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2.1. Mudanças no Ensino Superior

2.1.4. Globalização das e nas universidades

No âmbito europeu, o processo de Bolonha confirma a tendência para o declínio dos Estados-nação, em termos de regulação económica e de coordenação política, em favor de instâncias europeias e globais. Para Magalhães (2011), o posicionamento da Comunidade Europeia é de assumir a universidade como central para políticas orientadas pelo mercado e para aumentar a competitividade no mercado global, consolidando uma Europa mais competitiva e socialmente coesa. A economia, o mercado e a gestão passam a ser focos organizadores do Ensino Superior. Para desenvolver uma economia baseada no conhecimento e na inovação, a investigação recebe destaque.

Magalhães (2011) aponta para escolhas e dilemas com que se confronta o Ensino Superior atual, marcado pela crescente assunção do mercado definindo a estrutura, os processos de regulação e de coordenação do Ensino Superior. Além dessa influência do mercado, outros fatores omnipresentes na discussão sobre o Ensino Superior são a gestão política da expansão, da qualidade e da avaliação desse sistema.

O Ensino Superior tem de se posicionar face ao capitalismo flexível, ao capitalismo académico e ao modelo das universidades empreendedoras. Magalhães (2011) aponta para sistemas e modelos de governação da instituição importados do setor privado e empresarial. Assim, observamos o neoliberalismo como pano-de-fundo da organização das universidades, acompanhado de uma europeização no caso das universidades da Europa.

A nível europeu, o Processo de Bolonha, como política que marca uma reforma no Ensino Superior não tinha objetivos neutros quanto ao viés económico. A universidade representava a possibilidade de afirmar um espaço europeu economicamente dinâmico e competitivo para disputar no mercado. Em suma, percebe-se que a universidade e a educação passam a corresponder à economia e ao mercado, representando força competitiva entre os países. Se os objetivos do Processo de Bolonha passam por criar um espaço europeu de compatibilidade, comparabilidade e coerência entre os países da Europa, podendo garantir a mobilidade e o intercâmbio de estudantes e profissionais entre os estados-membros, ele pode ser visto como estratégia de competitividade, atratividade e mobilidade (Amaral, 2005).

Dale (2007) analisa o desenvolvimento do Espaço Europeu de Ensino Superior, revelando que a declaração de Sorbonne (1998) reivindicava uma Europa com força intelectual, cultural, social, científica e tecnológica. A Europa do Conhecimento era vista como um fator de crescimento humano e social para consolidar competências necessárias para os desafios não só económicos, mas intelectuais, culturais, sociais e tecnológicos do continente, com valores partilhados e um espaço social e cultural comum. Ligados às necessidades da economia e à competição do mercado de trabalho, os objetivos passavam por aumentar a empregabilidade dentro na Europa, a competitividade e a atratividade da economia europeia numa escala mundial em resposta à “crescente mercadorização do Ensino Superior numa escala global”9 (Dale, 2007:

31).

A ideia do processo de Bolonha era aumentar a comparabilidade e a legitimidade entre os membros da União Europeia, com uma estrutura comum para os cursos e com o início de um sistema de garantia de qualidade. Os graus passam a ser facilmente legíveis e comparáveis. Assim, os “produtos” devem ser atrativos e comensuráveis. Para Saarinen (2005), há a instauração de uma ideologia de consumismo em que os estudantes são vistos como consumidores da educação, sendo necessário, também, se preocupar em criar uma grande atratividade no mercado global da educação. O “New public Management” (managerialismo) enfatiza a transparência e a necessidade de resposta a um mundo movido pelo consumismo, tendo como objetivo concretizar na Europa uma economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva, com ênfase na qualidade e associada à atratividade e competitividade. As universidades, nesse cenário, contribuiriam para a competitividade da Europa no mercado global.

Através de uma análise da Comunicação da Comissão Europeia sobre “O papel das universidades na Europa do Conhecimento” (2003), Dale (2007) argumenta que as

universidades desempenham um papel específico na sociedade do conhecimento e na economia, na Europa. O conhecimento está sempre vinculado à sociedade e à economia. A contribuição da educação era geral. Todavia, posteriormente, já se identificam desafios específicos para as universidades europeias: crescente demanda pelo Ensino Superior, internacionalização do ensino e da investigação, desenvolvimento de cooperação entre universidades e indústria, proliferação de espaços de produção de conhecimento e a reorganização do conhecimento. A excelência não pode mais ser produzida e medida no âmbito de um contexto nacional, mas sim numa maior comunidade de investigadores e professores, num âmbito internacional. Os desafios do Ensino Superior passam a ser além das fronteiras, e as instituições passam a ter responsabilidades da e para a Europa.

