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V IAGENS E RESISTÊNCIAS NA PERCEÇÃO DA PAISAGEM

No documento E book Literatura Viagens Turismo Cultural (páginas 189-192)

Glória Alhinho

2. V IAGENS E RESISTÊNCIAS NA PERCEÇÃO DA PAISAGEM

Quaisquer que tenham sido as razões pelas quais se viajou pelo Alentejo - políticas, profissionais, literárias -, as impressões recolhidas parecem ter sido condicionadas por um imaginário que considerava este território de difícil apreensão. Ao longo do século XX, afirmou-se que o Alentejo era uma província pouco conhecida ou que o seu conhecimento se reduzia à uniformidade e monotonia da paisagem. Neste sentido, Carlos Pires de Lima da Fonseca declara, numa palestra, em 1910, na Liga Naval Portuguesa, que o desconhecimento do território alentejano o reduzia à imagem de um sertão (Fonseca, 1918, p. IX). Da mesma forma, Capela e Silva reconhece, ainda no final dos anos 30, que se tinha, no resto do país, uma imagem redutora do Alentejo só parcialmente colmatada pela consideração de se ter tornado o celeiro de Portugal (Silva, 1939, p.261). Fernando Namora ainda falava de estagnação e de distância para evocar a paisagem alentejana para onde se deslocaria como médico nos anos quarenta: «Lá de longe, falar do Alentejo era insinuar uma paisagem estagnada, estranha, no pólo oposto ao mundo.» (Namora, 2000[1949], p. 196). Aquando da sua viagem pelo Alentejo, nos anos sessenta, Mário Ventura considera Oriola uma aldeia ignorada ou a vila de Barrancos

o rio Tejo como fronteira para este posicionamento e utilizou mesmo a expressão de «terra desconhecida» para designar o Alentejo: «como se, depois de atravessado o rio, se entrasse em terra desconhecida.» (Augustins, 2011, p.26).

Este território, supostamente desconhecido, apresentou sempre uma densidade populacional baixa, em relação ao resto do país (Arroteia, 1984) e ainda possuia, em parte, um aspecto selvagem no final do século XIX (Picão, 1903; Silbert, 1966; Balabanian, 1979). Os autores que estudaram o Alentejo de um ponto de vista histórico, económico, social ou antropológico, assinalam as inúmeras dificuldades físicas para o atravessar. Era realmente difícil ou quase impossível percorrer certos caminhos devido à ausência ou ao mau estado das estradas ou porque a irregularidade da precipitação sazonal inviabilizava muitas vias (Silbert, 1966, p. 82).

O médico e botânico alemão, Heinrich Friedrich Link (1767-1851), atravessou o Alentejo nos finais do século XVIII para estudar a flora portuguesa. Link faz a viagem por via terrestre através da França e da Espanha e chega ao Alentejo por Elvas, no dia 11 de fevereiro de 1798. A sua impressão geral é a de conduzir o leitor através de um dos mais áridos e tristes territórios de Portugal. Este deserto, como lhe chama, é atravessado por caminhos em muito mau estado e perigosos: «[os rios] no Inverno aumentam assombrosamente, vimos ainda as marcas das suas devastações e das suas fertilizações e demo-nos ao trabalho de passar alguns, pois raramente se encontram pontes. No meio do Inverno tornam frequentemente o viajar por estas terras, completamente impossível.» (Link, (2005 [1881], p.251).

O jornalista e escritor Mário Ventura encontrará, ainda, nos anos sessenta do século XX, as mesmas dificuldades que Heinrich F. Link. Caminhar no Alentejo revela- se uma experiência por vezes similar à do botânico alemão, sensível a uma flora singular mas igualmente à ausência da presença humana. Incrédulo, Mário ventura interroga-se sobre as numerosas dificuldades em superar a distância até Lisboa: «ninguém aponta a inacreditável anomalia de um habitante que pretenda deslocar-se à capital utilizando os transportes públicos, demorar onze horas na viagem, embora seja apenas de 250 quilómetros a distância a transpor.» (Ventura, 1976 [1969], p. 109-110).

As características físicas e a ausência de insfraestruturas funcionam, neste sentido, como uma resistência à apreensão da paisagem. Quando é contemplada, a paisagem alentejana provoca um certo desconforto devido à uniformidade e à ausência de vivacidade. O geógrafo Mariano Feio afirma que esta não apresenta o verde reposante de

pequenos bosques nem as animadoras travessias que normalmente caracterizam os espaços rurais e os seus aglomerados populacionais (Feio, 1983[1949], p. 6-7). A falta de vida atribuída à baixa densidade populacional, assim como às características de uma flora adaptada às condições climatéricas da região, provocou a eclosão de adjectivos como sombrio, baço, severa, adusta, ou sóbrio, nos textos que a procuraram descrever:

Se a monotonia do verde sombrio dos montados, o baço dos olivedos ou a adusta amarelidão dos restolhos não alegram o olhar nem o repousam – o horizonte, vastíssimo, de uma severa simplicidade de linhas, sóbrio de cor, impressiona pela grandeza e pela augusta e imperturbável solenidade. Não abundam os contrastes, mas há em tudo o que observámos uma energia rude.

(Proença, 2011[1927], p.17)

Em Através dos Campos, José da Silva Picão reconhece, igualmente, a aridez e monotonia das terras transtaganas. A escassez de água, sobretudo durante o verão, dão- lhe um ar agreste e a natureza reveste-se de uma certa festividade apenas entre os meses de maio e abril para a perder, contudo, logo em junho (Picão, 1947 [1903], p.3). Segundo este lavrador alentejano da região de Elvas - cujo trabalho é exemplar na forma como descreveu os usos e costumes agrícolas desta região – o olhar de desolação e abandono que os viajantes associaram ao Alentejo deve-se ao desconhecimento da especificidade agrícola desta região. Referindo-se aos terrenos argilosos designados por barros, o autor afirma:

Estes campos, nus e secos no fim do verão, são singularmente propícios à cultura cerealífera que neles se explora com vantagem e em larga escala. E porque eles dão trigo e cevada em abundância, entende-se com justo critério que não vale a pena arborizá-los ou utilizá-los com outra cultura mais dispendiosa e menos lucrativa./ É isto que o bom senso aconselha, embora não agrade aos estranhos que os atravessam no caminho de ferro em agosto, por ocasião dos touros em Badajoz. (Picão, 1947 [1903], p. 2).

A comparação do Alentejo com África no imaginário nacional revelada por muitos viajantes que o atravessavam nos finais do século XIX, parece-lhe excessiva, no que diz respeito à sua região. Contudo, reconhece que havia no Alentejo grandes extensões de terras de feição selvagem ainda habitadas por lobos e javalis (Picão, 1947

No documento E book Literatura Viagens Turismo Cultural (páginas 189-192)