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Virginia Célia Camilott

No documento E book Literatura Viagens Turismo Cultural (páginas 119-128)

UNIMEP e PPGH – UNESP – Franca; vicamilotti@terra.com.br

Resumo: Em 1908 João do Rio partiu do Brasil para sua primeira viagem à Europa. No roteiro previamente definido e naquele executado o literato contrariou o figurino do escritor-viajante da

Belle Époque brasileira: planejou, antes da peregrinação a Paris, uma estada curta em Portugal;

surpreendeu-se por lá permanecer metade do tempo programado para toda a viagem. Desta estada na Europa resultou uma série de crônicas publicadas ao longo de 1909 em jornais cariocas. Desse conjunto apenas uma parte foi editada em 1911. O objetivo neste artigo é explorar a constituição dessa obra, e, sobretudo, os gestos que a tramaram como uma viagem exclusiva a Portugal, na sua pretensão de alinhavar um roteiro de sensações particulares ao leitor brasileiro; nas palavras de seu autor, como o “único livro de um brasileiro sobre Portugal”.

Palavras-chave: João do Rio; Portugal d´agora; Crônicas de Viagem; Relações Brasil-Portugal.

Resumé: En 1908 João do Rio est parti pour son premier voyage en Europe. Dans l’itinéraire préalablement défini et ce qu’il en a réalisé le lettré a contrarié le modèle de l'écrivain-voyageur de la Belle Époque brésilienne, car il a prévu, avant le pèlerinage à Paris, un court séjour au Portugal, mais pendant le voyage il résout d’y rester la moitié du temps qu’il avait programmé pour le trajet. De ce séjour en Europe a résulté une série de chroniques publiées tout au long de l’année 1909, dans les journaux de Rio. De l’ensemble de ce travail seulement une partie a été éditée en 1911. L’objectif de cet article est donc d'explorer l'oeuvre, en considérant la matière de sa constitution, mais, avant tout, les gestes qui l'ont transformé en un voyage exclusif au Portugal, dans ses prétentions de bâtir un itinéraire de sensations au lecteur brésilien ; selon les termes de son auteur, “comme le seul livre d'un brésilien sur le Portugal”.

Mots-clés: João do Rio; Portugal d´agora; chroniques de voyage; relations Brésil- Portugal.

Em dezembro de 1908, João do Rio (pseudônimo de Paulo Barreto) partiu do Brasil para sua primeira viagem à Europa. No roteiro previamente definido e naquele efetivamente executado, o literato contrariou o figurino do escritor-viajante da Belle Époque brasileira: planejou, antes da incontornável peregrinação à Paris, uma estada curta em Portugal; surpreendeu-se consigo mesmo por lá permanecer durante metade do tempo que programara para toda a viagem. Desta prolongada estada no velho continente

resultaria uma série de crônicas de viagens publicadas ao longo de 1909, nos jornais Gazeta de Notícias e A Notícia, e na revista Illustração Brasileira. Do conjunto dessas crônicas, que detalhavam o percurso do viajante do Brasil até a Europa a bordo do paquete inglês e suas impressões das cidades visitadas – Lisboa, Londres, Paris, Porto e Nice –, apenas uma parte muito específica foi reunida em volume e editada pela Garnier em 1911.

Neste artigo objetivo explorar o volume composto a partir de crônicas de viagem selecionadas - Portugal d’agora – Lisboa – Porto – Notas de viagem – Impressões –, considerando a matéria de sua constituição, mas, sobretudo, os gestos que o tramaram e forjaram como uma viagem exclusiva a Portugal, na sua pretensão de alinhavar um roteiro particular de sensações ao leitor brasileiro de 1911; leitor às voltas com a República brasileira novamente em mãos militares e com um acirrado clima antilusitano; nas palavras de seu autor, como o “único livro de um brasileiro sobre Portugal” (Rio, 1911, p.XV).

Neste sentido, de imediato, pode-se afirmar que é de omissões a matéria mesma de que se constitui o volume Portugal d’agora; antes, omissões parecem ser mesmo o que o determina. Como crônicas de viagem, Portugal d’agora, resulta de uma seleção; melhor, é a própria seleção/escolha de viagem dentro da viagem maior.

