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O S M ISTÉRIOS D AS M INAS D E P RATA E A B USCA D A C IDADE P ERDIDA : R EACENDENDO O I NTERESSE P ELO S ERTÃO

No documento E book Literatura Viagens Turismo Cultural (páginas 114-119)

Rafaela Mendes Mano Sanches

3. O S M ISTÉRIOS D AS M INAS D E P RATA E A B USCA D A C IDADE P ERDIDA : R EACENDENDO O I NTERESSE P ELO S ERTÃO

O mistério que alimenta essa lenda é intensificado pelas imagens do sertão, local ainda desconhecido pela população baiana. O deserto inculto, no qual a natureza se conserva próxima ao estado selvagem, apresenta o seu lado sublime, e no reverso disso, o seu lado misterioso e perigoso. Associando o sertão aos primórdios, ao estado da origem dos tempos, a narrativa representa sua esfera deslumbrante, que ludibria os colonos que a procuram, e, em contraponto, constrói seu drama e suas tragédias, marcados por lutas constantes, seja do homem com a natureza, seja do indígena com colonos. As imagens da gruta subterrânea compõem o capítulo: “A esfinge do drama do deserto”, no qual o narrador conta as primeiras descobertas dos diamantes, e narra os “dramas” dos personagens indígenas.

A ficcionalização do universo do índio é representada pela figura do pajé Abaré e pelas breves pontuações de seu mundo mítico. Vale mencionar que esse ameríndio toma conta da local subterrâneo, reconhecendo os personagens dignos de descobrirem o lugar perdido. A narrativa também recoloca a figura do aborígene no seu habitat, apresentando, aliás, a devastação daquele território e a desestabilização da tribo de Abaré.

Após a disseminação de seu povo, Abaré busca um novo abrigo, e encontra um ambiente exuberante. É nesse contexto que as imagens descritas sobre o local do tesouro se abrem para o leitor pela primeira vez:

Depois de estreita e sinuosa galeria abria-se de repente aos olhos

deslumbrados [do pajé] uma magnificência da natureza. O aspecto era de esplêndida cidade subterrânea, toda vazada em prata. Templos soberbos,

palácios suntuosos, torres elegantes, ali se sucediam uns aos outros. Quanto tem de mais sublime e gracioso a arquitetura gótica, oriental ou grega, as ogivas rendadas, os arabescos delicados, as colunas elegantes, fora ali

excedido pela mão da natureza. O divino artista criara todas essas

maravilhas com a simples gota d´água que transudava d´entre o interstício

do rochedo. (Alencar, 1958, p. 1126)

Descortina-se a tessitura do El Dorado, que prima por coordenar descrições que o elevem, movimentando características grandiosas, como “magnificência da natureza”, “maravilhas” e “esplêndida”. Em diálogo com estas representações, a narrativa mobiliza os traços de superioridade da gruta com relação as mais belas estruturas do mundo, como a arquitetura gótica, a oriental ou a grega, as ogivas rendadas, os arabescos, as colunas elegantes, revelando-se como a maior obra divina. Diante dessa magnitude, os olhos do pajé deslumbram-se, fato que expressa a grandiosidade do sertão. A arquitetura daquele cenário enobrece o tom do romance, trazendo os elementos de grande admiração para qualquer olhar, e, por conseguinte, contribui para engrandecer a matéria narrada.

Em cima desse rochedo, o pajé avista de longe os brancos que se aproximam, e nutre grande desejo de vingança. Entretanto, ao avistar Moribeca, pressente alguma coisa diferente. Ao tomar conhecimento do filão hereditário que o liga àquele guerreiro branco, o pajé surpreende-se. Sendo neto de Paraguaçu, irmã de Abaré, Moribeca ganha a confiança de seu parente, e consegue informações sobre o tesouro que busca. O pajé mostra-lhe sua gruta, ao passo que o guerreiro promete vingar a raça de sua avó.

No primeiro contato com Moribeca, o discurso literário constrói o enlaçamento entre a história de Abaré, a de Moribeca e sua família, e as minas de prata. Lapidando o efeito “sublime” da gruta, o discurso reitera as imagens trazidas pelas impressões de Abaré que agora se formam pelo olhar deslumbrado do neto de Paraguaçu:

Abaré conduziu o neto de Paraguaçu à gruta. O efeito desse espetáculo

deslumbrante sobre o aventureiro foi mágico, ficou por muito tempo sem palavra nem reflexão, paralisado pela poderosa impressão. O sonho

brilhante das minas de prata, que tanto tempo sorria a sua ardente

imaginação, ali estava realizado com um esplendor fantástico. (Alencar, 1958, p. 1129).

Nesse trecho, vislumbramos a composição desse campo maravilhoso, propiciado pela imaginação da cultura popular e pelos elementos extraídos daquele quadro plástico e poético. As impressões de Moribeca trazem a ardente imaginação alimentada pela oralidade popular, e a realização de seu sonho que se concretiza na visão daquele espetáculo fantástico. A perda dos seus sentidos intensifica e corrobora essas sensações. Por consequência, o filho de Moribeca, Robério, ao encontrar aquelas minas, reproduz as mesmas impressões. E, por último, o personagem Estácio abarca toda a linhagem maravilhosa e poética já criada, sendo reconhecido por Abaré, ao percorrer o sertão. O indígena, já consciente da procura de seu descendente, mostra-lhe as minas. Contudo, para a surpresa de Estácio, aquelas belas imagens não passam de formações de estalactites:

A princípio teve o mancebo o mesmo deslumbramento que seu pai e seu avô. Em face daquelas bizarras e esplêndidas cristalizações, ele não pode conter um grito de admiração. Logo porém caiu em si e conheceu o erro do descobridor.

