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M: ABACATE TERRA

1.5 ANALOGIA NAS CIÊNCIAS NATURAIS

A esfera da ciência pode parecer um território hostil às metáforas. Afinal de contas, a ciência se ocuparia da busca e da representação do conhecimento, o que, para muitos, só pode ser literal [...]. O que talvez não esteja claro para aqueles que possuam tal visão “inocente” ou “leiga” da ciência é que, antes das descobertas e das invenções, há um intenso trabalho de pesquisa e que esse trabalho tem uma base metafórica considerável. Sem essa base, não seria possível teorizar, pesquisar, comunicar nem produzir ciência. (SARDINHA, 2007, p. 87).

Inicialmente, ainda na Grécia Antiga, as analogias e metáforas estavam restritas à Matemática e, depois, à Retórica e à Literatura. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), as analogias, destacadamente, vieram desempenhando um importante papel na concepção de novas ideias científicas e na resolução de problemas. A partir de conceitos-base, elas permitem estruturar um conceito-alvo novo para a Ciência.

Todavia, reconhecida como fator essencial às invenções, a analogia foi olhada com desconfiança no meio científico assim que se quis transformá-la como forma de prova. A respeito desse impasse, Rodrigues (2007) afirma que a legitimidade sobre a utilização de analogias na produção de conhecimento científico tem suscitado, já há algum tempo, um importante debate filosófico e epistemológico. De acordo com o autor, com o desenvolvimento da ciência moderna, as analogias passaram a ser utilizadas abundantemente em diferentes áreas científicas, mas, no entanto, a tradição analítica, como base epistemológica do fazer Ciência, tem negado ou, pelo menos, minimizado o papel heurístico das analogias na Ciência.

Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), os pensadores empíricos veem quase sempre, na analogia, apenas uma semelhança de qualidade menor, imperfeita, incerta. Seu único valor seria possibilitar a formulação de uma hipótese que seria verificada por indução. Soares (1952, p. 57 apud RODRIGUES, p. 16, 2007) já afirmava em 1952 que a analogia “representa o primeiro grau da indução, podendo-se dizer que em toda a indução há um fundamento por analogia [e estaria representado] pelo esquema lógico Q é P; S também é Q; logo, S é P”.

Ainda que se reconhecesse no Positivismo que a estrutura lógica da analogia pudesse equivaler ao processo lógico indutivo, a analogia deveria desempenhar apenas um papel heurístico. Posteriormente, a analogia deveria ser abandonada pelo cientista por não apresentar uma sólida dimensão empírica que sustentasse cientificamente uma nova descoberta (RODRIGUES, 2007). Hampel (1965, p. 446 apud RODRIGUES, 2007, p. 16), reforçava essa ideia ao afirmar que “todas as referências às analogias ou aos modos analógicos podem ser abandonados nos enunciados sistemáticos das explicações científicas”. Para essa finalidade,

Perelman (1987) faz uma analogia para a analogia e a compara com andaimes de uma casa em construção, que são retirados quando o edifício está terminado.

O filósofo Francis Bacon concede, depois de considerar minuciosamente a evidência disponível, às analogias a qualidade de mera “auxiliares do intelecto, da memória e dos sentidos” (MENNA, 2011, p. 9). Para Bacon, apesar de a analogia ter uma função criativa, dentro da metodologia científica, se apresentam como orientações falíveis.

A Ciência se utilizou bastante das analogias para suas descobertas. Os exemplos, nas áreas da Biologia, Física e Química, são inúmeros. Freitas (2011) exemplifica o uso heurístico analógico que Galileu (séc. XVI) fez ao comparar a diminuição gradativa da força impetus do deslocamento de um projétil com a diminuição também gradativa do calor de uma barra de ferro depois de retirada do fogo.

Marcelos (2006), ao estudar a chamada Árvore da Vida presente na obra A Origem das Espécies de Charles Darwin, também verificou e apresentou diversas comparações que o naturalista inglês chegou a utilizar. Darwin explica a analogia da árvore:

Têm sido representadas, algumas vezes, sob a figura de uma grande árvore, as afinidades de todos os seres da mesma classe, e creio que essa imagem é assaz adequada sob certos pontos. Os ramos e os gomos representam as espécies existentes; as ramificações produzidas durante os anos precedentes representam a longa sucessão das espécies extintas. (DARWIN, 2004, p. 140

apud MARCELOS, 2006, p. 41).

Freitas (2011) lembra que, na Química, a própria história das sucessivas mudanças do modelo atômico foi acompanhada de analogias. O modelo atômico de Dalton, de 1803, era uma bola de bilhar; o de Thomson, um pudim de passas; o de Rutherford, o Sistema Solar; e o de Sommerfeld, camadas de uma cebola cortada. Kekulé teria sonhado com uma cobra que mordia o próprio rabo e, assim, tido inspiração, por analogia, a resolver o problema da representação estrutural da molécula de benzeno. Newlands apresentou um trabalho em 1866 no qual comparou a organização dos elementos químicos com as notas musicais divididas em oitavas: o arranjo eletrônico dos elementos se repete num arranjo em grupos de oito, assim como as notas musicais.