A edição de um volume exclusivamente com as crônicas sobre Portugal – negação do todo da experiência viageira –, é uma secção de viagem dentro da viagem maior, definida, ainda, conforme nos quer fazer crer o viajante, durante o próprio curso da peregrinação.

A voz que alardeia o motivo pelo qual parte o viajante em 1908, na primeira crônica que integra o volume, intitulada “O homem que viaja”, assinala com ironia atroz que a razão primeira da viagem correspondia à necessidade de vestir-se de figurino civilizado. Ironia que, de revés, prepara o leitor para o deslocamento produzido sobre a perspectiva do viajante e que a sequência de crônicas atesta:

o homem que não viaja é um desprezado, um desclassificado, [...]. Um homem feito que nunca passou a linha, não conhece as costas da África e nunca desembarcou na Europa! [...] Viajar é uma função natural do homem cosmopolita, civilizado e superior. [...]. Foi assim que, sendo quase exceção, de um salto, mergulhei na classe social do Homem Que Viaja (Rio, 1911, p.5-

Da mesma forma, mas em tons de confidência, a voz sóbria que frequenta a introdução do volume aponta, também, a mudança de propósito ocorrida no curso da viagem, atribuindo, destarte, a causa diretamente a Portugal:

Há menos de quinze meses, tendo de fazer uma curta viagem por alguns países da Europa, cheguei a Portugal e fiquei metade do tempo que contava empregar em toda a minha peregrinação. [...] deixei-o com saudade tanta, que, à volta, mais duas semanas prendi-me ao encanto da terra e da gente

(Rio, 1911, p.VII).

Composto de quatro partes cujos títulos indicam o lugar do qual se fala, promovendo a impressão de que as composições foram efetuadas em trânsito, Portugal d’agora assim se estrutura: “No Mar”, “Em Lisboa”, “No Porto” e “De Volta – No Oceano”. No interior destes conjuntos as crônicas se distribuem em número bastante variado e não correspondem à sequência do roteiro executado. Arranjo muito bem tramado após a consecução da viagem, os conjuntos de crônicas organizam-se a partir de jogos de ironia de umas em relação às outras, em especial, entre aquelas que integram o primeiro conjunto e as que integram os outros três; forma de contradizer aquilo que é esboçado em “No Mar” a partir daquelas redigidas supostamente em terra firme.

Os títulos indicam muito da gramática que preside o arranjo. No primeiro conjunto tem-se – “O homem que viaja”, “A intimidade de bordo” e “Entertainment a bordo”. No segundo comparecem: “Ao entrar em Lisboa”, “Primeiras impressões” “Lisboa à noite”, “Miséria em Lisboa”, “Lisboa Mundana”, “Notas e Sensações”, “Meio Literário”, “Impressões dos Jornais”, “O jornalismo por dentro”, “O Teatro”, “O Teatro II”, “Notas e Sensações”, “A mulher portuguesa”, “Notas e sensações”, “O momento político”, “Ainda o momento político”. O terceiro, dedicado ao Porto, inclui: “No Porto – A progenitora do Rio”, “A obra dos Editores”, “Notas e Sensações”, “Guerra Junqueiro – o gênio português”, “Guerra Junqueiro sonhando o Brasil” e “Relações Luso-Brasileiras”. Por fim, “De Volta, no Oceano” traz apenas “Pomba do Mar”.

Faz-se notar as duplicações no que se refere a determinados temas, como “Impressões de Jornais” e “O Jornalismo por dentro”, “O Teatro” e “O Teatro II”. O caso indicia o formato que tais escritos assumem: ora jornalismo, sob a forma de enquete, investigação ou reportagem, buscando dar a nota objetiva; ora literatura, a expressão das sensações que “guardadas na placa sensível do cérebro” (Rio, 1997, p.53), suscitam

pinturas dos pensamentos, traçados da fisionomia e alma das cidades. O misto deste duplo registro de que se compõem outras crônicas é sinalizado com títulos especiais – “Notas e sensações”.

O jogo irônico que se estabelece entre a primeira crônica “O homem que viaja” e o restante delas, donde se atesta a performance sedutora e conquistadora que as terras portuguesas desempenham sobre o viajante, também se apresenta na segunda crônica “A intimidade a bordo”. Todavia, neste caso, o jogo irônico não se faz em relação ao conjunto das crônicas, mas especialmente em relação à penúltima, para a qual toda a viagem pelas crônicas conduz – “Relações Luso-Brasileiras”.