As decantadas minas de prata não eram mais que ilusão.

[...] Penetrando na gruta, reconhecera o engano de seu pai, induzido em erro pela ignorância e fábulas do tempo.

[...] Entretanto mal sabia que essa área pisada por ele, e que rangia sob seus

passos, estava recamada de diamantes. (Alencar, 1958, p. 1207 e 1208)

Como podemos constatar, a beleza do lugar ludibria seus visitantes, que, encantados por aquela visão maravilhosa e alimentados pelo imaginário, não percebem a aparência de prata das estalactites. As mesmas impressões que marcam os antecessores de Estácio, também o surpreendem. Porém, averiguando que não se trata de prata, reconhece o engano de seu pai e avô, nutridos pela fantasia popular. O protagonista aproveita esse engano para comprovar que seu pai não era ganancioso e, por sua vez, resgata a honra de sua família.

A paisagem do sertão traz um contraste com o ambiente citadino, incorporando o lado misterioso, poético e sublime da narrativa, e, ao mesmo tempo, o viés trágico, realizando o tom cinza da obra histórico-ficcional.

As explorações das minas rearticulam gradualmente o mito do El Dorado, e a história de Robério é particularizada, de forma que o viés alegórico se entrecruza com o viés particularizado dessa trama

Se essa fábula serviu como ponto atrativo para conseguir colonos, os povos que se arriscam por buscar tais pedras não encontram os verdadeiros diamantes da gruta, escondidos no solo. Os colonos, por sua vez, são ludibriados pela visão de estalactites. Tal fato não seria narrado por acaso.

Em seus textos críticos e em suas cartas ao Imperador, José de Alencar ressalta que as riquezas do Brasil deveriam ser aproveitadas pelos brasileiros, ou seja, elas deveriam servir ao sentimento nacional e à pátria. É também interessante observar que em meados da década de 1850, os periódicos fluminenses discutem questões relativas à colonização, pois precisam atrair mão de obra para o Brasil, sobretudo, após a proibição do tráfico.

Assim, esse elemento promissor das terras brasílicas também serviria mais uma vez como ponto atrativo ao outro, sendo, por isso, discutido por documentos publicados no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e pela História Geral do Brasil, de Francisco Adolfo Varnhagen.

O roteiro das minas estabelece o diálogo de Alencar com o IHGB. No terceiro número da Revista do Instituto de 1839, o redator, o Cônego Januário da Cunha Barbosa publica uma “Advertência” acerca de um manuscrito encontrado na Biblioteca Pública da Corte intitulado

Relação histórica de uma occulta, e grande povoação antiqüíssima sem moradores, que se

descobriu no ano de 1753. “O cônego relacionou tal documento com a história de Robério

Dias, tal como relatada na História da América Portugueza, de Sebastião da Rocha Pitta,

discorrendo brevemente acerca das consequências das minas que Dias afirmava haver

encontrado.” (Freitas, 2009, p. 14). Assim, o episódio das pedras preciosas reacende o

interesse em torno das grandes descobertas do sertão, e divulga o país aquém mar, reinventando seu caráter particular.

4. C

ONCLUSÃO

As tarefas atribuídas ao romance histórico, bem como seu estilo, descrições e, sobretudo, sua acepção de historicidade tematizam as discussões e reflexões dos letrados

sobre o processo de nacionalização da literatura, caracterizado, principalmente, pelas tradições populares. Na exploração da gênese, a obra histórico-ficcional de José de Alencar define as riquezas naturais como o principal elemento do caráter popular da nação, ao fazer referências que remontam às primeiras colonizações do Brasil, à especificidade do território americano e à história brasileira. A prosa de Alencar firma o seu compromisso com a nação, trazendo um vasto painel de seu país e registrando a paisagem baiana nos inícios dos seiscentos, na configuração e representação de uma nação civilizada e promissora - um espaço ideal para colonos, brasileiros e estrangeiros. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Alencar, J. (1862). Notas. As minas de Prata: continuação do Guarani. Rio de Janeiro: Bibliotheca Brasileira.

Alencar, J. (1958). As minas de Prata. In: Alencar, J. Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar. Cardim, F. (1997). Tratados da Terra e Gente do Brasil. Lisboa: Comissão Nacional para as

Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.

Freitas, R. S. (2009). José de Alencar e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: apontamentos sobre a concepção do romance As Minas de Prata (1862-1865) e a cultura histórica brasileira nos oitocentos, Aedos, 2 (5).

Sousa, G. S. (1971). Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.

Varnhagen, F. A. (1981). História geral do Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, p. 19. Tomo I e II.

No documento E book Literatura Viagens Turismo Cultural (páginas 114-119)