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4 FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

4.4 ANALOGIAS NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

Tanto a pesquisa na área da formação inicial de professores e continuada quanto na área da metodologia de ensino com analogias têm progredido bastante nas últimas quatro décadas e, pelo volume de publicações que se vê, continuam evoluindo. Observa-se que a investigação na formação de professores, uma área bastante ampla, que envolve pesquisas de toda gama metodológica e ideológica, tem colaborado muito com os avanços no uso didático da analogia e vice-versa. Há um movimento de congruência, de benefício mútuo, quando os dois assuntos se mesclam nas pesquisas.

Como as estratégias de ensino com analogias envolvem questões práticas do professor, que certamente interferem em outros aspectos de sua práxis, entender os conceitos e os procedimentos sobre analogias que os professores possuem acaba por elucidar outras particularidades também. De forma inversa, o que se sabe sobre a natureza da formação inicial de professores implica, pela ideologia, em como as analogias são utilizadas.

Dependendo de como foi sua formação inicial, a forma do professor de trabalhar com as analogias em sala de aula pode ser adequada ou não; pode ser centrada na própria explicação do professor, no livro didático ou no aluno; pode ser mais tímida ou tomar posição principal na aula; pode gerar concepções alternativas ou pode, por devida precaução, ser mais limitante; pode conturbar ou clarificar a explicação. Enfim, é nítido que o modelo de formação influencia no uso adequado da analogia para fins pedagógicos. Muitas pesquisas no ensino de Ciências, no Brasil e no mundo, têm demonstrado essa afirmação, tanto as que utilizaram a analogia para investigar a formação docente quanto o contrário. As pesquisas sobre o uso de analogias por professores (FERRAZ; TERRAZZAN, 2001; GONZÁLEZ GONZÁLEZ, 2002), pelos livros (THIELE; TREAGUST, 1992; GLYNN et al., 1994) e pelos alunos (WONG, 1993; FARIAS;

BANDEIRA, 2009) têm grande parcela no total de investigações sobre metáforas e analogias pedagógicas. Já com relação a licenciandos, o número de pesquisas é bastante reduzido, o que facilita, relativamente, traçar a história da participação das analogias dos licenciandos em sua formação inicial por meio dos principais trabalhos da área.

Em 1988, Bullough Junior (1991) iniciou algumas análises de depoimentos de licenciandos sobre suas autopercepções como educadores. Os licenciandos foram orientados a descrever por meio de metáforas como se viam como professores. A autoanálise por metáforas já era empregado para professores desde 1967, por Bandman, mas a pesquisa de Bullough Junior é uma das primeiras pesquisas (senão a primeira) sobre a produção de metáforas por licenciandos. Metaforicamente, os estudantes (pre-service teachers) pesquisados se viam como pais, jardineiros, treinadores, e cozinheiros. Três licenciandos entrevistados foram pesquisados de modo mais aprofundado e em entrevistas disseram que se viam como: lavrador que cultiva os estudantes; advogada do diabo; e lagarta que vira borboleta (metamorfose). O autor constatou que as metáforas mostravam o idealismo dos licenciandos, mas muitas vezes eram metáforas superficiais.

A metáfora e a formação inicial de professores já estavam tendendo à convergência nas pesquisas, mas ainda sem a aplicação pedagógica. O interesse pelas analogias e metáforas feitas pelos professores se intensificou na década de 90. Glynn (1991), Duit (1991), Harrison e Treagust (1994) e Dagher (1995) são grandes nomes nessa área e referências importantes até hoje.

Cachapuz e Oliveira (1990) já falavam da falta de formação adequada dos professores de ciências de Portugal sobre a utilização da metáfora e da analogia no ensino. Os autores afirmaram que os licenciandos, sem saber distingui-las, teriam problemas em utilizá-las depois em sala de aula, pois implicam em abordagens didáticas diferenciadas. Esse resultado corrobora Imbernón (2011) que afirma que o tipo de formação inicial que os professores geralmente recebem não oferece preparo suficiente para aplicar novas metodologias de ensino.

