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M: ABACATE TERRA

1.6 ANALOGIA NA EDUCAÇÃO

1.6.1 Modelos de ensino com analogias

Os modelos científicos têm um alto nível de abstração devido ao seu alto grau de formalização. Por isso, muitas vezes, os alunos podem encontrar dificuldades na compreensão dos mesmos. Aprender os conceitos científicos requer, portanto, aprender os modelos científicos. A analogia facilita a compreensão desses conceitos ao comparar a estrutura do modelo científico com uma estrutura já conhecida pelos alunos, isto é, ela provê uma ponte entre o que os alunos já conhecem (seus conhecimentos prévios) e o desconhecido (o que o professor deseja ensinar). Alguns investigadores, entretanto, como Duit (1991), Glynn (1991) e González González (2002), por exemplo, receiam que essa ponte tenha uma qualidade evasiva que conduza aos que a atravessam por caminhos laterais que interfiram na chegada ao destino esperado.

González González (2002, p. 65) enfatiza que “la simple presentación de las analogias es insuficiente para conseguir la construcción teórica del tópico”. Como todas as analogias apresentam limitações, o professor sempre deve apontar aos alunos onde a analogia não funciona para evitar, assim, erros conceituais.

Duit (1991) e Glynn (1991) também advertem que as analogias, se mal-empregadas, podem sugerir ou reforçar falsas associações e levar os alunos a desenvolver erros conceituais. Para evitar que a analogia falhe em explicar um conceito novo ou elucidar um conceito errado ou, como efeito colateral, venha a produzir conceitos errôneos impregnados da comparação, estudos qualitativos (GLYNN, 1991; WONG, 1993a; 1993b; GLYNN et al., 1994; GALAGOVSKY; ADURIZ-BRAVO, 2001, NAGEM; CARVALHAES; DIAS, 2001) têm desenvolvido e testado algumas formas sistematizadas de se usar as analogias para fins de aprendizagem, assim como para delimitar algumas dificuldades e limitações de seu uso. O mais importante desses estudos é a caracterização das mudanças que podem ser introduzidas para melhorar sua validez didática.

No intuito de ajudar o professor quanto à contextualização dos conteúdos científicos, a proposta de uso de analogia dentro de uma metodologia própria permite um redimensionamento da função atribuída à memória no entendimento e assimilação de conceitos, na medida em que a observação, a reflexão e o raciocínio analógico podem substituir, em parte, a atividade de memorização do aluno.

Duarte (2005) agrupa os modelos de ensino que utilizam analogia em três tipologias, de acordo com a estratégia que privilegiam: modelos centrados no professor, modelos centrados no aluno e modelos centrados no professor e no aluno.

Os modelos centrados no professor são os mais variados. Zeitoun (1984) foi o primeiro a elaborar uma série de ações coordenadas e sequenciais para utilizar a analogia numa situação de ensino e de aprendizagem. O autor apresentou o General Model of Analogy Teaching (GMAT), um modelo no qual o professor deve ter em conta a conveniência e as características da analogia, o modo como a apresentará e a avaliação do resultado. Constituem o GMAT, nove etapas circulares, isto é, ao final da nona, pode-se recomeçar pela primeira:

1ª) Percepção das características dos alunos (opcional): refere-se ao conhecimento dos alunos e depende do tempo e dos recursos para ser considerado;

2ª) Acesso sobre o conhecimento prévio do alvo: essencial pra averiguar o que os alunos já conhecem;

3ª) Análise do material de ensino do alvo: se o material utilizado não já não tiver analogias, o professor deve desenvolvê-las;

4ª) Julgar a conveniência da analogia: verificar que analogias estão dispostas e escolher as que contiver mais semelhanças (maior estrutura analógica) entre base e alvo;

5ª) Determinar as características da analogia: evidenciar as semelhanças entre alvo e análogo;

6ª) Selecionar a metodologia e o meio de apresentação: escolher como a analogia será apresentada (por exemplo, uma exposição-dialogada);

7ª) Apresentar a analogia: etapa comum à aprendizagem geral;

8ª) Avaliar os resultados: verificar se os alunos entenderam de fato a analogia; 9ª) Revisar as etapas: verificar se houve falhas.