Para atingir os objetivos dessa ideia de universidade, três prioridades foram listadas: garantir recursos e seu uso eficiente, consolidar excelência na investigação e no ensino e abrir as unidades para aumentar a eficiência internacional (Dale, 2007). Tornava-se necessário organizar atividades mais produtivas para desenvolver o potencial das universidades, desenvolvendo novas capacidades de conhecimento, um discurso evidentemente influenciado pelo managerialismo.

O comunicado de Berlim (2003) é um documento que foi assinado em 2003 por 33 países europeus, para fazer uma análise do progresso assim como definir prioridades e planejar os anos seguintes para concretizar a construção de um Espaço Europeu de Ensino Superior. Esse comunicado reafirma a dimensão social para que a ênfase no aumento da competitividade seja equilibrada, com o objetivo de melhorar a coesão social e reduzir injustiças sociais e de género tanto a nível nacional quanto a nível europeu. O Ensino Superior é reafirmado, portanto, como bem e responsabilidade pública. Devem ser aumentados o papel e a relevância da investigação para a evolução tecnológica, social e cultural e, também, para as necessidades da sociedade. O comunicado de Berlim (2003) realça, ainda, a orientação de as universidades contribuirem para a construção de uma economia baseada no conhecimento, que torne a Europa mais competitiva e dinâmica, com mais empregos e coesão social. O documento defende que sejam feitos esforços para aproximar a investigação e o Ensino Superior e, consequentemente fortalecer uma Europa do Conhecimento. Essa integração entre Ensino Superior e investigação tem como objetivo preservar a riqueza cultural e as tradições, assim como nutrir o potencial de inovação e desenvolvimento social e económico da Europa.

Se no contexto europeu se observam transformações pela tendência para a europeização e homogeneização das universidades, no cenário da América Latina, observamos a transformação de sistemas de Ensino Superior na transição de um sistema de elites para um sistema de massas. Essa transformação, no Brasil, é movida por políticas públicas de expansão.

Todavia, pode ser observada a massificação do ensino, acompanhada, no caso brasileiro, pela criação de um mercado de educação, visto que uma das formas de maior absorção de estudantes são as instituições privadas. Assim, massificação e privatização do ensino andam em paralelo, no contexto brasileiro.

Esse ritmo de expansão leva para dentro das universidades outros desafios. Por exemplo, o aumento do número de matrículas e de estudantes traz a diversidade para dentro da instituição, aumentando as diferenças sociais, económicas, sociais, etnorraciais e regionais dentro das instituições de educação superior (Gomes & Moraes, 2012). O ingresso das minorias e de estudantes oriundos de classes sociais, cujo acesso ao Ensino Superior anteriormente era negado, traz novas discussões e políticas para dentro da universidade. Assim, questões anteriormente secundárias afirmam-se como desafios diários para a universidade e, consequentemente, para o trabalho do professor.

No contexto da América Latina, Galaz-Fontes, Padilla-González e Gil-Antón (2007) discorrem sobre o início do crescimento do Ensino Superior estar relacionado com a luta pela possibilidade de mobilidade social que traz. Todavia, o discurso mais recente ressalta a importância da educação superior para o futuro do país, para a solução de problemas sociais como a criação de empregos e a formação especializada de mão-de-obra, a investigação e a inovação para fortalecer uma competitividade económica, a inclusão de segmentos marginalizados, a mobilidade social, o desenvolvimento da equidade e o fortalecimento da democracia.

Assim, nos países em desenvolvimento da América Latina, a educação superior foi reconhecida pelo seu potencial para contribuir para a melhoria de questões nacionais. A sua relevância passa a ser valorizada, também, como tentativa de diminuição das assimetrias sociais. Permitir pessoas mais marginalizadas ingressarem na educação superior pode significar um maior envolvimento na vida social, económica e política do país, dentro de uma perceção de que a educação superior permite a mobilidade social e a inclusão. Vinculada à melhoria da situação social, económica e política, a melhoria da formação da população poderia mudar e aprimorar a estrutura da atividade económica do país, contribuindo diretamente para o seu desenvolvimento social, também, através da formação de cidadãos, promovendo ofertas culturais, investigação e inovação. Alguns fatores externos e internos aumentam as expetativas da relevância do Ensino Superior nos países da América Latina, como a centralidade do conhecimento para a atividade económica e a competitividade de um país e a necessidade de responder a padrões internacionais de qualidade e performance, para encontrar menos fronteiras num mundo em que há mobilidade de pessoas, bens e serviços.