No mais, Oliva Martínez (2008) afirma que as analogias utilizadas por cientistas, como Kepler, Tartaglia, Newton, Faraday e outros mais, tornaram-se exemplos famosos e, por muitas vezes, utilizados pelos professores de Ciências para ilustrar como o raciocínio analógico ajudou no desenvolvimento científico.

Depois da primeira metade do século XX, muitos dos cientistas e epistemólogos, como Popper, Kuhn e Perelman, admitiram que a Ciência não poderia ser justificada apenas de uma forma empírica, mas que outros métodos de avaliação poderiam ser adotados (DUARTE, 2005). A partir de então, o reconhecimento de que o conhecimento científico não podia ser desvinculado da linguagem em que é apresentado foi aumentando. Se para os lógico-positivistas as analogias podiam desempenhar somente um papel heurístico na elaboração das teorias, na prática comunicativa da Ciência das novas correntes, as analogias e metáforas podem ser partes do discurso científico e do contexto da descoberta científica, na função heurística da elaboração de hipóteses e dos procedimentos de investigação (BELLINI, 2006).

Segundo Bellini (2006, p. 12), as analogias e “as metáforas são elementos constitutivos das teorias científicas que ampliam os conceitos e o vocabulário das teorias; não são apenas formas de comunicação dos pesquisadores, são sempre novas significações”.

As metáforas e as analogias têm imenso valor também na divulgação da Ciência. Para que uma pesquisa seja divulgada fora do mundo acadêmico, “ela precisa ser passível de metaforização: a pesquisa deve ter o potencial de ser relacionada a uma metáfora com que o público ‘leigo’ possa se identificar” (SARDINHA, 2007, p. 93). A divulgação científica, mais especificamente a popularização científica, é altamente metafórica.

Apesar de todas as vantagens e da necessidade da linguagem metafórica, tanto nos processos heurísticos quanto na comunicação científica, Andrade, Zylbersztajn e Ferrari (2002) atentam para alguns problemas que podem derivar de sua utilização de forma errada ou pela falta de sistematização do seu uso. Um dos autores que mais alertou para os perigos das analogias e metáforas na Ciência foi Gaston Bachelard. Ao introduzir a noção de obstáculo epistemológico, Bachelard (1996), afirmou que os conhecimentos subjetivos são um entrave ao conhecimento objetivo. Sendo assim, a utilização da linguagem metafórica, ligada aos conceitos prévios dos cientistas (ou alunos), pode formar ou reforçar obstáculos epistemológicos. O epistemólogo não só desqualifica o uso heurístico do pensamento analógico para a Ciência, mas, além disso, consideraria a analogia como uma vilã ao afirmar que “uma ciência que aceita imagens, é mais que qualquer outra, vítima das metáforas. Por isso, o espírito científico deve lutar sempre contra as imagens, contra as analogias, contra as metáforas” (BACHELARD, 1996, p. 48). Afirma ainda que não se podem confinar com facilidade as metáforas no reino da expressão, pois elas seduzem a razão.

Quanto à analogia, uma análise mais apurada das ideias de Bachelard, entretanto, mostra mais uma preocupação com o seu uso do que uma negação veemente. Bachelard (1996) desmerece o uso figurativo de analogias e metáforas quando pretendem ser imagens-reflexo da

realidade da investigação, isto é, quando pretendem se passar por cópias fiéis dessa realidade. Segundo o autor, se a utilização científica da analogia não for efêmera, corre-se o risco de tomar os “andaimes” (analogias) pelo “vigamento” (conceitos científicos). Desta forma, a analogia pode, em vez de auxiliar, atrapalhar a formulação de uma nova teoria, pois induziria o cientista a obter, no seu objeto pesquisado, as mesmas respostas obtidas por sua analogia.

Andrade, Zylbersztajn e Ferrari (2002) concluem, portanto, que

Bachelard não é contra toda e qualquer utilização de analogias e metáforas, mas sim, contra as que podem reforçar concepções da observação empírica, do senso comum, ou quando elas se tornam cópias fiéis da realidade, impedindo a compreensão do que se pretende ensinar, tornando-se ou reforçando obstáculos epistemológicos e pedagógicos. [...] a linguagem metafórica e analógica é uma forma de raciocínio inerente ao ser humano. Tanto na ciência quanto na educação, pode ser tomada como uma ferramenta útil no processo de explicação dos conceitos científicos. (ANDRADE; ZYLBERSZTAJN; FERRARI, 2002, p. 10).

A revalorização científica da analogia encontra-se ligada às mudanças ocorridas na Filosofia da Ciência. A nova Filosofia da Ciência admite uma nova lógica da construção do conhecimento científico.

Postula-se uma reumanização da ciência, a que está associada uma linguagem interpretativa, onde a construção teórica não se dissocia da sua comunicação e argumentação (Sutton, 1992) e, portanto, onde a analogia passa a ter lugar. Ou seja, para além da sua capacidade heurística, a analogia confere poder discursivo ao conhecimento científico, dando uma nova visão do não observável, providenciando formas de argumentação, tornando possível quer a comunicação científica quer o desenvolvimento da ciência; ela é, por tudo isto, culturalmente intencional e socialmente significativa na ciência. (DUARTE, 2005, p. 11).