Para González González (2002), o GMAT possui algumas limitações. O autor alega que o modelo é demasiado pragmático, carece de bases teóricas e não enfatiza tanto quanto deveria a importância do conhecimento prévio dos alunos.

Outro ponto importante ausente na sequência de etapas do GMAT de Zeitoun (1984) foi a limitação da analogia, isto é, os pontos dissemelhantes entre base e alvo em que o professor deve considerar para que os alunos não extrapolem o número de atributos e relações comparadas. Pensando nisso, Glynn (1989) elaborou o modelo Teaching With Analogies (TWA), reformulado por Glynn et al. (1994). Com base em análises de livros didáticos e de professores de Ciências, este modelo de ensino foi desenvolvido para evitar o uso inadequado de analogias no ensino de Ciências. Glynn et al. (1994) estabeleceram seis passos para o TWA: 1º) Introduzir o assunto alvo: fazer uma explicação introdutória, breve ou estendida, dependendo da analogia que será usada;

2º) Sugerir o análogo: sugerir aos alunos uma situação análoga, verificar se o análogo proposto lhes é familiar, podendo também aceitar sugestões de análogos dos alunos;

3º) Identificar as características relevantes do análogo: explicar o análogo, se necessário, e identificar suas características relevantes;

4º) Mapear similaridades entre análogo e alvo: os alunos devem estabelecer as correspondências entre o alvo e o análogo, auxiliados pelo professor;

5º) Estabelecer as diferenças: procurar por conceitos alternativos que os alunos possam ter desenvolvido e indicar onde não há correspondência entre os dois domínios, para desestimular conclusões incorretas sobre o alvo.

6º) Esboçar conclusões: fazer a atenção voltar totalmente para o alvo, resumindo seus aspectos ensinados.

Ferraz e Terrazzan (2003, p. 215) advertem que se o professor desenvolver “somente algum desses passos, deixando outros a cargo dos estudantes, é possível que estes venham a

desenvolvê-los pobremente. O resultado pode ser a formação ou a manutenção de concepções alternativas sobre o assunto ensinado”.

Harrison e Treagust (1994) e Nunes, Ferraz e Justina (2007) ressalvam que enquanto a observância de cada passo é importante, a ordem em que são usados depende do estilo de cada professor, das particularidades de cada conceito científico e das características do análogo que está sendo usado.

Indo um pouco mais além nos cuidados a serem tomados no uso da analogia, destaque também deve ser dado ao Modelo de Ensino Com Analogias (MECA), apresentado por Nagem, Carvalhaes e Dias (2001). A metodologia do MECA é semelhante à do TWA, mas com alguns itens a mais. A analogia neste caso deve ser apresentada na seguinte ordem de etapas resumidas (FIGUEROA; NAGEM; CARVALHO, 2003): definição da área de conhecimento; definição do assunto; definição do público; identificação do análogo; estabelecimento do alvo; descrição da analogia; identificação de semelhanças e diferenças; reflexões; e avaliação.

Treagust et al. (1995) avaliaram o modelo TWA e concluíram que, apesar da aparente elegância do modelo de Glynn, os professores regularmente esquecem-se de implementar um ou dois passos. Isso é compreensível levando em conta a dinâmica cotidiana de uma sala de aula cheia de interrupções e imprevistos. Em outras palavras, segundo os autores, os modelos baseados em passos são adequados para orientar o uso das analogias pelos professores de forma teórica, mas são pouco práticos. Baseado em uma série de pesquisas, os autores propuseram o Guia FAR (FAR guide: Focus-Action-Reflection) – Foco-Ação-Reflexão –, ampliado por Harrison e Treagust (2006), constituído por três estágios:

Foco pré-aula (Pre-Lesson Focus): Conceito: O conceito é difícil, não familiar ou abstrato? Estudantes: Quais ideias os estudantes já possuem sobre o conceito? Experiência: Que experiências familiares os estudantes têm que possam ser usadas?

Ação na aula (In-Lesson Action): Mapeamento das semelhanças: Checar a familiaridade do estudante com o análogo. Discutir os pontos em que o análogo é similar ao alvo. As ideias são características superficiais ou relações profundas? Mapeamento das diferenças: Discutir onde o análogo é diferente do alvo.

