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3 ANALOGIAS QUANTITATIVAS

3.2 APRESENTAÇÃO, CONSTITUIÇÃO E A NOVA CLASSIFICAÇÃO

Os avanços que estão sendo feitos em uma variedade de disciplinas científicas e tecnológicas, como a Astrofísica, a Química, Ciências Ambientais e da Terra, Biotecnologia e Nanociência. Como os avanços em ferramentas para observar e manipular objetos físicos e naturais ultrapassam os limites da exploração científica para escalas muito grandes e muito pequenas, há desafios continuamente emergentes para os professores ajudarem os alunos a conceituar significativamente esses tamanhos que existem fora de sua faixa experimental (JONES et al., 2013).

A capacidade do ser humano em lidar com escalas extremamente pequenas ou extremamente grandes é muito limitada. A natureza capacitou os humanos para bem compreenderem tamanhos aproximados ao do corpo humano, na ordem de metros, e a noção de tempo em torno do tempo médio de vida humana. Nanômetro e ano-luz e picossegundo e milhão de anos, por exemplo, são micro e macromedidas de distância e tempo de difícil entendimento. De acordo com o biólogo britânico Richard Dawkins (2001, p. 239), o cérebro humano foi construído para lidar com faixas estreitas de tamanhos e tempos. Presumivelmente, os ancestrais humanos “não tinham necessidade de lidar com tamanhos e tempos fora da faixa estreita que abrange os assuntos práticos cotidianos, por isso nunca evoluiu em nosso cérebro a capacidade de imaginá-los”.

Sobre essa questão, Primack e Abrams (2008, p. 41) afirmam que “o universo existe em escalas de tamanho, tais como o tamanho dos átomos, com o qual humanos não têm conexão consciente. O que acontece nessas escalas de tamanho está além da experiência humana – e talvez até além da nossa imaginação” Segundo os autores, os objetos do Universo encontram- se em escalas de tamanho exóticas sobre as quais a maior parte das pessoas nunca pensa.

Como a compreensão das medidas fora da escala humana é extremamente difícil e demanda um esforço cognitivo que nem sempre é suficiente, o entendimento do mundo microscópico é praticamente todo metafórico. “Antes do desenvolvimento de instrumentos que nos permitem ver criaturas e estruturas muito pequenas, como células e micróbios, teorizamos a respeito deles por meio de metáforas retiradas do mundo microscópio” (SARDINHA, 2007, p. 88).

Uma das estratégias que Dawkins usa em seus livros para transformar grandes escalas em pequenas é a analogia quantitativa, que compara a proporção das medidas de dois objetos com a de outros dois objetos. Dawkins (2001), ao considerar a cognição humana não consegue trabalhar com valores muito pequenos ou muito grandes, utiliza a analogia de proporcionalidade para explicar suas ideias. Dawkins (2005) relaciona tempo e distância para explicar o quão longe (no tempo) os humanos atuais estão dos ancestrais comuns aos chipanzés. Se fosse possível que cada indivíduo desse as mãos ao seu pai e seu filho, formando uma corrente humana, essa corrente teria menos de quinhentos quilômetros. Em outra obra, Dawkins (2000, p. 27) afirma que “há cerca de 100 milhões de milhões de células num corpo humano, e a área total de estrutura membranosa dentro de cada um de nós chega a mais de oitenta hectares. Isso corresponde a uma fazenda respeitável”. O autor utiliza objetos visíveis do cotidiano, como ‘corrente humana’ e fazenda para ilustrar grandezas como tempo e área.

Pode-se dizer que, por mais brilhantes que fossem as ideias de Dawkins para denotar as quantidades presentes em suas informações, talvez não tivesse tanto sucesso em transmiti- las aos demais cientistas e até mesmo às pessoas leigas se não suavizasse o rigor científico por meio de suas analogias quantitativas. Dessa forma, a leitura fica mais inteligível e agradável, e não pesada e densa como nos típicos artigos científicos.

Segundo Pinto (1998, p. 725), “such analogies help students to develop nonobservable pictures by comparing them to something observable with which they are familiar”. É compreensível que os alunos, como qualquer outra pessoa, tenham dificuldades em compreender verdadeiramente o quão pequenos são, por exemplo, o protozoário Paramecium quando se afirma que este possui cinquenta micrômetros, o comprimento de onda da luz vermelha que tem setecentos nanômetros ou um átomo de cinco angstroms. Do mesmo modo, as distâncias astronômicas também se apresentam inimagináveis. Como um aluno interpreta a imensidade da distância entre a Terra e o Sol? Quando se diz que a Galáxia de Andrômeda está a dois milhões de anos-luz da Via Láctea, qual é a ideia de distância que é construída pelos aprendizes?

