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1º Há tópico subordinado

4.1. ANÁLISE DA PRODUÇÃO TEXTUAL DIAGNÓSTICA

A produção textual diagnóstica (PTD) caracteriza-se por ser uma produção textual piloto, tanto para alunos quanto para pesquisadoras, pois foi o primeiro texto deliberativo elaborado pelos participantes desta pesquisa durante as oficinas em sala de aula. Situada na segunda etapa da sequência didática, Diagnóstico, e dinamizada na oficina 02, dia 11 de agosto de 2016, essa atividade teve, por objetivo, investigar como os alunos constituem, em termos de organização, seus textos orais, uma vez que, naquele momento da ação, os estudantes não haviam tido contato nem com as discussões acerca da produção de textos orais, nem com instrumentos de análise.

O mote para a atividade foi uma situação-problema a partir da qual cada membro da turma deveria apresentar uma deliberação, expondo seu ponto de vista e seus argumentos em, no máximo, três minutos. O comando da atividade foi baseado na reportagem Dilemas

morais: o que você faria?, veiculada no site da Revista Superinteressante. A seguir,

reproduzimos o excerto que apresenta a situação-problema:

“Um amigo quer lhe contar um segredo e pede que você prometa não contar a ninguém. Você dá sua palavra. Ele conta que atropelou um pedestre e, por isso, vai se refugiar na casa de uma prima. Quando a polícia o procura querendo saber do amigo, o que você faz?

( ) Conta à polícia ( ) Não conta à polícia” 48

.

Em todas as atividades de produção, o tempo disponível para cada aluno era de três minutos. Nesta oficina, no entanto, nenhum aluno utilizou mais de um minuto para a sua produção, apesar de termos disponibilizado aos alunos alguns minutos para a elaboração de argumentos. No tempo de preparação, não permitimos que anotassem tópicos a fim evitar que apenas lessem o que haviam anotado.

O estudante que escolhemos como sujeito de pesquisa foi o 16º aluno a participar do debate e utilizou apenas 16‟‟ para sua produção, que reproduzimos a seguir:

(PTD de S05)

S05 - eu ((nome))... eu contaria... porque em primeiro lugar eu não ia mentir pra polícia... e em segundo lugar porque ele é meu MElhor amigo... eu acho que é MEU dever... tentar fazer o::.. que:: eu acha/o que eu achar melhor pra ele... e pra mim ele:: ele tem que arcar com as consequências apesar de ser meu amigo... e eu contaria pra polícia... não denunciaria mas se a polícia viesse... eu contaria

A partir da escuta do áudio e da transcrição da produção, utilizamos o critério de

centração para delimitar os segmentos tópicos. A partir disso, concluímos que esta produção

alcança o 2º nível na organização tópica, como ilustra o Quadro 13.

Quadro 13 - Análise da organização tópica da PTD de S05

PLANO NÍVEL ASSERTIVAS

H IE RÁRQ U ICO SUPERO RD E NA ÇÃO - > < -SUB O RD E NA ÇÃO SUB O RD E NAÇ ÃO

A produção é organizada a partir de um tópico abrangente (supertópico - ST) que recobre e delimita a porção do texto em que ele é focal (JUBRAN et al., 2002; JUBRAN, 2015).

1.A) A produção organiza-se a partir do tópico

definido pelo comando da atividade. X

1.B) A produção organiza-se a partir de um

tópico específico, que não o definido no comando da atividade, mas a ele relacionado.

1.C) A produção organiza-se a partir de um

tópico específico, que não o definido no comando da atividade, nem a ele relacionado.

Na organização da produção textual, constitui-se uma relação ST-SbT: o ST é dividido em tópicos coconstituintes (subtópicos, SbT), que se situam no mesmo nível na organização tópica (JUBRAN et al., 2002; JUBRAN, 2015).

2.A) O supertópico, a partir do qual a produção

é organizada, é dividido em um tópico a ele relacionado.

2.B) O supertópico, a partir do qual a produção

é organizada, é dividido em dois tópicos a ele relacionados.

2.C) O supertópico, a partir do qual a produção

é organizada, é dividido em três ou mais tópicos a ele relacionados.

