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Algumas questões sobre o trabalho empírico: E quando cai uma manga no

Parte II – O Ensino Superior Português

4.5. Algumas questões sobre o trabalho empírico: E quando cai uma manga no

O processo investigativo, pela sua própria natureza, não é um processo inteiramente linear e com previsibilidade garantida. Ainda que o/a investigador/a se prepare para um cenário de múltiplas possibilidades e preveja alguns acontecimentos que podem redirecionar o seu trabalho, estando aberto/a a eles, ao longo do processo surgem, evidentemente, novas questões

colocadas por imprevistos que não foram pensados. Essas novas questões implicam novas decisões. Algumas delas, de cariz teórico, não têm um impacto muito grande no processo da investigação em curso, mas outras podem redirecionar a discussão do estudo. Outras escolhas, num campo mais prático, exigem um rápido processo de reflexão do/a investigador/a visto que alguns desafios exigem respostas imediatas.

Afirmamos que a reflexão sobre o processo da entrevista traz benefícios para a investigação. Prior (2014) e Jacobsson e Åkerström (2012) refletem sobre como entrevistas “falhadas” podem trazer, também, aspetos importantes sobre o próprio objeto de estudo, sobre o participante, como permitir identificar possíveis temáticas para aprofundar conhecimento, além de melhorar a prática para investigações futuras.

Se nenhum manual de investigação explicita que haverá falhas e que, apesar de fundamentalmente planeado, o processo investigativo pode mostrar outros caminhos, é na socialização com outros investigadores e no próprio caminhar que se é constituído verdadeiramente investigador. Por estas razões, consideramos pertinente expor alguns dos conflitos que exigiram reflexão por parte da investigadora, por criarem, algumas vezes, momentos em que foi necessário articular o cenário ideal com o cenário possível para a investigação, pensando nas possibilidades de desenvolver a investigação da melhor maneira possível.

Algumas questões foram postas e respondidas ao longo do processo: E quando cai uma manga no participante no meio da entrevista? E se o participante quiser substituir uma entrevista de 1 hora por 6 entrevistas de 10 minutos? O que fazer quando o professor, antes de ser entrevistado, quer saber o referencial teórico, os objetivos e resultados iniciais do trabalho? Como é fazer entrevista com professores que são especialistas e dão aula sobre como fazer entrevistas?

Estas perguntas, que refletem alguns dos desafios da prática de uma investigação, nos possibilitam discutir algumas questões, como a relação entre participante e investigadora ao entrevistar académicos, que aproximamos da discussão sobre entrevistar elites. Ao mesmo tempo, permitem refletir sobre a influência do local onde se faz a entrevista e, também, sobre o número de encontros.

A pergunta “E quando cai uma manga no participante?” remete a um episódio da recolha empírica no Brasil. Uma das entrevistas foi conduzida num jardim público, por sugestão do participante. No meio da entrevista, caiu uma manga no professor. Uma manga que desestabilizou aquelas horas de entrevista. Uma manga caída de uma mangueira da qual investigadora e entrevistado aproveitavam a sombra, sem pensarem que algum acidente poderia acontecer. Mas aconteceu. Com força e velocidade, a manga caiu no entrevistador que reagiu

àquela queda com bom humor. Depois de alguns momentos de riso e de alívio pelos centímetros que evitaram um acidente mais doloroso, a entrevista foi retomada com tranquilidade. Contudo, destacamos que a manga, ao longo do processo de investigação, afirmou-se como uma metáfora para os desafios que surgem no trabalho empírico e que não estão nos manuais e nas formações sobre entrevistas. É sobre alguns dos desafios que surgiram no nosso trabalho empírico que discorremos a seguir.

Uma questão que emergiu do trabalho empírico deste estudo se refere ao lugar onde as entrevistas foram conduzidas. Alguns estudos, como o de Herzog (2005) discutem que o local da entrevista pode afetar como a informação é estruturada e compartilhada pelo participante. Algumas investigações defendem que as entrevistas devem ser feitas em um ambiente onde o participante se sinta confortável, como na casa dos próprios participantes, por exemplo (Caetano, 2014). Afirmamos que o local pode contribuir – ou não – para a construção de uma relação mais horizontal e para a quebra da assimetria de poder entre entrevistado e entrevistador, já que numa investigação narrativa a entrevista não é só um momento de recolha de informação, mas de partilha de experiências para a qual os participantes precisam se sentir confortáveis e abertos.

No nosso estudo, a maior parte das entrevistas foi conduzida na universidade, ou no gabinete do participante ou em alguma sala de trabalho. Esses lugares, confirmam a autoridade do professor e a sua maior hierarquia académica em relação à investigadora. Micekz (2012) discute a influência do local, que pode refletir o poder do entrevistado. Concordamos com o autor, ao comparar as entrevistas conduzidas na casa de uma professora e outra que aconteceu em um jardim público às demais. Nessas duas, era possível observar um distanciamento da posição de professor e de investigador para uma narrativa mais focada em experiências pessoais e profissionais. Há a impressão de que o afastar da universidade diminuiu uma postura mais preocupada com um posicionamento académico. Esse aspeto não foi aprofundado em nosso estudo, mas é destacado como um aspeto fundamental da entrevista como interação e dinâmica social entre duas pessoas, que pode ser discutida em estudos posteriores ou considerada para a escolha de locais de entrevistas futuras.