Tanto macro como micronúmeros apresentam dificuldades para a compreensão como também para cálculos. “As pessoas raramente pensam sobre átomos porque eles são tão pequenos comparados à escala de tamanho da consciência normal, e com as estrelas temos o mesmo problema na direção oposta” (PRIMACK; ABRAMS, 2008, p. 119). Uma forma encontrada para dar uma ideia dos tamanhos microscópios ou astronômicos é a comparação proporcional ou analogia de proporção.

As analogias de proporção são utilizadas pelos professores para possibilitar, de um modo mais fácil, a compreensão das relações entre dimensões extremas. Monteiro e Justi (2000), por exemplo, encontraram relações análogas entre as proporções núcleo/átomo e pulga/campo de futebol em livros didáticos de Química. Pinto (1998) mostra que se o átomo de hidrogênio tivesse o tamanho de uma bola de pingue-pongue, o átomo de cálcio teria o tamanho de uma bola de handebol e o de césio, o de uma de basquete. Ulianov (2010) explica o tamanho relativo entre próton, eletrosfera e o múon com uma analogia quantitativa. Segundo o autor, em uma representação mais realista, se o próton tivesse o tamanho de uma ervilha, a eletrosfera seria do tamanho de um campo de futebol enquanto que o múon teria o tamanho de uma pizza. Os professores de Biologia também fazem uso desse tipo de analogia para explicar os tamanhos do mundo microscópico. Segundo Meneses, Ferreira e Nascimento (2010), alunos do 8º ano do Ensino Fundamental têm dificuldade em imaginar o real tamanho de uma célula e, muitas vezes, chegam a pensar que a célula é um órgão do corpo humano. Essa crença pode estar relacionada à influência das ilustrações de células dos livros didáticos, representadas como estruturas grandes, redondas e coloridas. Ao passo em que falta esclarecimento de que estas ilustrações são apenas modelos representativos para facilitar a compreensão, e não imagens fidedignas da realidade, os alunos não entendem que células são microscópicas e diferentes dos modelos que conhecem. Segundo as autoras, o conteúdo celular e molecular, devido ao seu aspecto microscópico, torna-se muito abstrato e de difícil compreensão para o aluno.

A analogia quantitativa ajuda o professor na tarefa de dimensionar as estruturas celulares. Engelstein (2015, p. 2), por exemplo, especificando os valores numéricos de sua analogia, mostra que “se uma célula média tivesse o tamanho de uma laranja, a espessura de sua membrana não ultrapassaria os 0,04 mm – mais fina que uma folha de papel de seda”. Trata- se de uma estratégia para mostrar como a membrana plasmática é extremamente fina. O professor trouxe as relações de tamanho entre célula e membrana por analogia para o plano macroscópico para que fossem mais bem evidenciadas pelos alunos. Torquato (2013) compara os tamanhos de um embrião humano, no decorrer das semanas de gestação, com os tamanhos de objetos conhecidos: na terceira semana, tem o tamanho de uma cabeça de alfinete (0,15 mm);

na oitava, um feijão (20 mm); e na nona, uma azeitona (30 mm). Trata-se de tamanhos visíveis ao olho nu, mas devido à impossibilidade de sua direta observação, o autor relaciona-os analogamente a outras estruturas.

Os exemplos fornecidos por Engelstein (2015) e Torquato (2013) mostram os dois tipos de analogias quantitativas que Rigolon (2013) apresenta. As analogias usadas em Embriologia são relações diretas de tamanho, ou seja, são analogias de número e a analogia citológica compara não diretamente os tamanhos, mas a razão entre eles, portanto é uma analogia de proporção. Respectivamente, são apresentadas pelas fórmulas matemática a = k × b e a/b = c/d.

As analogias de número comparam números reais que estão atribuídos à quantidade do objeto (ou de seus constituintes) ou quantidade de grandeza do objeto. [...] Nelas, as quantidades dos atributos podem ser iguais (=) ou não, como no caso das aproximações (≅) e das desigualdades “maior que” e “menor que” (<, >). Dificilmente uma analogia quantitativa compara quantidades rigorosa e matematicamente iguais, pois o rigor das casas decimais não torna a comparação tão didática. As aproximações (≅) ocorrem, portanto, em bem maior quantidade e as expressões de equidade (=) não devem ser lavadas ao pé da letra. (RIGOLON, 2013, p. 4).

As analogias de número são subdivididas em dois tipos: analogias de unidade e analogias de grandeza. As analogias de unidade comparam a quantidade de objetos de um conjunto para possibilitar entender o quão grande ou pequeno este número é. Para dar a ideia de sua grande ou pequena dimensão, o mesmo número é empregado em outros objetos de outro conjunto. Por exemplo: Evans (2015), para dar ideia da quantidade de pessoas que vão à Central de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa) por dia, compara-a com a população de Ouro Preto/MG, cerca de setenta mil pessoas; Sucupira (2011, p. 1) explica que, em 2007, os computadores de todo mundo calcularam 6,4 × 1018 (ou 6,4 quintilhões) unidades de informação por segundo, o equivalente ao número de impulsos nervosos em um único cérebro humano. “Esse valor também é 315 vezes maior que o número de grãos de areia existentes no planeta”.