X

Fonte: elaborado pelas autoras.

Em relação ao 1º nível, o comando da atividade já evidencia o supertópico de toda produção, que denominamos de “Deliberação de S05 quanto contar para a Polícia o paradeiro do amigo”. Quanto a esse nível, não percebemos tangenciamento ou fuga (assertivas 1.B e 1.C, respectivamente, do Quadro de análise da organização tópica). Acreditamos que a organização do gênero debate deliberativo auxilia no atendimento ao tema proposto, pois é solicitada uma tomada de posição frente a um problema.

A partir deste supertópico, apresentam-se três desbobramentos, os quais integram o mesmo nível: “Postura enquanto cidadão” (“em primeiro lugar eu não ia mentir pra polícia...”), “Postura enquanto melhor amigo” (“em segundo lugar porque ele é meu MElhor amigo... eu acho que é MEU dever... tentar fazer o::.. que:: eu acha/o que eu achar melhor pra ele...) e “Postura frente aos atos cometidos” (“e pra mim ele:: ele tem que arcar com as consequências apesar de ser meu amigo...”). Nenhum desses tópicos se subdivide em outros, corroborando nossa conclusão de que tal produção alcança o 2º nível na organização tópica, conforme ilustrado no Quadro 13.

Observamos, portanto, três Quadros Tópicos, que ficam mais evidentes a partir da construção da pirâmide tópica:

Fonte: elaborada pelas autoras.

Optamos por apresentar, na pirâmide tópica, os articuladores, quando expressos na materialidade linguística, pois consideramos que isso torna mais claro, para o leitor, a maneira como enxergamos organização da produção textual. Passando à análise da adequação às Máximas Conversacionais, percebemos que há o uso do articulador “porque” (repetido duas vezes), o qual é responsável por conectar o ST aos três SbTs. Dentre as categorias que elencamos, esse articulador funciona na introdução de uma justificativa relativa ao enunciado anterior, no caso a deliberação de contar para a Polícia o paradeiro do amigo. No Quadro 14, apresentamos a análise a partir do destaque na cor amarelo.

Gráfico 2 – Pirâmide tópica de PTD de S05

Deliberação de S05 quanto contar para a Polícia o paradeiro do amigo

Postura enquanto cidadão.

Postura enquanto melhor amigo

Postura frente aos atos cometidos “porque” “e em segundo lugar” “e” “em primeiro lugar”

Quadro 14 – Análise de adequação às Máximas de PTD de S05 – Plano hierárquico

NÍVEL

MÁXIMAS “Não diga senão aquilo para que você possa fornecer evidência adequada.”

Há tópico subordinado ao supertópico (ST-SbT)? Sim A relação estabelecida entre ST-SbT é baseada em uma: Conjunção. Disjunção argumentativa. Contrajunção. Explicação ou justificativa. Comprovação. Conclusão. Comparação. Generalização/extensão. Especificação/exemplificação. Correção/definição. Não prevista.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Quanto ao plano linear, observamos, no Gráfico 2, que os três tópicos são introduzidos por “em primeiro lugar”, “e em segundo lugar” e “e”, o que evidencia uma conexão entre os tópicos que constituem o 2º nível, conforme observamos no Quadro 15:

Quadro 15 – Análise de adequação às Máximas de PTD de S05 – Plano linear

NÍVEL

MÁXIMAS “Seja ordenado.”

É coconstituído por dois ou mais tópicos, situados na mesma camada de organização tópica e centrados no supertópico (1º nível)? Sim

Se sim, a organização sequencial se dá a partir de: Continuidade. Descontinuidade.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Destacamos que a continuidade tópica é mais evidente ainda a partir do uso de “em primeiro lugar” e “em segundo lugar”, mecanismos linguísticos denominados organizadores textuais. Conforme Koch (2014b), “[...] tais marcadores assinalam etapas da construção do texto, como introdução, desenvolvimento e conclusão, pondo à mostra a sua organização estrutural” (p. 90). Além de auxiliar-nos na determinação dos segmentos tópicos, esses recursos evidenciam a ordenação dos tópicos apresentados, a fim de sustentar a sua deliberação quanto à situação-problema. Por fim, o produtor do texto optou em utilizar “e”, articulador que evidencia a conjunção de argumento que sustenta a mesma conclusão:

(PTD-A de S05)

S05 - eu ((nome))... eu contaria... porque em primeiro lugar eu não ia mentir pra polícia... e

em segundo lugar porque ele é meu MElhor amigo... eu acho que é MEU dever...

tentar fazer o::.. que:: eu acha/o que eu achar melhor pra ele... e pra mim ele:: ele tem que arcar com as consequências apesar de ser meu amigo... e eu contaria pra polícia... não denunciaria mas se a polícia viesse... eu contaria

Atentamos, também, para a repetição do segmento “eu contaria” no início e no fim do texto, que intenta, segundo Marcuschi (1992), delimitar o episódio. Essa função, que faz parte daquelas categorias as quais organizam o tópico discursivo, é caracterizada por ocorrer a reprodução (literal ou com pequenas variações) de um segmento matriz produzido no início do episódio delimitado. Segundo o autor, a referida função é bastante utilizada para delimitar unidades discursivas, como argumentações, e é exatamente isso que vemos na PTD de S05: o produtor inicia e fecha sua produção com a deliberação (“eu contaria”).

Quanto à argumentação, como esse texto faz parte de uma atividade maior, gostaríamos, agora, de apresentar outros dados que podem nos auxiliar a compreendê-lo melhor. Não é nosso objetivo analisar os textos de outro sujeito, porém acreditamos que alguns aspectos podem ser mais bem esclarecidos a partir da observação de outros textos produzidos na mesma situação comunicativa.

Dessa maneira, apresentaremos, a seguir, a PTD do primeiro aluno a se manifestar no debate deliberativo, chamado de A1549.

PTD de A15

A15 - tá eu ((nome do aluno)) não/não contaria para a polícia... porque::: primeiro foi uma promessa que eu fiz de não falar nada pra ninguém... então eu realmente não falaria isso pra ninguém... e eu acho que:: cada um... mesmo achando que cada um tem que arcar com as suas consequências EU falaria com o meu amigo... EU... quando ele tivesse conversa/conversado comigo primeiramente eu falaria isso com ele... porque e/ele precisa tomar... uma posição sobre isso... ele precisa:: cuidar do que ele fez...

49 Optamos por denominar o sujeito pela maiúscula A, do vocábulo aluno, e não pela S, pois não o estamos tomando como sujeito de pesquisa, mas apenas levantando alguns dados que nos ajudam a elucidar alguns aspectos das produções textuais de S05, o qual se trata de nosso sujeito de pesquisa.

(cont.) entendeu? porque eu acho que... como ele é meu melhor amigo eu tenho esse direito de cuidar dele também... cuidando dele eu acho que o melhor para ele seria admitir isso... e:: caso el/mesmo depois da conversa ele não admitisse também e acontecesse isso do caso da polícia... eu continuaria sem falar nada porque:: foi uma promessa e eu... e é o meu melhor amigo... então... é isso

Ao contrastar as duas PTD apresentadas, observamos como S05 apresenta contra- argumentos para o ponto de vista de A15 a partir, inclusive, de estratégias de repetição, conforme ilustra o quadro a seguir. Podemos chamar de matriz (M) o excerto retirado da PTD de A15, pois se trata da “primeira entrada do segmento discursivo que depois será repetido”, e de repetição (R) o excerto da PTD de S05, o qual é “construído à sua [da Matriz] semelhança ou identidade” (MARCUSCHI, 1992, p. 33).

Quadro 16 - Comparação entre PTD A15 e PTD S05

A15 - Matriz S05 - Repetição

“mesmo achando que cada um tem que arcar com as suas consequências EU falaria com o meu amigo...”

“e pra mim ele:: ele tem que arcar com as consequências apesar de ser meu amigo...” “porque eu acho que... como ele é meu

melhor amigo eu tenho esse direito de cuidar dele também...”