Wong (1993b), por sua vez, examinou as práticas docentes de onze secondary pre- service teachers. O pesquisador concluiu que a geração de analogias múltiplas resultava do grande entendimento dos licenciandos sobre o conteúdo, isto é, quanto mais sabiam sobre o conceito científico ensinado, mais seguros ficavam para utilizar analogias.

Jarman (1996) verificou a origem, natureza, apresentação e validade das analogias produzidas por licenciandos de Ciências durante suas aulas na disciplina Prática de Ensino em turmas da Educação Básica, nos Estados Unidos. Segundo o estudo, os licenciandos produziam suas analogias ou adaptavam ideias dos professores, negligenciavam os cuidados relativos ao

uso adequado das analogias e as consideravam como instrumentos didáticos desprovidos de qualquer efeito colateral indesejável. Em outras palavras, os licenciando não tinham instrução para o uso de analogias e nem ideia de que o mau uso pode fomentar o aparecimento ou reforço de concepções alternativas por parte dos alunos.

Em 1998, Treagust, Harrison e Venville recorreram aos licenciandos para ajudar a aprimorar um modelo de ensino com analogias, o Guia FAR. Os autores levaram as analogias encontradas por Treagust et al. (1995) para licenciados dos últimos anos do curso de Química para que fossem examinadas e tivessem levantadas suas possíveis concepções alternativas. O Guia FAR então foi introduzido, explicado e discutido. Depois, os licenciandos foram encorajados a apresentar novas analogias e utilizá-las segundo o Guia em suas aulas de estágio. A partir daí, muitos pesquisadores voltaram-se para o uso da analogia na prática docente dos licenciandos, principalmente durante as aulas de Estágio Supervisionado.

No Brasil, uma das primeiras preocupações com o uso de analogias na formação inicial de professores foi manifestada por Delizoicov (2002). A pesquisadora investigou a analogia “coração como bomba hidráulica” nos manuais utilizados pelos cursos de formação de professores de Biologia, mas, nessa pesquisa, mais preocupada com a contextualização histórica da analogia. A autora concluiu que nenhum livro fazia referência à história da analogia como, por exemplo, a influência de William Harvey nessa ideia.

Bozelli (2005), em seu mestrado, pesquisou sobre as analogias e metáforas utilizadas em aulas de Física Geral em um curso de Licenciatura em Física. A autora verificou como os licenciandos interpretam as analogias feitas pelo professor. Concluiu que as analogias são produzidas, em sua maioria, pelo professor universitário de forma espontânea, sem planejamento prévio, e que os licenciandos consideram a analogia como uma estratégia facilitadora da aprendizagem.

Rigolon e Obara (2007) levantaram as analogias usadas por licenciandos de Biologia de uma universidade do Paraná durante as aulas de Estágio Supervisionado. A composição dos dados se deu em duas etapas, intercaladas por uma intervenção pedagógica de instrumentalização sobre o uso didático da analogia. O estudo concluiu que os licenciandos não receberam nenhum tipo de instrução sobre o uso de analogia durante a graduação, tal como Cachapuz e Oliveira (1990) também afirmaram. Antes da intervenção, utilizavam analogias e metáforas em suas aulas de estágio, mas sem estruturá-las, as apresentando de forma espontânea e superficial. Após a intervenção, os licenciandos passaram a elaborar previamente analogias mais complexas e com menos induções a concepções alternativas.

Pesquisa parecida foi a de Farias, Godinho e Prochnow (2011), que investigaram o uso das analogias por estagiários de Biologia na disciplina de Ciências, no Rio Grande do Sul. Semelhantemente a Rigolon (2008), as autoras concluíram que a prática docente dos licenciandos seria melhor se conhecessem e aprofundassem o embasamento teórico das analogias na Educação.

Santana (2014) focou sua pesquisa no conceito que os docentes formadores de professores de Biologia, no Ceará, possuem sobre o potencial didático da analogia. Assim como os licenciandos das duas pesquisas citadas anteriormente, os professores universitários, apesar do uso recorrente, também não distinguem analogia de metáfora e carecem de mais informações para trabalhar o conteúdo em suas aulas na licenciatura.

