por outo, no enriquecimento.

Ao lado dos materiais e documentos que divulgam as terras brasílicas e das readaptações que José de Alencar promove em sua prosa, podemos observar que o

romancista também explora a escrita dos jesuítas, redimensionando a prática epistolar dos inacianos, e ressaltando uma versão das minas redigida por um deles.

Na ação narrada, os alfarrábios trazem notícias dos habitantes da Bahia e dos seus principais acontecimentos, indiciando os rastros da própria História. As cartas escritas pelo Padre Manuel Soares, cronista da época, registram a versão das minas de prata que iria circular entre a escrita erudita, tomada a partir de versões da tradição popular, e a cultura oral. O personagem jesuíta Molina, que reside na Espanha, tem acesso ao alfarrábio do inaciano, e não por acaso, torna-se padre Visitador do Brasil. Com o objetivo de investigar o paradeiro do pergaminho, Molina circula entre as duas esferas, a oral e a escrita, a popular e a erudita, e, por estes vieses, aproxima-se de personagens que poderiam lhe informar sobre a rota.

Além da versão do jesuíta Manuel Soares, o letrado Vaz de Caminha, amigo de Robério Dias, conta as peripécias e os episódios sobre a descoberta do minerador, o que podem ser interpretado como apenas mais uma entre outras do romance, se levarmos em consideração o título do capítulo “Que dá uma versão da história do célebre Robério Dias”. Se ele testemunha a favor de Robério, outros estão contra a inocência do descobridor das minas, de modo que não há como extrair uma única resposta.

O espaço subterrâneo e os mistérios que o cercam possibilitam interpretações distintas e, ao mesmo tempo, aproximadas: a de Caminha (doutor), a do Padre Soares (jesuítas), e a do povo. O povo passa a ser simbolizado pelos mexericos e boatos que gravitam em torno das pedras preciosas, aliás, a figura do povo poderia ser representada pelo personagem de Ramón, que veio da Espanha seguindo os rumores. O plano narrativo cria uma vertente lendária, alimentada pelo popular. Pensamos que o elemento mítico está presente pelo caráter alegórico das minas, pois a gruta representa as imagens do El Dorado difundidas desde as primeiras colonizações. Já as qualidades lendárias são construídas pelo aspecto da oralidade do povo.

O episódio de Robério Dias, envolvendo sua descoberta e as peripécias em torno do seu achado, transformou-se no próprio “conto das minas”, fornecendo uma narrativa da figura do El Dorado brasileiro. A colônia não somente seria lembrada por esbanjar ouro, prata e diamante, mas, principalmente, pelo “conto”, no qual Robério se torna o protagonista. Tanto é a popularidade dessa história que “a narrativa” é retomada no navio Galeão, onde se reuniriam personagens do Brasil e da Europa, sendo que tal espaço pode

seu leva-e-traz, seus rumores nos países aquém-mar. O Galeão entraria como símbolo da difusão de notícias, pois, nesse navio, juntam-se os principais personagens que terão participação ativa nas tramas. O personagem Molina também viaja nesse espaço, e seu itinerário de trocas culturais metaforiza o olhar do viajante.

Nesse sentido, a representação da viagem transpõe a mera cruzada do Atlântico, relacionando-se à significação ideológica da obra, ao fazer referência à imagem de um Brasil promissor, que atrai o outro na promessa de riqueza.

3. O

S

M

ISTÉRIOS

D

AS

M

INAS

D

E

P

RATA

EAB

USCA

D

A

C

IDADE

No documento E book Literatura Viagens Turismo Cultural (páginas 111-114)