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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 117 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

2.2. O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E GÊNEROS ORAIS

2.2.2. Produção textual e Educação Básica

Conforme as perspectivas teóricas adotadas nesta pesquisa e o contexto no qual essa foi desenvolvida, achamos válido, também, apresentarmos uma breve discussão sobre práticas de reflexão e de produção de gêneros orais, além de gêneros escritos, em aulas de Língua Portuguesa. Segundo já comentamos, na seção Contextualização do primeiro capítulo, programas curriculares e documentos norteadores que traçam perspectivas e objetivos, assim

como delimitam alguns objetos de trabalho e pressupostos metodológicos para o ensino na Educação Básica foram e estão sendo publicados pelo Ministério da Educação desde o fim dos anos 1990. O que esses textos indicam é a incorporação de práticas orais de linguagens entre os eixos organizadores das atividades de Língua Portuguesa.

Essa mudança está calcada em discussões que provem do campo científico que visam, justamente, transformar algumas lacunas observadas no ensino e aprendizagem das aulas de Língua Portuguesa:

Parece claro que a orientação das ciências da linguagem incide na definição (redefinição?) dos objetivos do ensino ou talvez permita que, no campo do ensino de língua, se perca o temor de dizer aquilo que todos os professores sabem: que o mais importante é que crianças e jovens aprendam a falar, escrever, escutar e ler, ou seja, a usar a língua para realizar diversas atividades. (CAMPS, 2006, p. 35)

Apesar dessa preocupação, percebe-se que, diferente do ensino de gramática e do ensino de escrita, pensar possibilidades para o trabalho com a oralidade, em sala de aula, ainda é recente. Crescitelli e Reis atribuem a crença que determina maior juízo de valor aos gêneros textuais escritos e delega um papel secundário aos gêneros orais devido à “visão grafocêntrica do ensino de língua” (2001, p. 30). De acordo com o que já atentávamos no projeto inicial dessa pesquisa, essa crença implica consequências, como o ingresso da oralidade em sala de aula apenas como recurso expressivo, por meio de textos escritos. Em função disso, destacaremos, nesta seção, a importância dos estudos que ajudaram a elucidar as nuances da oralidade e colaboraram para o apontamento de caminhos possíveis para se trabalhar com gêneros orais em sala de aula.

Em trabalho anterior (Machado e Motta, 2017), destacamos o nome de Castilho (2014) como um dos primeiros pesquisadores, em contexto brasileiro, a propor a integração da língua falada às atividades escolares. Isso seria possível a partir dos conhecimentos linguísticos apresentados pelos alunos e a partir da conversação, método apresentado, definido e ilustrado pelo autor. O que Castilho defende é que o ensino de Língua Portuguesa não pode concentrar- se apenas no trabalho com a língua escrita, já que a reflexão sobre a língua falada também importa na aquisição da linguagem.

Outro nome que destacamos, em um momento anterior e também agora, como relevante no contexto brasileiro, é o de Marcuschi (2001; 2008). Em seus textos, tal autor costuma atentar para a necessidade de se distanciar da perspectiva que antagoniza oralidade e escrita. Para isso, parte da premissa de que é a língua que se funda em usos e não o contrário, o que permite perceber que práticas e usos, de ambas as modalidades, possuem características próprias, mas não a ponto de formar dois sistemas linguísticos distintos. Relacionam-se,

portanto, numa gradação de semelhanças e diferenças, que dizem respeito ao funcionamento, e não ao sistema. Dessa maneira, “a escola não ensina a língua, mas os usos da língua e formas não corriqueiras de comunicação escrita e oral. O núcleo do trabalho será com a língua no contexto de compreensão, produção e análise textual.” (MARCUSCHI, 2008, p. 55).