Neste sentido, observa-se, em geral, na América Latina, um aumento muito grande nas últimas décadas, tanto do número de instituições quanto de estudantes matriculados. Também houve o aumento de matrícula de estudantes em instituições privadas e do número da participação de mulheres nestas matrículas. As instituições de Ensino Superior se diversificaram (universidades, faculdades, centros universitários). As instituições privadas aumentaram seu número, ainda que a questão da qualidade seja discutível, para absorver a demanda do número de estudantes. Atualmente, há uma maior preocupação com os resultados, os impactos e a prestação de contas da performance dos professores do Ensino Superior. Há um maior sistema de avaliação. Um dos efeitos negativos dessa maior avaliação é a negligência com aspetos centrais do Ensino Superior porque podem não ser mensuráveis ou considerados na avaliação.

Galaz-Fontes, Padilla-González e Gil-Antón (2007) apontam alguns desafios para a profissão académica na América Latina. Novos papéis das universidades, que passam a exigir ensino, investigação, inovação, consultoria, desenvolvimento da tecnologia, transferência de conhecimento à comunidade, implicam pressão para melhorar a qualidade do trabalho do professor. Contudo, os autores destacam que, apesar das muitas expetativas em relação à profissão, as condições de trabalho ainda podem dificultar os seus cumprimentos. De acordo com os autores, é preciso reconceptualizar a formação e o desenvolvimento profissional do professor, criar condições de formação apropriada e garantir apoio e oportunidades de desenvolvimento profissional para os académicos. É preciso clarificar os papeis, as responsabilidades e as tarefas do professor. Outro desafio reflete-se na necessidade de condições de trabalho mais homogéneas e melhores, no contexto da América Latina.

Ainda nesse contexto, Guzmán-Valenzuela e Barnett (2013a) estudam as identidades académicas fragilizadas na realidade chilena, também marcada pela mercantilização do Ensino Superior. Encontra-se uma crescente pressão para ser produtivo e condições de trabalho mais voláteis, tarefas mais numerosas e fragmentadas. As universidades procuram se tornar mais produtivas e buscar mais fontes de financiamento, havendo uma disputa por recursos entre instituições. A massificação do Ensino Superior na América Latina, mais uma vez, leva ao crescimento significativo do ensino privado para absorver estudantes.

No Brasil, podemos identificar que o investimento em investigação nas universidades visava ao desenvolvimento científico que, por sua vez, levaria ao progresso económico, fim maior que pode ter feito da universidade refém da economia e executora das suas exigências. Segundo Bianchetti (2010), os resultados das reformas no Ensino Superior, em diferentes países, convergem para uma mesma ideia de universidade. Para o autor, o capitalismo académico, o managerialismo e o produtivismo promovem “um processo crescente de

descaracterização da instituição, naquilo que lhe era historicamente inerente, e criando caminhos para uma ‘universalidade mundial’ (Sguissardi, 2005) ou para uma ‘nova ordem educacional’ (Antunes, 2008)” (Bianchetti, 2010: 265).

No contexto brasileiro, Alcadipani (2011), ao explicar o produtivismo académico, destaca que o gerencialismo, criado na esfera da administração, se propôs como solução única de aplicação universal para as empresas, com vistas à minimização dos esforços e à maximização dos resultados. Nessa esteira, para eficiência e eficácia das organizações, os trabalhadores devem ser constantemente avaliados e cobrados a prestar contas de suas atividades profissionais. O que o autor denuncia é o facto de que diferentes organizações, como escolas e universidades, muitas vezes são submetidas às normas de gestão de empresas tradicionais, comparando-se o processo de ensino-aprendizagem, por exemplo, com a produção fabril.

Observamos que tanto o cenário europeu quanto o da América Latina são marcados por um período de mudanças no sistema de Educação Superior com efeitos na profissão docente. Os dois contextos são marcados pelo managerialismo e pelos interesses de mercado dentro da universidade. A seguir, discutimos alguns dos impactos dessas mudanças no trabalho académico.