Nesses casos, Ouro Preto, impulsos nervosos e grãos de areia pertencem ao domínio base e o público da Ceasa as unidades de informação são do domínio alvo. De acordo com a Teoria do Mapeamento Estrutural (TME) de Gentner (1981)8, em que M: B T, os números

8 No decorrer do trabalho, algumas analogias quantitativas são apresentadas de acordo com a estrutura da TME de Gentner (1981). Seguindo o modelo original, não é colocado espaço entre o atributo e o parêntese que contém o objeto [ATRIBUTO(objeto)] ou entre a relação e o parêntese que contém os objetos [RELAÇÃO(objeto1, objeto2)].

(quantidade) são atributos dos objetos: QUANTIDADE(população de Ouro Preto) = QUANTIDADE(público diário da Ceasa); QUANTIDADE(impulsos nervosos), QUANTIDADE(315 × grãos de areia) = QUANTIDADE(unidades de informação).

A analogia de unidade é diferenciada em relação à estrutural e à funcional (CURTIS; REIGELUTH, 1984) quanto ao tipo de predicado transferido entre os domínios. Em cada domínio, há apenas um objeto. O que a Ceasa e Ouro Preto têm em comum não é a forma e nem a função, mas o número de pessoas apenas. Do objeto mapeado no domínio base, apenas um atributo é transferido ao domínio alvo.

As analogias de grandeza funcionam da mesma forma que as de unidade, porém a quantidade nesse caso é de grandezas físicas ou químicas em vez de objetos (RIGOLON, 2013). As grandezas comparadas podem ser, por exemplo, comprimento, área, volume, tempo, velocidade, força, trabalho, tempo, energia, etc. que utilizam unidades de medida pertencentes ou não ao Sistema Internacional (BIPM, 2014). Por exemplo: de acordo com Barbosa (2000), um cogumelo-de-mel dos EUA é o maior ser vivo do mundo com área superior a 890 hectares ou 47 estádios do Maracanã, maior do que a Enseada do Botafogo, no Rio de Janeiro/RJ.

Na TME, ÁREA(47 Maracanãs) = ÁREA(fungo) e ÁREA(Enseada do Botafogo) < ÁREA(fungo). Assim como na analogia de unidade, cada domínio tem apenas um objeto e apenas um atributo do domínio base é transferido ao domínio alvo.

As analogias de proporção “comparam as razões entre as grandezas de dois objetos com as de outros dois objetos ou mais. Neste caso, não se comparam os atributos, como nas analogias de número, mas relações entre os objetos de cada domínio” (RIGOLON, 2013, p. 4). Por exemplo, na analogia apresentada por Pinto (1998), se o átomo de hidrogênio fosse do tamanho de uma bola de pingue-pongue, o átomo de cálcio teria o tamanho de uma bola de handebol e o de césio, o de uma de basquete. Pela TME, PROPORÇÃO(bola de pingue-pongue, bola de handebol, bola de basquete) = PROPORÇÃO(átomo de hidrogênio, átomo de cálcio, átomo de césio). Na analogia de proporção, os atributos dos objetos não são transferidos, mas apenas a relação de proporção (Figura 15).

Figura 15. Mapeamento estrutural da analogia entre bolas e átomos. Nota: S = ‘sujeito de’, O = ‘objeto de’, M = ‘mapeamento’.

A analogia das proporções entre hidrogênio, cálcio e césio não é uma analogia estrutural, do tipo “os átomos são como bolas”, na qual os analogados possuem o formato esférico e uma ordem de tamanho como semelhança de predicados. Neste caso, o interesse na comparação entre os átomos e as bolas é meramente numérico, matematicamente chamado de razão (Figura 16). A diferença entre as duas é que a analogia estrutural proporciona a construção de um modelo mental de formato e a analogia proporcional apenas indica a proporção entre uma grandeza física, no caso, o tamanho do diâmetro.

Como o processo de elaboração de uma analogia quantitativa acaba sendo mais laborioso que o da estrutural e da funcional, por envolver relações matemáticas e, em muitos casos, a resolução de contas para encontrar a razão entre as grandezas, é necessário entendê-la como uma categoria à parte das propostas por Curtis e Reigeluth (1984).

Figura 16. Diferença entre as relações analógicas estrutural e proporcional Baseado em Rigolon (2013, p. 3).

Finalmente, a classificação proposta por Rigolon (2013), que separa as analogias em quantitativas e qualitativas, pode ser sintetizada:

1) ANALOGIAS QUANTITATIVAS: relacionadas a propriedades quantificáveis.