No caso da recolha empírica em cada universidade, em relação ao anonimato, uma das questões mais difíceis era garantir que outros professores não soubessem que um colega específico, também, tinha participado na investigação. Muitas vezes, por uma relação próxima entre os professores, eles próprios contavam que estavam participando do estudo ou que tinham concedido uma entrevista à investigadora. Ainda que não contassem, como grande parte das entrevistas foi desenvolvida na universidade, muitos podiam observar a aproximação da

investigadora com o professor. Alguns, por dividirem o gabinete ou a sala de trabalho, também, acabavam por conhecer outros professores participantes do estudo.

We were aware that our presence in the school made confidentiality and anonymity particularly difficult ones to negotiate. What was our response when visitors came to the school, saw us, and asked us what we were doing there? If we, or our participants, said we were there as researchers, anonymity would become clouded. If research participants let others know of our research relationship, then it also would make anonymity more problematic. (Clandinin e Connelly, 2000, p. 173).

Há uma consciência por parte da investigadora de que, apesar dos pseudónimos, se os professores participantes no estudo despenderem tempo para examinar as falas ou a caracterização dos sujeitos, podem reconhecer alguns participantes, seus colegas, por alguns eventos específicos e características únicas. Para citação na apresentação e discussão de resultados, foram eliminados dados específicos que pudessem facilmente identificar a pessoa, como o nome de instituições e cidades. Para respeitar o que Clandinin e Connelly (2000) chamam de “responsabilidade relacional”, que é uma responsabilidade da pessoa que conta sobre as outras pessoas que também estão envolvidas na história, foram ou omitidas essas partes ou, quando usadas, os nomes de terceiros, também, foram trocados por nomes fictícios para respeitar ao máximo o anonimato e a confidencialidade da investigação.

Considerações finais…

Refletir sobre as questões metodológicas que o campo empírico provoca, na verdade, permite pensar sobre o próprio objeto de estudo da tese. Por exemplo, ao analisar algumas situações e desafios do trabalho empírico, podemos compreendê-las como reveladoras da identidade académica. Durante as entrevistas, os professores estavam preocupados com o próprio processo de investigação, sendo um desafio para a investigadora equilibrar o seu papel de entrevistado e não de investigador nesse caso. Dessa forma, também é possível destacar a postura investigativa do professor. Com isso, ainda identificamos uma identidade académica articulada entre vários aspetos da vida desse professor universitário. Ao narrar a própria vida, assumem uma postura reflexiva e de leitura crítica dos eventos da vida.

Também discutimos que as opções do estudo não são isoladas, mas feitas em articulação, considerando a sua dimensão ideológica, epistemológica e metodológica. As decisões devem ser tomadas de forma coerente dentre diversas opções e possibilidades de procedimentos. Destacamos que, na investigação narrativa, a construção do conhecimento é considerada como participativa, colaborativa e democrática. O sujeito é considerado como participante e protagonista da construção da narrativa (Rivas Flores & Leite, 2010).

A metáfora da manga traz para o capítulo a ideia de que a investigação é dinâmica e que há efeitos imprevisíveis que surgem ao longo do processo. Assim, revela a ideia de que se aprende sobre a investigação investigando (Clandinin e Connelly, 2000). Também traz a ideia de que é importante refletir sobre esses episódios, de forma a garantir uma decisão e uma ação, mais do que o silêncio ao haver dilemas da investigação (Freires e Pereira, 2015). A teorização sobre as narrativas requer maturação e tempo de reflexão (Bertaux, 1993). Reconhecemos como fundamental a necessidade de uma reflexão pessoal e epistemológica constante, como base da investigação narrativa (Rivas Flores, 2009). É necessário que o investigador tenha uma postura reflexiva. E, também, é importante que os participantes sejam estimulados a ter uma postura reflexiva. A investigação narrativa possibilita ao participante pensar, repensar e refletir sobre as suas experiências.

O capítulo que se encerra procurou mostrar os caminhos escolhidos nessa investigação, justificando as descobertas tomadas. Antecede, assim, os resultados deste estudo, apresentados e discutidos nos próximos capítulos.

CAPÍTULO 5

Introdução

O presente capítulo se destina a apresentar os relatos dos 23 professores participantes do estudo. A partir de cada entrevista elaboramos um relato para sintetizar o percurso dos professores. Antecedendo o capítulo de apresentação e discussão da análise de conteúdo das entrevistas, cada narrativa pretende trazer para a tese a unicidade das 23 histórias compartilhadas nesse estudo. É interesse dar a conhecer os diferentes começos e percursos que levaram os professores à docência universitária.

Sendo muito mais breves que a narrativa dos professores e as entrevistas, o relato de cada professor apresenta uma seleção dos assuntos abordados pelos participantes, escritos de forma a enfatizar o que o participante destacou na entrevista e o que consideramos pertinente para a discussão sobre a construção da identidade académica. Cada relato se apresenta único em sua forma e nos assuntos selecionados, valorizando a unicidade de cada entrevista.

As partes em itálico representam falas dos próprios professores, que foram intercaladas com o texto da investigadora. No início de cada entrevista, é destacada uma fala do professor que pode ser representativa da sua narrativa. São apresentados, na primeira parte do capítulo, os relatos dos 13 professores brasileiros. A segunda parte é dedicada aos percursos dos 10 participantes da instituição portuguesa.