O linguista destaca que a abordagem do texto falado, em sala de aula, não pode ser desvinculada da abordagem do texto escrito, porém que esse movimento não deve trazer à tona novamente a perspectiva dicotômica29. Defende que se assuma, em sala de aula, uma prática vinculada à perspectiva de continuum linguístico, na qual o ensino de língua deve voltar-se para as relações entre as duas modalidades, dentro de um contínuo de textos orais e escritos, além de ter diferentes formas de produção sociodiscursiva, os gêneros textuais, como elementos-chave (conforme Figura 2). Dessa forma, as práticas de oralidade podem ser trabalhadas de forma sistemática.

Figura 2 - Representação do contínuo dos gêneros textuais nas modalidades fala e escrita

Fonte: Marcuschi (2001, p. 41).

29 Marcuschi (2001, p. 27) elenca as seguintes dicotomias: contextualizada (fala) versus descontextualizada (escrita); dependente (fala) versus independente (escrita); implícita (fala) versus explícita (escrita); redundante (fala) versus condensada (escrita); não-planejada (fala) versus planejada (escrita); imprecisa (fala) versus precisa (escrita); não-normatizada (fala) versus normatizada (escrita); fragmentária (fala) versus completa (escrita).

Koch (2014b) concorda com esse autor quando comenta que “o estudo dos gêneros constitui hoje uma das preocupações centrais da Linguística Textual, particularmente no que diz respeito à sua localização no continuum fala/escrita” (KOCH, 2014b, p. 180, grifo da autora). Essa preocupação é legitimada, pois se nota que até mesmo os documentos oficiais, os quais versam sobre programas e propostas curriculares nacionais, apontam para o enfoque nos textos e em seus usos. Conforme já comentamos, as Orientações Curriculares para o

Ensino Médio (BRASIL, 2006), por exemplo, já integram atividades de produção, escuta,

retextualização e reflexão de textos orais entre os eixos organizadores do programa de Língua Portuguesa do Ensino Médio. Palestra, debate, seminário e teatro são citados como exemplos de gêneros textuais a serem explorados em sala de aula.

A partir disso, surge a inquietação sobre como abordar e trabalhar com gêneros em sala de aula. Partindo da premissa de que a abordagem de questões referente à oralidade, em uma aula de língua materna, só pode se dar a partir da construção de uma nova relação com a linguagem, relação essa que descontrua concepções usuais nas quais a oralidade ou se confunde ou se opõe à escrita, escolhemos a sequência didática, proposta apresentada por Dolz, Schneuwly e Noverraz (2004), como modus operandi. Esse procedimento constitui-se em um conjunto de módulos organizados a partir de uma prática de linguagem que tem como culminância uma produção escrita ou oral. Permite, ainda, que aspectos referentes à gramática possam ser trabalhados conjuntamente com as questões de gênero textual30.

Consideramos válido ressaltar também a ideia de projeto de língua, que, conforme Camps (2006) e Camps e Santasusana (2006) é, ao mesmo tempo, uma proposta de produção global (escrita ou oral) com intenção comunicativa, que norteia os parâmetros de situação discursiva, e uma proposta de aprendizagem com objetivos específicos explícitos, os quais podem constituir critérios de produção e avaliação. O ponto de partida é o entendimento da língua não apenas como objeto de aprendizagem, mas também como instrumento para realizar diversas atividades. Dessa concepção de processo, derivam algumas ações que tomamos especialmente na parte analítica do trabalho de pesquisa, por isso o viés a partir do qual serão abordadas as produções textuais será retomado no capítulo 4, Análise e discussão dos dados.

Por fim, atentamos que a prática de linguagem abordada em sala de aula nem sempre é autêntica: a produção de uma entrevista radiofônica, por exemplo, não pressupõe a sua

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No capítulo seguinte, Fundamentação metodológica, apresentaremos uma seção cujo objetivo é discutir este procedimento de trabalho.

veiculação em um meio de comunicação. Isso poderia ser um ponto controverso, mas Schneuwly (2004b) defende que a ficcionalização da situação de interação social auxilia nos processos de ensino e de aprendizagem, uma vez que isola quatro parâmetros da produção textual: enunciador, destinatário, finalidade/objetivo, lugar social.