Ainda que a “A Intimidade a Bordo” também prepare o leitor para vislumbrar a conversão do viajante cosmopolita em apaixonado prisioneiro de uma terra só, ela busca nele antecipar e cultivar uma sensibilidade propícia à criação de uma sociabilidade completamente diferente daquela que se promove a bordo, a qual João do Rio denomina de “intimidade”. Eis a “intimidade” a bordo – formato de sociabilidade que se quer suplantar:

A intimidade é uma recordação acovardada do tempo em que era necessária

a estreita ligação para a defesa da vida, e o sentimento forte [...] relaxou hoje, sob o peso histórico, num escandaloso escancaramento de almas e de gostos quase incompreensível. [...] Essa intimidade, seja qual for a raça,

torna-se verdadeiramente pitoresca num grande transatlântico, espécie de hotel oceânico [...]. [...] Antes de chegarmos à Madeira, essa intimidade

covarde, que não pode ser um resultado de amizade, estabelecera como que

uma cumplicidade geral, uma inexplicável cumplicidade inútil, ligando

todos na Aparência, [...], cavando esse bocejo coletivo da sociedade que se

tem nos fins dos bailes e em que tudo é permitido [...] – essa covardia do

homem no relaxamento da Civilização (Rio, 1911, p.14-19). (grifos meus)

“Relações Luso-Brasileiras”, inversamente, enfatiza uma sociabilidade, sob a forma de uma estreita relação entre povos irmãos para a defesa da vida e, sobretudo, da língua. Rumo e destino final para o qual se dirigiram todas as crônicas de viagem sobre Portugal, e, nas palavras de João do Rio, “essa campanha que eu faço com impressões de crônicas fugazes” (Rio, 1911, p.298), o estreitamento das relações entre Portugal e Brasil é assim discriminado:

Ao deixar Portugal, como resumo de variadíssimas impressões e impressões cheias de crença no futuro do pequeno país de bondade e de beleza, vivia no meu espírito o problema da absoluta necessidade de uma verdadeira aproximação das duas nações que tem a conservar o patrimônio de uma língua esplêndida (Rio, 1911, p.283).

Como alerta e prescrição para o cenário de profundo desconhecimento entre os dois povos, e reconhecendo não existir meios capazes de garantir o cultivo dos sentimentos que deveriam presidir a relação entre ambos, o articulista, ainda, completa:

Os jornais têm formulas, clichês, e não se preocupam nem com as correntes de política portuguesa nem com os fenômenos de interesse internacional no desejo de não melindrar ninguém. De modo que no Brasil, [...] – há a mais absoluta ignorância das coisas de Portugal no momento presente. [...] Digamos sinceramente que apesar de no fundo, o amor do Ancestral ser positivo, há um vago sorriso de superioridade do formidável país novo. [...] Na nossa sociedade que viaja cada vez mais, [...], nota-se bem o desinteresse jovial. Do Rio para o sul são raros os que saltam e ficam em Portugal algum tempo. Como explicar o fenômeno, sendo certo que o Brasil inteiro não pode deixar de ser o mais amigo dos países de Portugal? (Rio, 1911, p.284-285).

Ao recuperar os argumentos de José Barbosa, na obra As relações luso-brasileiras – a imigração e a desnacionalização do Brasil, publicada justamente no ano de 1909, João do Rio sustenta a proposta de aproximação e ainda indica o caminho à sua consecução:

José Barbosa [...] mostra como a República transformou o Brasil, como o eixo da civilização se desloca para a América e como a influência nossa no país paterno reviveria as suas forças e faria lá a transformação do governo. Ele deseja o que todos nós desejamos: os dois países unidos. É impossível que não seja assim [...]. ‘Só a Republica, com a qual em breve há de ressurgir a energia viril da antiga e heroica pátria, saberá e poderá reimanar (sic) as duas nacionalidades em que se fala a forte e rude, a doce e plangente língua

Se o livro organiza-se entre duas crônicas que remetem, de um lado, para o estado moral no “relaxamento da civilização” – a “intimidade” -, e, de outro, à proposta de estreita ligação entre dois povos para a defesa da vida, o percurso que leva de uma a outra, ou a viagem pelas crônicas, que compõe o volume, é feito a partir de duas ordens de registros – jornalismo e literatura.

