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P AISAGEM CULTURAL DE O URO P RETO E A INTERPRETAÇÃO PATRIMONIAL NA MODERNIDADE: ASPECTOS INTERDISCIPLINARES

No documento E book Literatura Viagens Turismo Cultural (páginas 77-82)

Thiago Eduardo Freitas Bicalho

3. P AISAGEM CULTURAL DE O URO P RETO E A INTERPRETAÇÃO PATRIMONIAL NA MODERNIDADE: ASPECTOS INTERDISCIPLINARES

A presente seção apresentará discussões sobre a temática da paisagem, centrada na paisagem cultural de Ouro Preto. Abordará a singularidade do município no seu patrimônio material e imaterial culminando com a ideia de interpretação bem como seus conceitos, características e meios possíveis na atualidade.

A paisagem é inerente a história do homem, porém, a sociedade somente inicia suas percepções sobre os elementos, naturais e construídos que compõe e dão formas a Terra, a partir de pensadores como Aristóteles.

Passado as reflexões iniciais sobre as formas da Terra, a ideia de paisagem começa a sofrer um processo de definição através da busca de vários conceitos. Prevalecia no princípio os ideais dos artistas renascentistas com tendências ao romantismo que consideram a paisagem sendo mais um modo de ver do que de agir, ou, em outras palavras, consolidando-se como uma realidade espaço-visual (Yázigi apud Rocha, 2007). A Geografia Humanista busca conceituar a paisagem de forma generalizada, tendo dificuldades por não haver um reconhecimento do fator cultural como modificador dos cenários, como afirma Rocha (2007).

Holzer apud Rocha (2007) analisa a maneira com que Alexander Von Humbold insere o termo paisagem como um conceito geográfico em seus estudos, principalmente por torna-lo uma definição central durante sua pesquisa. Com isso, a paisagem sofreu várias transformações das quais seguem até a atualidade, tendo divergências no seu uso, mesmo na ciência geográfica.

Em 1925, Carl Sauer marca o processo de construção do pensamento geográfico ao estabelecer o papel do homem como transformador da face da Terra constituindo os pilares para a discussão em torno das culturas na Geografia quando afirma que

toda paisagem tem uma identidade que é baseada na construção reconhecível, limites e relações genéricas com outras paisagens, que constituem um sistema

dependentes. A paisagem é considerada, portanto em certo sentido, como tendo uma qualidade orgânica. (Sauer apud Rocha, 2007, p. 24)

Com isso, na visão de Sauer, a paisagem torna-se reconhecida não apenas como uma cena a ser contemplada pelo observador, mas que toda paisagem relaciona-se com várias cenas individuais determinadas culturalmente.

Diante da associação entre paisagem e cultura, a geografia passa a analisar a cultura na perspectiva geográfica adotando um conceito básico que mostrava-se relativamente não problemático. Entretanto, apropriando dos estudos de Cosgrove (1989) é possível analisar a paisagem cultural de Ouro Preto por meio das três maneiras principais que a geografia cultural moderna move-se teoricamente em relação aos estudos dessa temática, são elas: cultura e consciência, cultura e poder e cultura e natureza.

A cultura e consciência considera a prática cultural como aspecto que compõe as expressões culturais representadas pelas igrejas e construções. Assim a cultura é, ao mesmo tempo, determinada por e determinante da consciência e das práticas humanas. (Cosgrove, 1989)

Tais práticas humanas em Ouro Preto são presentes e, ao mesmo tempo, passado. Brandão (1989) afirma em seus estudos que o turista vai a

Ouro Preto para voltar ao passado, e tudo o que se espera é o encontro com um tipo de cultura que se o faça ressurgir vivo no meio das ruas. [...] tudo “ali” parece ser, mais do que em qualquer outro lugar do País, uma inigualável vida coletiva de “vultos” e “pessoas comuns” – senhores e

escravos, inconfidentes e governadores do Reino, sacerdotes e poetas –

embriagados de história e de religião, que mesmo o que é novo esteja revestido de um sinal unificador: o da tradição. (Brandão, 1989, p. 45)

Na modernidade, a experiência cotidiana da população de Ouro Preto é produto da vivência coletiva. Seja essa experiência profana, pelo espírito de cidade universitária com agitação noturna em meio as casas e repúblicas assim como o festival de inverno de Ouro Preto que acontece em julho, ou seja pela religiosidade, marcada pela semana santa e pela preservação da estrutura das ordens terceiras, reflexo do período colonial.

