• Nenhum resultado encontrado

M: ABACATE TERRA

1.3 ANALOGIA E CONCEITOS CORRELATOS

1.3.3 Analogia, símile, metáfora e alegoria

“Quando aplicada aos aspectos do universo muito além das condições costumeiras na Terra, quase toda palavra é uma metáfora. A ciência é ao mesmo tempo criadora e consumidora de metáforas e não faz sentido nenhum sem milhares delas” (PRIMACK; ABRAMS, 2008, p.

25). Adequadamente, citando Holton (1984, p. 102), Dagher (1995, p. 295) inicia sua fala sobre analogias no ensino dizendo que “metaphors do not carry with them clear demarcations of the areas of their legitimacy. They may be effective tools for scientists, but pathetic fallacies for students”.

A metáfora é uma figura de linguagem em que um significado é transposto para outro campo, de modo implícito, subjetivo. Segundo Sardinha (2007, p. 16), “as metáforas são o instrumento que possuímos para criar novo conhecimento ou para dar conta de algo novo na ciência ou no cotidiano”.

Por exemplo, quando os sistemas operacionais de computador passaram a dispor de recursos gráficos, as partes da tela do computador que mostravam os programas passaram a ser chamadas de ‘janelas’. [...] janela é um bom nome porque é metafórico. Reflete nossa experiência acumulada com as janelas de verdade. (SARDINHA, 2007, p. 16).

Cabe a quem ouve ou lê as metáforas saber, de acordo com o contexto, quais predicados estão sendo transferidos. O entendimento dessas comparações implícitas depende inclusive da sensibilidade, do estado de espírito, da experiência e de vários outros fatores (GUIMARÃES; LESSA, 1988). Entretanto, as significações de uma metáfora possuem um repertório limitado, justamente para que sejam coerentes. Esses significados implícitos fazem parte do acervo mental de cada pessoa, mas desde que se faça inteligível a outras pessoas. Segundo Sardinha (2007), as metáforas são culturais. Diz-se, por exemplo, “economizar tempo” porque na cultura capitalista ocidental, tempo e dinheiro são coisas preciosas. Não há liberdade de conceituar tempo como se bem entenda. Não se poderia normalmente dizer algo como “descascar tempo”, sugerindo uma metáfora como o tempo é uma fruta.

“Vivemos de acordo com as metáforas que existem na nossa cultura. Praticamente não temos escolha: se quisermos fazer parte da sociedade, interagir, ser entendidos, entender o mundo etc., precisamos obedecer às metáforas que nossa cultura nos coloca à disposição” (SARDINHA, 2007, p. 30). As metáforas refletem a ideologia e o modo de ver o mundo de um grupo de pessoas, construídos em determinada cultura.

Os estudos das influências das metáforas no cotidiano são antigos. Têm início na Grécia Antiga com os grandes filósofos. A primeira definição de metáfora veio de Aristóteles, no séc. IV a.C. O filósofo grego afirmou, na sua obra Arte Poética, que “a metáfora é a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para outra, por via da analogia” (BRITTO, 2008, p. 120). Atualmente, Houaiss (2009) a define como uma “designação de um objeto ou qualidade

mediante uma palavra que designa outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança”. Segundo Guimarães e Lessa (1988, p. 9), é uma figura de palavra “em que um termo substitui outro em vista de uma relação de semelhança entre os elementos que esses termos designam”.

Dagher (1995) procura não fazer distinção entre modelo, metáfora e símile, conotando-os, com a analogia, numa família de similaridades. Na Psicologia Cognitiva, Lakoff (1993) trata a respeito do pensamento metafórico como pensamento analógico indistintamente. De fato, em termos de cognição, metáfora e analogia são processados da mesma forma. Sua distinção se dá durante o discurso, textual ou oral. Enquanto a analogia é uma comparação explícita e mais elaborada, a metáfora é mais simples (DUARTE, 2005; BOZELLI; NARDI, 2005). Segundo Rigolon (2008, p. 35), “a metáfora é mais sintética, subjetiva e implícita e a analogia é mais sistemática, complexa, explícita e menos subjetiva. [...] Metáforas são meramente citadas, enquanto analogias podem ser mais elaboradas e atingir um objetivo diferente.”.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) consideram a metáfora como uma analogia condensada, obtida pela fusão entre o alvo e a base. Para Gilbert (1989), enquanto a analogia funciona na base A está para B assim como C está para D, a metáfora sugere a fórmula A é C. Por exemplo, “a crosta é para a Terra o que a casca é para o abacate” é uma analogia, enquanto “a crosta é a casca da Terra” é uma metáfora.

