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Parte I – O Ensino Superior Brasileiro

3.2. Configuração do Ensino Superior Brasileiro atual

Uma análise da Lei 13.005/2014 permite compreender as expetativas do governo quanto ao ensino superior e ao trabalho docente universitário. O Plano Nacional de Educação para os anos de 2014 a 2024 preocupa-se em aumentar a taxa de matrícula da população de 18 a 24 anos e em assegurar a expansão e a qualidade da oferta, prevendo a otimização da estrutura física e de recursos humanos e a ampliação da oferta de vagas, por meio da expansão e da interiorização da rede. Também é objetivo aumentar a taxa de conclusão dos cursos, garantir cursos noturnos e aumentar a relação de estudantes por professor(a)20. A maior preocupação é

com a formação dos professores para aumentar a qualidade da educação básica. Procura-se a ampliação de formas de apoiar o sucesso académico por meio de assistência aos estudantes, da participação de grupos historicamente desfavorecidos, por meio de políticas afirmativas21.

A formação avançada se destaca, procurando-se mais vagas, maior financiamento através de agências de fomento, a articulação entre essas agências, o financiamento a estudantes, o aumento da oferta e a participação das mulheres e de grupos historicamente desfavorecidos. Destaca-se que o estímulo em investigação se dá com foco no produto, como, por exemplo, o objetivo de incrementar a inovação e o registro de patentes e a importância de cooperação científica com empresas.

Identifica-se o objetivo de aumentar a qualidade da educação superior por meio da qualificação dos professores, aumentando a proporção de mestres e doutorados no corpo docente do sistema de educação para 75%, com no mínimo 35% de doutorados. Pela análise do documento, podemos observar que o projeto defende uma maior avaliação do trabalho dos professores e dos estudantes, pretendendo avaliar a aprendizagem na formação e a indução a um processo de autoavaliação das instituições. A pesquisa institucionalizada, articulada a programas de formação avançada, surge como estratégia para elevar a qualidade das universidades, assim como a formação de consórcios entre instituições. Objetiva-se aumentar a taxa de conclusão dos cursos e o desempenho dos estudantes e promover a formação inicial e continuada dos profissionais técnico-administrativos.

O documento assume que houve uma significativa ampliação do ensino público em termos de acesso e de qualidade, por meio de alterações legais que marcam novos meios de

20 É interessante observar que nesta lei (Lei n. 13.005/2014) já se observa o uso da desinência de género “a” junto

com palavras masculinas, como em professor(a), o(a) profissional. Ainda que seja uma pequena mudança, alerta para o facto de que a preocupação com as questões de género está presente no debate educacional brasileiro.

21 Sobre esse aspeto, ressaltamos as quotas como política afirmativa para o acesso e a permanência no ensino

superior de camadas da população desfavorecidas histórica e socialmente, sendo incluída, recentemente, a pós- graduação como preocupação desta política.

financiamento, de qualificação da gestão e de compromisso social, mas expõe como, ainda, fragilidades do sistema as desigualdades económicas e sociais construídas historicamente no país e que ainda representam entraves para um sistema nacional de educação. Procura-se, desta forma, que o Sistema Nacional de Educação, instituído por esta lei, promova um sistema mais igualitário, que diminua as diferenças sociais e regionais com padrões nacionais que promovam uma identidade nacional, como uma base comum para os currículos do ensino superior, um financiamento adequado, a gestão democrática e a valorização de profissionais (Abicail et al., 2014), por exemplo.

Contudo, apesar de o documento apresentar propostas sólidas para a mudança, o Brasil viveu, ao longo do período de escrita desta tese, momentos de mudanças no panorama político. O afastamento da presidenta Dilma Roussef, o governo interino, o impeachment da presidente e, por fim, a instituição do governo do vice-presidente Michel Temer podem trazer diferentes propostas para a Educação brasileira. As narrativas presentes nesta investigação foram recolhidas antes da mudança de governo. Isto é, os dados discutidos neste trabalho referem-se a um período anterior à mudança política, mas é preciso mencionar o período de instabilidade política que se vive atualmente, ainda que seja cedo para uma análise profunda das mudanças. Pode-se apontar, por exemplo, para a diminuição do percentual do Produto Interno Bruto destinado à Educação Superior, numa política de desresponsabilização do governo federal para as verbas da educação, com o objetivo de mudar os rumos das contas públicas para reestabelecer a confiança na sustentabilidade dos gastos e da dívida pública brasileira (BRASIL, 2016, 2).

A seguir destacamos a configuração atual do Ensino Superior brasileiro quanto à sua organização académico-administrativa e abordamos o trabalho do professor nesse sistema.

3.2.1. Organização académico-administrativa

A organização administrativa do ensino superior brasileiro, atualmente, se dá entre instituições públicas e privadas. As instituições públicas podem ser federais, estaduais e municipais, a depender da instância que as mantém e as administra. A matrícula e as mensalidades são gratuitas para os estudantes.

As instituições privadas podem ser com fins lucrativos ou sem fins lucrativos. As primeiras têm uma vocação social exclusivamente empresarial. As últimas podem ser beneficentes, comunitárias ou confessionais ou filantrópicas, a depender da sua vocação social. As instituições também podem ser consideradas especiais, não sendo total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos.

As tabelas e os gráficos a seguir têm como fonte a Sinopse Estatística do Ensino Superior de 2016 e tem como objetivo clarificar o número de instituições e de estudantes do ensino superior quanto à organização académica e administrativa.

Tabela 1: Número de estudantes por tipo de instituição (Brasil)

Gráfico 1: Estudantes por tipo de instituição

(Brasil) Gráfico 2: Instituições de Ensino Superior Públicas e Privadas (Brasil)

Gráfico 3: Instituições de Ensino Superior Públicas e Privadas (Brasil)

Tabela 3: Número de estudantes no Ensino Superior público e privado (Brasil)

É claro perceber, pelos números expostos e tendo em consideração a história do ensino superior brasileiro, que a iniciativa privada é responsável por grande parte da massificação desse nível de ensino. Essa forte presença de instituições privadas, baseadas em lucro, no ensino superior brasileiro, consolida uma mercantilização da universidade brasileira em que não é tratada como bem público, mas como bem privado, tendo condições de rivalidade, de exclusividade e de recusa (Johnstone, Arora, & Experton, 1998). Alguns argumentos que ressaltam o aspeto positivo desta política mercantil são o poder-se induzir à inovação e à adaptação dos sistemas de ensino às necessidades mais atuais (Bertolin, 2009).

A grande maioria dos estudantes está absorvida pela iniciativa privada – 88% dos estudantes e 88% das instituições, números alarmantes. Todavia, quando olhamos para o número de instituições pela organização académica, percebemos que o número de universidades públicas é maior do que o número de universidades privadas, que disparam em ralação ao número de faculdades. A grande diferença entre as universidades e as faculdades, no Brasil, é o desenvolvimento de investigação, que promove uma melhor qualidade da educação superior. Dessa forma, confirma-se um sistema dual em que a iniciativa privada pode oferecer uma formação de menor qualidade e a universidade pública mantém-se como instituição de maior qualidade, mas com acesso restrito. Quanto às condições de trabalho dos professores, há uma grande diferença no que concerne à presença da investigação na universidade pública e nas instituições privadas. É sobre as condições do trabalho docente que discorremos a seguir.

3.3. A docência na Educação Superior atual