“Ao entrar em Lisboa”, primeira das crônicas que demarca o propósito contradito de viagem, constitui uma amostra flagrante dessa gramática de que se compõe o conjunto – sensações de pertencimento ou de (re)conhecimento vagarosamente tecidas ou produzidas sobre o leitor, interrompidas por um deslizamento sutil para as notas jornalísticas. Notas, a partir das quais se busca flagrar a temporalidade, o fluxo acontecimental – nomes outros que se pode dar à “crise portuguesa”, “ao quadro político”, à “hora grande”, nas expressões de João do Rio.

Os dois poetas lembrados em cada um dos dois momentos desta crônica, na qual vigora, de um lado, poiesis, e, de outro, reportagem, sinalizam ao leitor em que registro ele será introduzido e do qual foi resgatado.

O Camões de “Esta é a ditosa pátria minha amada...” (Rio, 1911, p.30), ao figurar como preâmbulo para o entrecho que descreve a entrada em Lisboa, anuncia o sentimento por vir no poeta-viajante diante do anfiteatro citadino sobre o Tejo. Ainda que tal sentimento para ser expresso necessite do contraponto entre naturezas díspares (a do Brasil e a de Portugal), são as lembranças de leitura em língua pátria, portuguesa, que trazem a sensação de pertencimento, de familiaridade, embebida no (re)conhecimento de uma terra nunca vista, mas desde sempre habitada:

Todo o meu ser se embebia de uma natureza muito sonhada, mas jamais sentida. Não era o céu violentamente azul, não era a montanha numa congestão de verde sob a apoplexia solar do Rio que eu deixara em pleno verão. Era um suavíssimo céu tão puro e transparente e infinito que lembrava carícias divinas sobre a terra doce; era a paisagem de tão gaias nuanças e tão suaves declives [...] que mais parecia um jardim de encanto [...]: eram principalmente aquelas recordações de séculos antes, de séculos remotos, [...] vindos da lenda, dos semideuses, [...] a marcar périplos ousados, para irradiar um grande mundo novo, ali, naquela terra, naquele vasto e nobre rio de nome formoso (Rio, 1911, p.31).

Surpreendentemente, é o encontro do mesmo, apenas o mesmo desdobrado ou expandido além do Atlântico, que assalta o viajante. É a própria pátria em solo europeu que o seduz e o acolhe:

E, de repente, como nas mágicas, sentia um sentimento até então insentido: o enternecimento diante da paisagem! [...] Que beleza! E entretanto, nada de

extraordinário: a casaria como a da minha terra, preguiçando da lombada dos montes até junto à água do rio. [...] Mas nisso um amplexo terno e longo, nisso um brando abraço intimo [...]. [...] Diante da cidade a acordar, no Tejo largo e profundo, não era o pasmo que me acometia, era o reconhecimento [...], era a ideia de que eu mais não era senão o desdobramento de um ramo

forte da humanidade, era o sonho talvez vago e fantasioso de que daquele

mesmo rio, [...] um ascendente distante se arrojara ao mundo novo [...] (Rio,

1911, p.32-33). (grifos meus)

Se Lisboa abria maternalmente o seu “anfiteatro na acolhença”, promovendo a sensação de estar na pátria, na terra dos pais, ainda que longe um oceano do lugar de nascença, de outra parte, o que era dado a ver e ouvir reforçava a mesma sensação: ao ouvir “Vossência... Uma voz quente, cerrada, cantada, a mesma língua minha com um abismo de diferenças na pronuncia [...]. Qual delas mais bela – a brasileira ou a portuguesa?” (Rio, 1911, p.35-36). (grifos meus)

A sensação de pertença produzida pelo mesmo falar é acrescida do gesto acolhedor dos portugueses: “Para irmos até no cais há duas lanchas, para velar por nós protetoramente uma porção de olhos atentos e fraternos. É como se voltasse a gente ao lar, depois de longa ausência.” (Rio, 1911, p. 36-38). (grifos meus)

Mas o deslize da “ditosa pátria minha” para as notas jornalísticas não tarda. Das oníricas sensações de pertença, o literato é arrancado pelos argumentos do diplomata anfitrião para que se vista de repórter estrangeiro, ainda que fosse com o dever de flagrar a temporalidade em proveito da mesma proposta – o estreitamento de relações entre os povos irmãos:

– Excesso de poesia! Vês o Ancestral com demasiada religião. E para conhecê-lo bem, nesse grave momento de crise, é preciso não imaginar e

antes anotar. [...] Lisboa vai ao S. Carlos, têm intrigas, gente feia, o Rocio, a

como nos versos do vate: “A hora grande, a hora imensa. Só por um fio está

suspensa...” 50 (Rio, 1911, p.40). (grifos meus)

Em meio à flânerie para o (re)conhecimento da cidade, salpicada de surpreendentes similitudes, a “hora grande” se impõe ao jornalista/repórter. E somente aí a diferença no mesmo se dá a ver. Diferença que se anuncia como espécie de espelho invertido, manifesta no desejo de Portugal modelar-se politicamente pelo Brasil. No Chiado, diante de desocupados que conversam, atira-se o repórter à primeira enquete:

- De que conversam?

- Ora, de que se pode conversar agora aqui? De política. [...]. Precisamos quanto antes da Republica.

- Mais sangue?

- Não! Os verdadeiros republicanos pensam em fazer a República como no Brasil. [...]

(Rio, 1911, p.45).

É justamente à noite, em meio a notificações sobre a Lisboa mundana - “a hora que se tem a sensação de estar na Europa” - que a “hora grande” mais se anuncia e João do Rio desliza para as questões do momento, chegando ele próprio a enveredar na campanha pela República. Neste detalhamento da “hora grande”, o cronista pinta com traços fortes a cidade como uma imensa praça pública, como ágora hiper-expandida:

Eu chegava quase um ano depois do acontecimento do Terreiro do Paço. [...] Vinha, pois, encontrar o lisboeta preso à roda dos partidos políticos, mas livre e desembaraçado para falar e discutir. E falar, discutir, viver num permanente excesso de palavras, em que o temperamento [...] exterioriza a hora de crise [...]. Toda noite, os garotos levam a gritar jornais, gazetas e mais gazetas. O público compra-os, os transeuntes desdobram a folha, logo depois de a receberem, atira-se ao artigo de fundo. Artigo de fundo! Nesse primeiro dia, [...], ouvi um garoto a gritar:

- A República! A República!

50

Foi um choque. Pensei que a republica já estava proclamada nessa cidade republicana. Não estava, porém. Era apenas um jornal republicano que se apregoava abertamente (Rio, 1911, p.60).

A sequência da nota não ratifica apenas o envolvimento do repórter na luta da “hora grande”, anuncia, também, o gênero que ele, patriota brasileiro/português, empregará para a campanha pelo estreitamento de relações entre os dois povos – o “artigo de fundo”:

Comprei [...] uma porção [de jornais], e encontrei em todos o venerável artigo de fundo, retórico, arredondado, pletórico, atacando ou resolvendo tudo num flux de palavras gordas. Que digo? Os jornais não tinham um só artigo de fundo – tinham vários: eram artigos de fundo político da primeira página à última. E o público estava exatamente como os jornais. Há uma vibração permanente (Rio, 1911, p.61).

Mais do que em “Relações luso-brasileiras”, o “artigo de fundo” com o qual João do Rio fecha o volume, e que assume características idênticas aos artigos portugueses da “hora grande” – “retórico, arredondado, pletórico, atacando ou resolvendo tudo num flux de palavras gordas” –, após a publicação de Portugal d’agora, o literato-jornalista embate-se pelo estreitamento das relações entre os dois povos e as duas repúblicas, fundando uma revista cultural – Atlântida –, juntamente com os intelectuais para os quais dedica Portugal d’agora – João de Barros e Manoel de Souza Pinto. Depois dela ainda, para a continuidade da campanha, funda um diário, cujo título dizia tudo de seu propósito – A Pátria – uma campanha pela fraternidade latina e aproximação de Brasil e Portugal. Seus escritos neste jornal são do começo ao fim exclusivamente “artigos de fundo”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Rio, J. (1911). Portugal d’agora – Lisboa – Porto – Notas de Viagem – Impressões. Paris: Rio de Janeiro: H. Garnier, livreiro-editor.

O poeta modernista e o Brasil barroco: Bandeira em

No documento E book Literatura Viagens Turismo Cultural (páginas 119-128)