Já a símile possui a estrutura da metáfora, mas conectivos comparativos (e.g., como, feito, que nem, assim como, tal, tal qual, qual, etc.) ou expressões de sentido comparativo (e.g., é semelhante a, assemelha-se a, da mesma forma que, parece, etc.) (GUIMARÃES; LESSA, 1988). A fórmula da símile é A é como C. A comparação acima como uma símile seria “a crosta é como uma casca” ou “a Terra é como um abacate”. A símile é uma analogia que não mostra suas relações analógicas. Não se sabem quais características estão sendo comparadas na símile e na metáfora (Figura 6).

Figura 6. Comparações com exemplos ordenadas pelo grau de explicitação.

De acordo com Oliva (2004),

en el símil se mencionan los dos sistemas que se comparan, pero no se especifican detalles acerca de cuáles son los elementos de cada uno que se relacionan. No se llegan a emparejar de forma explícita todos los elementos del objeto y del análogo para hacer más clara la comparación. Parte de la analogía queda en forma tácita. (OLIVA MARTÍNEZ, 2004, p. 23).

A metáfora tem andado de mãos dadas com a analogia desde o surgimento de ambas como objeto de estudo na Grécia Antiga. A analogia sempre tendeu a ser usada mais em textos científicos e contextos técnicos e a metáfora usada mais em contextos literários (DUIT, 1991). Durante a história da humanidade, a metáfora veio sendo objeto de investigação na Semântica, Linguística, Filosofia, Retórica e Psicologia.

A palavra metáfora vem do latim metaphora, que por sua vez vem do grego metaphorá, com o sentido de “mudança, transposição” (HOUAISS, 2009). O primeiro estudioso da metáfora foi Aristóteles, que, no séc. IV a.C., na sua obra Arte Retórica declarou que não havia ninguém que na conversação corrente não se servisse de metáforas. Britto (2008) constatou que Aristóteles estava consciente da metáfora no dia a dia, mas preferia destacar a literatura como fonte predominante de metáforas, ressaltando a poesia. Segundo o autor, Aristóteles afirmou que a metáfora é um espelho da estética, da arte do bem-falante de linguagem nobre.

A ideia de que a metáfora é uma elipse da analogia (BRETON, 2003) ou uma analogia condensada (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005) é vista por Aristóteles justamente

ao contrário. Segundo Ricoeur (2005 apud FOSSILE, 2010), Aristóteles não tinha como propósito explicar a metáfora pela comparação; mas a comparação pela metáfora.

Para Aristóteles, o fato do termo de comparação não se fazer presente na metáfora não quer dizer que a metáfora seja uma comparação abreviada, mas se dirá o contrário: a comparação é uma metáfora desenvolvida. (...) Já, ao realizar estudos referentes à aproximação da metáfora com a comparação, Aristóteles percebe certa superioridade da metáfora sobre a comparação, pelo fato da metáfora ser entendida e julgada como sendo mais agradável, mais elegante e predicativa ao ser equiparada à comparação. (RICOEUR, 2005

apud FOSSILE, 2010, p. 3).

Se considerar-se a metáfora apenas como a substituição de um termo por outro, Fossile (2010) afirma que, então, a informação fornecida pela metáfora é nula; logo, a metáfora tem apenas valor ornamental e decorativo. De lá para cá, a metáfora aristotélica assim foi vista.

