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A partir da discussão em torno do conceito de identidade, o texto foi direcionado para a compreensão do que entendemos como identidade profissional e, mais especificamente, identidade docente. Abordamos, também, a crise das identidades e o cenário de mudanças que afeta a profissão docente. Interessa a este estudo delinear o conceito de identidade académica, considerando aspetos já mencionados e outros específicos desta identidade profissional.

3 Traducação livre da autora. Original em Lopes (2008a): “individuos con las cualidades necesarias para la

construcción de nuevos colectivos y construir nuevos colectivos capaces de funcionar como lugares de socialización/formación de esos nuevos indivíduos”.

Dentro de um quadro de transformações, torna-se claro perceber que as mudanças sociais, políticas e económicas do fim do século XX alteraram as relações, as estruturas, as normas e as conceções nas quais a profissão docente sempre se baseou, podendo provocar impactos nas identidades académicas. Além dessas transformações do cenário profissional, outras questões influenciam a construção de identidades académicas, como a comunidade da qual faz parte o professor, considerando área científica, instituição e departamentos (Hardre & Cox, 2009), experiências profissionais e pessoais anteriores e concomitantes ao trabalho, conceções de ensino que o profissional tem, o seu desenvolvimento profissional e a sua fase da carreira, atitudes pessoais face à profissão e muitos outros aspetos. Acreditamos que estes fatores, aliados a diversos outros aspetos, interferem na construção da identidade académica.

A identidade pode ser interpretada como um projeto reflexivo dinâmico e biográfico sensível ao contexto cultural e social onde está inserida (Giddens, 1991). É reformulada e redefinida ao longo do tempo e dos contextos, em mudança. “Embora identidade sempre envolva idiossincrassia e características pessoais, como indivíduos são agentes ativos com histórias de vida únicas, a construção da identidade é fundamentalmente envolvida no estoque social de conhecimento específico da instituição e do contexto cultural4” (Ylijoki e Ursin,

2013). McNaughton e Billot (2016) descrevem a identidade académica como uma construção constante de uma narrativa coerente entre a vida pessoal e profissional. Além dessa definição, a identidade pode ser vista como a reconstrução de uma autobiografia pessoal e profissional para explicar uma vida e um futuro imaginável e ideal que o professor pode projetar da sua prática (Sheridan, 2013), sendo um processo dinâmico e contextualizado (Churchman, 2006), holístico e desenvolvido ao longo da carreira (Korhonen & Torma, 2014).

Korhonen e Törmä (2016) definem a identidade pessoal como um processo de “tornar- se (becoming)” num equilíbrio entre si próprio e a imagem dos outros e como um processo de “pertença (belongingness)”. Para eles, a construção da identidade é um processo contínuo onde as fronteiras entre si e os outros são definidas, dissolvidas e redefinidas. Como processo social, a identidade implica uma participação em uma comunidade, partilhando uma herança cultural em diferentes conexões.

Ainda podemos basear-nos em Barnett (2000), para entender que “o que é ser um académico não é de modo algum dado, mas é uma questão de relações dinâmicas entre

4 Tradução da autora. Original, em inglês: Although identity always involves idiosyncratic, personal features since

individuals are active agents with unique life histories, identity building is fundamentally embedded in the social stock of knowledge specific to each institutional and cultural context

interesses e estruturas sociais e epistemológicas5” (Barnett, 2000: 256). De acordo com Harris

(2005), “identidades são influenciadas por valores e crenças individuais, assim como pela cultura e pelo posicionamento institucional6” (Harris, 2005: 426).

Henkel (2002) argumenta que a construção da identidade académica se dá dentro de comunidades que desempenham um papel fundamental na constante reconstrução das identidades profissionais. Nesta perspetiva, destaca-se a ideia do indivíduo como distintivo e incorporado dentro da comunidade, isto é, ele é influenciado por ela e a influencia. Como referido, a identidade académica é influenciada por processos e valores institucionais e é afetada pelas mudanças desses aspetos. Guzmán-Valenzuela e Barnett (2013a) procuram compreender as identidades académicas, partindo da ideia de que há uma interação entre professor e instituição, isto é, admitindo que a construção da identidade não é feita só pelo profissional, mas também pela universidade que delimita o que é ser académico, orientando o que podem ser as ações do professor, situando alguns padrões possíveis de identidade.

O indivíduo está inserido numa comunidade que enforma e reforça histórias, mitos, conceitos e valores. A comunidade afirma-se como um espaço que define o que é importante e o que é secundário nas suas dinâmicas. Assim, os indivíduos fazem suas escolhas e constroem suas identidades em diálogo com os outros membros desta mesma comunidade. Como comunidades-chave nas quais a construção da identidade académica está envolvida, Henkel (2002), assim como Clark (1983), aponta para a disciplina/área científica e para a universidade nas quais o professor está inserido.

Henkel (2002) destaca que o trabalho académico continua centrado na área de saber, ainda que os professores possam valorizar mais o ensino, a investigação, a gestão ou qualquer combinação entre essas dimensões da profissão. Para a autora, a importância da disciplina/área de saber onde atuam, ainda, tem um significado forte e representativo da identidade académica. De acordo com Guzmán-Valenzuela e Barnett (2013a), os professores precisam construir a sua identidade, não só dentro da sua universidade, mas também numa comunidade académica internacional. Assim, constroem uma identidade organizacional, vinculada à universidade onde trabalham, e uma identidade epistemológica, relacionada com o campo científico no qual estão inseridos.