Reflexão (Reflection): Conclusões: A analogia foi clara e útil ou confusa? Melhorias: Que mudanças são necessárias para a próxima lição? Que mudanças são necessárias na próxima vez que se usar essa analogia?

Outros autores também procuraram não esmiuçar passo a passo a aplicação de uma única analogia para o ensino de um conceito científico, mas entender como uma série de analogias podem se coadunar sucessivamente para a explicação de conceitos mais complexos.

Spiro et al. (1989) propuseram o Modelo das Analogias Múltiplas, que integra, na abordagem ao tema em estudo, analogias múltiplas interligadas, em que cada uma delas é elaborada a partir da anterior.

A nova analogia é escolhida para corrigir os aspectos negativos das analogias anteriores. Quando a última analogia é apresentada, muitos dos aspectos essências do tópico já foram discutidos, levando a uma compreensão mais substancial de um domínio-alvo com plexo do que a que teria sido possível se fosse usada apenas uma analogia. (FABIÃO; DUARTE, 2006, p. 31).

De modo similar, Brown e Clement (1989) propõem o Modelo das Analogias de Aproximação (Bridging Strategy). O modelo consiste em estabelecer um raciocínio analógico entre situações que não são vistas pelos alunos como análogas, aproveitando-se de suas intuições para chegar ao conceito científico por meio de uma série de analogias intermediárias, cada uma delas elaborada com base na anterior.

Segundo Duarte (2005), essas duas últimas abordagens partem do mesmo princípio - o aperfeiçoamento de cada analogia a partir da que a precede. No entanto, com as analogias múltiplas (SPIRO et al., 1989) pretende-se corrigir, em cada nova analogia, aspectos negativos da anterior, enquanto que nas analogias de aproximação (BROWN; CLEMENT, 1989) há a necessidade de escolher as analogias intermediárias em função das intuições dos próprios alunos. A autora refere ainda fatores que podem justificar um eventual insucesso desses modelos, como a existência de um conceito prévio que entre em choque com o novo e a dificuldade em se encontrar propriamente as analogias de aproximação ou intermediárias.

Os modelos de ensino com analogias centrados nos alunos são poucos. O mais representativo é o Modelo das Analogias Produzidas pelos Alunos (Self-generated analogies) desenvolvido por Wong (1993a). Esse modelo se baseia no princípio de que os alunos, em vez de serem receptores das analogias vindas do professor, devem ser instigados a criar, a aplicar, a avaliar e/ou a alterar a analogia produzida.

O modelo compreende um conjunto de quatro etapas (DUARTE, 2005): 1ª) explicação do fenômeno em estudo; 2ª) concepção de analogias que permitam compreender o fenômeno; 3ª) aplicação da analogia ao fenômeno, apontando as semelhanças e diferenças; 4ª) avaliação da adequação das analogias propostas.

Duarte (2005) aponta vantagens e desvantagens do modelo de Wong (1993a). Vantagens: os alunos podem trabalhar em contexto diferente da situação de resolução de problemas; as questões são mais interessantes e relevantes para os alunos; os alunos poderão identificar, confrontar e trabalhar os seus conhecimentos prévios com a mínima intervenção do

professor. Desvantagens: a dificuldade em selecionar uma fonte análoga; uma insuficiente compreensão do domínio desconhecido; e a incorporação no domínio alvo de concepções alternativas presentes no domínio conhecido. Salih (2008, p. 165) faz uma dura crítica ao modelo de Wong (1993a) afirmando que “Wong’s model, however, was based on an incomplete or poorly organised background knowledge that was not domain specific and also of the problem solving type”.