A relação entre cultura e poder está presente nas sociedades modernas que utilizam da divisão social dos indivíduos² para originar grupos dominantes que se mantém

no poder através da imposição de sua própria experiência de mundo, suas suposições tomadas como verdadeiras, objetivas e válidas para todos criando, assim, uma hegemonia cultural na paisagem. (Cosgrove, 1989)

O poder na sociedade ouro-pretana durante o século XVIII era bem definido. Na paisagem é possível identificar ambientes de concentração de poder. Um ambiente marcado pelo poder político da época é a atual Praça Tiradentes, que é composto por dois edifícios marcantes no que tange a arquitetura: de um lado, a Casa de Câmara e Cadeia, hoje Museu da Inconfidência, do outro, o Palácio dos Governadores, que abriga atualmente a Escola de Minas. Independente de qual seja o ambiente, o poder religioso e sua importância é acentuado no município. O jornal Correio Official de Minas apud Gomes (2009) relata a necessidade das ordens terceiras para a religião mineira setecentistas afirmando que

O viajante que pela primeira vez pizar o solo montanhoso de nossa capital, e de qualquer ponto em que só collocar, deparar de um golpe de vista com três, quatro e mais templos, não poderá deixar de admirar o grande número de taes sanctuários em relação a nossa população, e de encher-se de respeito por tantos monumentos de piedade e religião que nos legarão nossos antepassados, quando a mãos largas votavão ao explendor do culto grande e talvez a mor parte do producto dessas riquíssimas minas que se lhes antolhavão inexgotáveis (Gomes, 2009, p. 2)

Por fim, toda e qualquer intervenção humana na natureza envolve sua transformação em cultura, relacionando a temática com a paisagem, surgem lugares com intenso significado cultural pelos quais os “não-iniciados” passam.

Nada como o Pico do Itacolomi para representar a clara analogia entre a cultura e a natureza, o que de fato não se dissocia. O pico foi referência para os bandeirantes e aventureiros que procuravam os vales do ouro negro, local relatado em leito de morte pelo bandeirante Antônio Rodrigues Arzão, o primeiro a chegar na região em 1692 (Neto, 2010).

Para estas relações serem feitas por intérpretes, são profundamente estudadas, e vividas, já que

Revelar os significados na paisagem cultural exige a habilidade imaginativa de entrar no mundo dos outros de maneira autoconsciente e, então,

representar essa paisagem num nível no qual seus significados possam ser expostos e refletidos (Cosgrove, 1989, p. 103).

O patrimônio é um instrumento de composição da paisagem na modernidade. O patrimônio tem sua proteção e tombamento mediante duas naturezas: material e imaterial. Essas naturezas são categorizadas nessa dicotomia apresentando o patrimônio material como construções físicas do homem na sua relação com o ambiente e o patrimônio imaterial como construções mentais e valores culturais configurados em signos e significados diversos. Concordo com Meneses (2004) ao afirmar que essa dicotomia é falsa pois a

inteligibilidade de uma manifestação cultural somente tem sentido percebidas em conjunto. O universo material media sentidos, valores, significados. Separá-los em sua compreensão, buscando uma compartimentação irreal da vida, seria destruir a possibilidade de apreensão da construção de uma cultura (Meneses, 2004, p. 24).