Destacamos que estas duas comunidades-chave estão voltadas para a produção e para a transmissão de conhecimento, formando um quadro de múltiplas influências para a construção

5 Tradução livre da autora. Original, em inglês: “what it is to be an ‘academic’ is by no means given but is a matter

of dynamic relationships between social and epistemological interests and structures”.

6 Tradução livre da autora. Original, em inglês: “identities are influenced by individual values and beliefs as well

da identidade do professor universitário. Fazer parte de uma área de saber dentro de uma instituição influencia o trabalho do professor de forma diferente do que em outra instituição. Ao mesmo tempo, é possível reconhecer que uma instituição responde a contextos maiores, como, por exemplo, o contexto nacional do país em que se insere.

Para Guzmán-Valenzuela e Barnett (2013a), a identidade académica deriva de diversos papéis e sofre interferência do contexto político, económico e social onde se reconstrói, sendo influenciada também pelos aspetos locais, globais, nacionais e regionais onde o professor está enquadrado, além de ter influência das estruturas como a área científica, o tipo de instituição, a sua idade, género e condições de trabalho. A história pessoal do sujeito, situada num quadro moral e social, e o diálogo entre esse sujeito e outros, e a sociedade, também são significantes nesta constante reconstrução da identidade académica.

As mudanças implicam processos de construção, desconstrução e reconstrução das identidades pessoais e profissionais. Os professores do Ensino Superior, pelas diversas atividades que desempenham, são membros de diversas comunidades de prática, como sendo professores, investigadores. Assim, uma identidade académica flexível pode ser vantajosa numa sociedade complexa e de incertezas (McNaughton e Billot, 2016), já que os professores precisam alinhar o seu trabalho com os objetivos da instituição e do Ensino Superior, em mudanças constantes. Os académicos precisam responder e se adaptar às novas exigências e, com isso, reconstruir a identidade académica.

Há uma multiplicidade e diversificação de modos como a identidade académica é percebida e reconstruída (Ylijoki & Ursin, 2013). A identidade académica é diferente entre áreas científicas e de acordo com os contextos institucionais. As mudanças estruturais das universidades contribuíram para multiplicar essa diversificação. Assim, é possível encontrar um professor cuja identidade é definida como de um vencedor ou de um perdedor, entre diversos outros tipos de identidade. Essa diferença pode ter relação com a área e com a universidade, mas pode ser encontrada em situações muito semelhantes, o que demostra que uma ideia de equidade de condições de trabalho entre regiões, instituições e campos científicos não acontece (Ylijoki & Ursin, 2013).

Sobre as mudanças no Ensino Superior e novos desafios pedagógicos para o professor, McNaughton e Billot (2016) discorrem: “Quando mudanças institucionais e tecnológicas exigem novos conhecimentos, competências e objetivos que confrontam os valores dos professores sem uma justificativa pedagógica clara, não é surpresa que os professores lutem para ver um encaixe em identidades profissionais estabelecidas” (McNaughton e Billot, 2016:

655)7. Beck e Young (2008) explicitam a ideia de que os professores tendem a manter a base

do conhecimento, a ética e a dedicação aos objetivos e valores que circunscrevem a sua identidade académica. As mudanças podem trazer o sentimento de perda da identidade, quando se desestabilizam os valores académicos. Para os autores, os professores esforçam-se por manter uma identidade profissional forte e estável, em vez de adotar identidades novas, mas menos estáveis e em transição. Henkel (2002), em estudo sobre as identidades académicas no Reino Unido, concluiu que, apesar dessas mudanças, as identidades académicas se manifestam estáveis, mas que os efeitos a longo termo, ainda, são incertos.

Algumas considerações finais do capítulo: Caminhos para a identidade académica

Reconhecemos que a identidade está em constante construção, num processo de interação do sujeito com os contextos e com outros sujeitos. A identidade profissional, vinculada a saberes específicos, também não é permanente e está em reconstrução por diversos aspetos que fazem parte do dia-a-dia do sujeito. Por sua vez, entendemos a identidade docente envolvida em um constructo ecológico, em que há influência de diferentes níveis, como o pessoal, o interpessoal, o organizacional e o social. Nesta linha, refletimos sobre a influência da identidade pessoal e sobre a presença de uma identidade individual e de uma identidade coletiva, por exemplo, na identidade docente. Consideramos que a trajetória pessoal do professor influencia a construção da sua identidade profissional, assim como o lugar social onde se posiciona. Também mencionamos a presença do grupo e outras questões importantes para essa identidade profissional, como o reconhecimento social da profissão e a autoimagem do professor.

Exploramos, neste capítulo, algumas crises da sociedade, como a crise económica, a crise da modernidade, do vínculo social e da subjetividade de forma a associá-las à crise das identidades. Deixamos claro que entendemos as transformações das identidades como necessárias num período de mudanças em que é preciso pensar na identidade e reinventá-la face aos novos desafios e contextos. Assim, partimos da ideia de que as identidades académicas, reconstruídas por meio de diversos aspetos, podem estar sofrendo alterações pelas transformações do Ensino Superior e, consequentemente, do trabalho do professor universitário. Por isso, no próximo capítulo, desenvolvemos uma discussão teórica sobre essas

7 Tradução livre da autora. Original em inglês: “When institutional and technological change demands new

knowledge, skills, and goals that conflitct with teachers’ values are without a clear pedagogical rationale, it is unsurprising that teachers struggle to see a fit within established professional identities”.

transformações do Ensino Superior e sobre as mudanças no trabalho académico, de forma a explicitar o cenário onde se desenvolve a docência universitária hoje em dia.