“porque ele é meu MElhor amigo... eu acho que é MEU dever... tentar fazer o::.. que:: eu acha/o que eu achar melhor pra ele...”

Fonte: elaborado pelas autoras.

O que observamos, no Quadro 16, é que os produtores de texto calcam seus pontos de vista na questão da amizade e das responsabilidades de um para com o outro nesse tipo de relação - isso fica evidente, inclusive, pelas entonações enfáticas em “EU” e “MElhor amigo” -, porém os pontos de vista se afastam. Conforme Ferrarezi (2010), apesar de compartilharem um fundo cultural, nem sempre dois sujeitos realizarão a mesma especialização de sentido:

[...] para que a utilização da língua no lugar de seja possível, é necessário que os interlocutores compartilhem um conjunto de conhecimentos. Como se diz tradicionalmente, é preciso que haja um fundo conversacional compartilhado. Mas, esse fundo conversacional compartilhado, que tem base cultural e é externo à língua, não consegue, por si só, garantir que:

a. Haja uma confluência entre os dados culturais dos diferentes agentes no ato comunicativo;

b. Que esses dados culturais, embora sejam socialmente construídos, sejam idênticos e, por isso;

c. Que haja obrigatoriamente o entendimento daquilo que se disse da forma como se pretendeu, logo;

d. Que haja comunicação bem sucedida em todos os casos. (FERRAREZI, 2010, p. 87)

Isso vai ao encontro do pensamento de Koch (2006), já apresentado em capítulo anterior, o qual defende que, em uma interação, cada um dos sujeitos traz consigo uma bagagem cognitiva, um contexto. No caso das produções apresentadas, tal diferença, na especialização de um sentido, é percebida nos dois primeiros excertos: apesar de serem estabelecidas repetições, cada produtor sustenta uma visão do que seria, por exemplo, o papel e a responsabilidade de um melhor amigo. De acordo com Ferarezzi (2010), a diferença na especialização de sentidos pode ser mais evidente em situações subjetivas:

[...] para a construção de um enunciado e para a atribuição de um sentido a ele não interessa ao falante a referência em si, mas a forma como o falante vê culturalmente essa referência. Em segundo plano, interessa ainda como esse mesmo falante vê

pessoalmente essa referência. Isso fica bastante claro em sentenças de natureza

subjetiva. (FERRAREZI, 2010, p. 104-105)

Quando confrontamos as duas PTD, a diferença de especialização de melhor amigo é perceptível a partir de contrajunções (conforme Koch 1992; 2015), isto é, os produtores apresentam argumentos de orientações argumentativas contrárias: enquanto para A15 o fato de achar que todos devem arcar com as consequências de seus atos não é suficiente para fazê- lo entregar o paradeiro do amigo à polícia, para S05, o fato de se tratar de um amigo não é suficiente para omitir a informação das autoridades.

Quadro 17 – Contrajunções em PTD A15 e PTD S05

Orientação argumentativa 1 (Arcar com as consequências do ato)

Orientação argumentativa 2 (Preservar o amigo)

A15 mesmo achando que cada um tem que arcar com as

suas consequências EU falaria com o meu amigo...

S05 pra mim ele:: ele tem que arcar com as

consequências apesar de ser meu amigo...

Observamos que S05 utiliza da repetição na construção do seu argumento. Todavia, apesar de apresentarem fragmentos similares, a orientação argumentativa que prevalece é aquela em que não está expresso o articulador discursivo-argumentativo de contrajunção (grifados no Quadro 17), “mesmo” (A15) e “apesar de” (S05). Dessa maneira, no caso de A15, prevalece a tese de preservar o amigo e, no caso de S05, a de arcar com as consequências do ato50.

A partir desse confronto entre as duas produções, fica claro o uso da repetição como estratégia de argumentação. Marcuschi (1992) elenca três maneiras de manifestação da função argumentativa de uma repetição: reafirmação, contraste e contestação. Tomamos a repetição de S05 como uma contestação no sentido de “é um fim ou um objetivo a ser atingido no próprio núcleo da argumentação” (p. 150, grifo do autor). O autor ainda explica que, enquanto a contestação substitui o argumento, o contraste o modaliza.