Visto brilhante exemplo da Semana Santa em Ouro Preto. Parte da população, que na condição de fieis membros das irmandades, ordens terceiras e confrarias religiosas, forram as ruas com diversos desenhos de serragem para servir de tapete às procissões. A decoração das ruas pode ser feita em qualquer cidade do mundo, mas não terão a mesma representatividade estando em conjunto com as construções edificadas em estilo colonial e as diversas igrejas que formam a paisagem de Ouro Preto.

Paes (2009) afirma ainda que uma das formas recorrentes de interpretar o patrimônio nos remete à história sociocultural, considerando as dimensões a serem preservadas: cultural, técnica e política.

A interpretação manifesta-se em várias áreas do conhecimento por ter uma ampla definição. No campo da interpretação patrimonial a publicação do livro Interpreting Our Heritage, em 1957, do autor norte-americano Freeman Tilden apresenta pela primeira vez uma proposta conceitual. O conceito apresentado pelo autor tem uma grande difusão nos estudos por ser uma definição clássica onde considera a disciplina como uma atividade educacional que objetiva revelar significados e relações através da utilização de objetos originais, de experiência de primeira-mão, bem como de mídia ilustrativa, ao invés de

simplesmente comunicar informações factuais (Tilden apud Murta & Goodey, 1995, p. 19).

O interprete deve adotar recursos interdisciplinares durante a interpretação. Um recurso pouco utilizado e com grande importância é o literário. Assim como outros autores, Oswald de Andrade escreve sobre a ilustre cidade de Ouro Preto em conjunto com outros poemas que compõe a obra “Roteiros de Minas”. Com o poema de Oswald de Andrade é possível demonstrar as grandes possibilidades interpretativas utilizando recurso literários.

A primeira versão da obra completa, denominada Pau-Brasil, foi publicada foi em 1925, pela editora francesa Au Sans Pareil, unindo expressões poéticas de Oswald e pinturas de Tarsila do Amaral que marcaram a época conhecida como Modernismo.

Andrade (2003) relatou seu poema da seguinte forma:

OURO PRETO

Vamos visitar São Francisco de Assis Igreja feita pela gente de Minas

O sacristão que é vizinho de Maria Cana-Verde Abre e mostra o abandono

Os púlpitos do Aleijadinho O teto do Ataíde

Mas a dramatização finalizou Ladeiras do passado

Esquartejamentos e conjurações Sob o Itacolomi

Nos poços mecânicos policiados Da Passagem

E em alguns maus alexandrinos Só o Morro da Queimada Fala do Conde de Assumar

(Oswald de Andrade – Pau-Brasil)

apresentam significado histórico da antiga capital de Minas e a potencialidade artística contrastando com uma narrativa direta e simples de um fato do cotidiano.

As pessoas do cotidiano (o sacristão e a Maria Cana-Verde) são representados no texto pelo autor para trazer uma crítica sobre a política de abandono do passado. As críticas são fundamentadas no desconhecimento do valor histórico do passado que resistiu até a modernidade nas obras do Aleijadinho e do Manuel da Costa Ataíde (Luna, 2011).

Nos três versos seguintes da primeira estrofe, a característica das ladeiras construídas no período colonial é contrastada com os momentos de dramatização que ali ocorreram no fim do século XVIII ao falar das conjurações, provindas da Inconfidência Mineira, e do Esquartejamento, ao abordar o fim do movimento e a morte de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

O relevo é considerado sob o Pico do Itacolomi e sua importância na referência para as extrações de minério no período colonial. No verso final, a herança árcade é tratada com a expressão “E em alguns maus alexandrinos”. O trágico episódio da Sedição de Vila Rica chefiado por Felipe dos Santos e sufocada com a repressão violenta do Conde de Assumar, em 1720, marca o momento final do poema. O poema constrói uma relação de semelhança entre o passado histórico, artístico e literário de Vila Rica, composto com acontecimentos dramáticos do passado colonial da cidade em diversas perspectivas (Luna, 2011).

4. D

ESAFIOS NO USO DA PAISAGEM CULTURAL DURANTE A

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