Considerando as limitações do modelo de Wong (1993a), Salih (2008) elabora um modelo mais completo para que o próprio aluno desenvolva raciocínios analógicos. O seu Self-

Generated Analogical Reasoning Model (SGAR) é dividido em três fases: Fase de Recepção,

Fase de Interação e Fase Emergente. Na primeira fase, o aluno toma conhecimento do conceito científico novo, isto é, o conceito alvo. Na segunda fase, a autora dá grande importância às emoções do aluno, alegando que sensações ruins desmotivam-nos a produzirem analogias e que os bons sentimentos estimulam-nos. Nessa fase, é importante que os alunos desenvolvam analogias pictóricas, produzindo desenhos, acompanhadas da explicação verbal. Assim, ficaria mais fácil estabelecer as correspondências entre o alvo e a base. Outro fator bastante importante nesta fase é a interação social entre os alunos, que acabariam discutindo suas representações e comparações, permitindo argumentações e reanálises de suas ideias. Conhecidas então as semelhanças e discrepâncias entre os analogados, os alunos partem para a terceira fase, em que apresentam seus resultados. Nessa fase, os alunos podem, se acharem pertinente, construir em conjunto outra analogia para complementar ou corrigir a anterior, semelhantemente ao modelo de Spiro et al. (1989). O professor deve encorajar seus alunos a refletir sobre suas analogias e pensar criticamente sobre seus argumentos.

The process of matching seemed to encourage the students in the cognitive, metacognitive and critical and creative processes of ‘remembering’, ‘initiating’, ‘speculating’, ‘reflection’, ‘awareness’, manipulation’, ‘modification’, creation’, ‘evaluation’ and such before they made the final decision. This continuous process of matching (between features of the ‘source’ concept and the sub concepts of translation) probably enabled the students to deeply understand the ‘target’ concept and thus, retain in their mind for future retrieval. (SALIH, 2008, p. 174).

As limitações naturais do modelo de ensino com analogias centrado no aluno fez com que outros pesquisadores desenvolvessem modelos centrados no professor e no aluno, abarcando os elementos efetivos das duas tipologias anteriores e privilegiando a interação entre os mesmos durante o processo de ensino e de aprendizagem.

Cachapuz (1989 apud FABIÃO; DUARTE, 2006) propõe o Modelo de Ensino Assistido por Analogias que, basicamente, apresenta-se, inicialmente, como o modelo centrado no professor e, depois, quando os alunos já estão devidamente familiarizados com o novo conceito e com o modo de se fazer analogia, põe-se em prática o modelo centrado no aluno. Na verdade, são dois modelos distintos aplicados em sequência.

O Modelo Didáctico Analógico (MDA) de Galagovsky e Aduriz-Bravo (2001) é um exemplo mais recente e mais elaborado, no qual o aluno elabora as analogias e dialoga com o professor que conduz as etapas de ensino. No MDA há quatro momentos diferentes para a apresentação das analogias:

1º) Momento anedótico: momento em que os estudantes entendem a situação analógica proposta pelo professor.

2º) Momento de conceptualização: momento em que o professor apresenta a informação proveniente da Ciência erudita, no formato de um texto ou de uma exposição, e permite que os estudantes levantem hipóteses que relacionem o análogo com a linguagem científica, por meio de suas semelhanças e diferenças.

3º) Momento de correlação conceitual: neste momento os estudantes analisam a situação do cotidiano e o conteúdo escolar e estabelecem relações e comparações, elaboram a suas analogias.

4º) Momento de metacognição: momento em que os estudantes refletem e tomam consciência sobre os conceitos novos que devem aprender. Esta etapa requer uma análise rigorosa por parte deles, a fim de que consigam explicar os processos pelos quais elaboraram a analogia.

Em todos os modelos propostos até o momento, independentemente se o foco está na elaboração da analogia feita pelo professor, pelo aluno ou por ambos, o que se observa é o desejo de se estabelecer parâmetros para um uso seguro das analogias para o ensino de conceitos científicos. A determinação de passos, etapas, fases ou momentos para sistematizar o uso das analogias é, em resumo, uma necessidade percebida por todos os investigadores da área de Ensino de Ciências que se debruçam sobre esse tema. Em todos os casos, dá-se uma grande importância para três itens indispensáveis a qualquer modelo de ensino com analogia: i) uso de um análogo familiar à maioria dos alunos; ii) identificação explícita dos atributos partilhados pelo alvo e pela base, seja pelo professor ou pelos alunos; iii) as diferenças entre alvo e base devem ser identificadas para evitar o aparecimento de erros conceituais.