Bozelli (2010) também averiguou, em seu doutorado, as analogias produzidas por licenciandos durante o Estágio Supervisionado, porém do curso de Física. A autora investigou o processo de mobilização de saberes docentes em contextos interativos discursivos de ensino de Física envolvendo analogias e seu potencial como estratégia didática. Além disso, o estudo permitiu gerar

reflexões acerca do potencial das analogias como recurso didático, possível de subsidiar o desenvolvimento de ações no campo da formação inicial de professores, investigar habilidades que os futuros professores possuem (ou deveriam possuir) visando a produção e o desenvolvimento de atividades de ensino que comportem a analogia como um recurso didático. (BOZELLI, 2010, p. 4).

De acordo com Bozelli (2010), os licenciandos de Física, por não terem instrução a respeito, utilizaram essas analogias de forma superficial, com poucas similitudes entre base e alvo, sem elaboração prévia.

Na Química, muitas pesquisas têm alcançado resultados interessantes também para a formação de professores. Freitas (2011) pesquisou o uso de analogias por licenciandos de Química, em Pernambuco, porém distinguiu uma amostra que já tinha experiência docente da outra que não possuía. De modo geral, indistintamente, o resultado seguiu o padrão das pesquisas com formação docente em outras áreas: os licenciandos fazem uso da analogia, a maioria de forma espontânea, porém sem conhecimento teórico sobre suas potencialidades e os cuidados necessários para o uso didático. A autora aponta para a necessidade de uma prática docente mais crítica-reflexiva. Silva, Souza e Silva (2013) verificaram que uma grande parcela licenciandos de Química pesquisados, também de Pernambuco, não sabe interpretar satisfatoriamente analogias contidas em livros didáticos. Logo, não discutem os limites das

analogias pictóricas. Os autores sugerem que isso seja resultado de uma lacuna curricular do curso de formação inicial.

Oliveira e Mozzer (2015) apresentam resultados interessantíssimos sobre o uso de analogias por licenciandos. A maioria das pesquisas na área apresenta resultados parecidos que mostram a falta de conhecimento teórico sobre analogia pelos licenciandos e ligam o fato à escassez ou ausência de atividades instrumentalizadoras no curso de formação inicial. As autoras, porém, vão além e concluem que nem a apresentação e discussão sobre analogia na licenciatura é o suficiente para que sejam utilizadas analogias de modo satisfatório. O estudo foi realizado com 14 licenciandos em Química de uma universidade mineira, dos quais apenas “três deles ainda não haviam passado por discussões sobre analogias” (OLIVEIRA; MOZZER, 2015, p. 1). Eles foram solicitados a elaborar uma analogia “para facilitar o entendimento de alunos da Educação Básica sobre reações químicas”. Apenas um quinto (três licenciandos) apresentou “analogias em potencial” (GENTNER, 1983). “Entre estes, apenas L2 ainda não havia passado por discussões sobre analogias. Isto nos leva a supor que este já possuía algumas das habilidades importantes para elaborá-las como imaginação, criatividade e abstração.” Por outro lado, a maior parte dos licenciandos (8), que já havia passado por discussões sobre analogias, estabeleceu comparações de mera aparência ou citou exemplos como se fosse analogia. Considerando que tais licenciandos passaram apenas por discussões teóricas sobre analogias, as autoras supõem que “um processo de formação restrito ao conhecimento teórico sobre analogias pode não ser suficiente para que os futuros professores elaborem boas analogias” (OLIVEIRA; MOZZER, 2015, p. 2).

Oliveira e Mozzer (2015, p. 2) tiveram evidências de que experimentar apenas discussões teóricas durante a formação pode não ser suficiente para que os licenciandos utilizem analogias de forma apropriada no ensino científico. As autoras acreditam que “a elaboração de analogias requer habilidades que vão além do conhecimento sobre aspectos teóricos, as quais devem ser desenvolvidas durante o processo de formação, com a prática”.

É nessa perspectiva que as atividades práticas docentes dos licenciandos durante o Estágio Supervisionado podem construir os saberes dos licenciandos sobre o uso didático da analogia. Ali está o momento em que o futuro professor pode utilizar seu conhecimento teórico sobre a analogia como estratégia didática, adaptá-la às condições de trabalho que a escola, por meio do estágio, oferece e refletir sobre sua prática para a evolução de seus saberes docentes.