Foi na década de 1930 que I. A. Richards desenvolveu pesquisas sobre a metáfora e, de meramente nominal, elevou-a a um plano verbal. Logo, essa nova definição de retórica influenciou sobre a visão da metáfora. Por meio da sua Teoria da Interação, Richards sustentava que a metáfora conserva dois pensamentos diferentes ao mesmo tempo, resultando, desse modo, uma significação da interação desses dois pensamentos. Foi ele também quem introduziu o caráter binário da metáfora (FOSSILE, 2010). Dividiu o enunciado metafórico em conteúdo (tenor) e veículo (vehicle). É a presença simultânea do conteúdo e do veículo e sua interação que dão origem à metáfora; desde então o conteúdo não permanece imutável, como se o veículo fosse apenas uma vestimenta, um ornamento. Para Fossile (2010), um dos fatos mais notáveis do estudo desenvolvido por Richards foi a percepção de que a metáfora não era apenas a troca ou substituição ou deslocamento de palavras, mas a interação de pensamentos.

Black (1962) foi além de Richards ao compreender a metáfora não mais como um mecanismo puramente linguístico. O autor mostrou que a metáfora é um modo diferente de organizar a realidade, sendo, assim, um processo cognitivo. É o que Lakoff (1993) chama de metáfora conceitual. É uma maneira convencional de conceitualizar um domínio de experiência em termos de outro, normalmente de modo inconsciente. Sardinha (2007, p. 23) afirma que a “metáfora é uma representação mental. Ela é cognitiva (existe na mente e atua no pensamento). Sendo assim, é abstrata. [...] sabemos que ela existe, pois toma forma na fala e na escrita por meio de expressões metafóricas”.

Lakoff e Johnson (2002) ampliam essa concepção da metáfora. Para eles, não só o pensamento é metafórico, mas também o agir. Por exemplo, quando se está numa discussão, ataca-se ou defende-se alguém com afirmações que supostamente esperam-se serem

indefensíveis. Britto (2008, p. 123) exemplifica afirmando que “isso é muito comum na época eleitoral, tendo em vista que o léxico relacionado à guerra aparece com mais facilidade, transparecendo as reações dos candidatos diante do ato de ganhar ou perder uma discussão num debate político”.

Nos discursos, quando a ideia metafórica é mais ampla e rica em detalhes, o que se tem é uma alegoria. Alegoria vem do latim allegoria, que por sua vez vem do grego allegoría, que significa “outra fala” (MACHADO, 1991; HOUAISS, 2009). Em uma forma resumida, na alegoria fala-se x para dizer y. A alegoria é um modo de expressão ou interpretação que consiste em representar pensamentos, ideias, qualidades sob forma figurada. Em termos didáticos, segundo Oliveira (2005), alegorias são expressões lúdicas ou artísticas utilizadas para representar conteúdos didáticos, cujos elementos concretos são representações do objeto.

Na Filosofia, a alegoria é um texto escrito de maneira simbólica, com intuito de apresentar tropologicamente ideias e concepções intelectuais (HOUAISS, 2009). Machado (1991, p. 79) entende a alegoria como “metáforas continuadas ou como cadeias de metáforas”. Isso é verificável na Alegoria da Caverna, da obra “A República” de Platão (séc. IV a.C.), onde cada detalhe do conto tem uma correspondência com outra ideia. Nela, há o diálogo em que Sócrates pede que Glaucon imagine homens acorrentados dentro de uma caverna de modo a poderem ver apenas sombras do que se acontece no mundo exterior projetadas na parede. Acompanhadas a essas sombras estão os sons emitidos do lado de fora. A alegoria fala sobre a possibilidade de se libertar das correntes e conhecer o mundo do lado de fora da caverna, mesmo que a luminosidade cegasse nos primeiros instantes os seus olhos. Platão continua dizendo que se o liberto voltasse à caverna e contasse o que viu aos acorrentados, seria desacreditado e possivelmente assassinado. Queirós (2008) explica que, segundo Platão: a caverna é o mundo visível; a luz da fogueira em seu interior é o sol; a saída para o mundo exterior é a ascensão da alma à esfera inteligível; o sol é a forma do Bem; os olhos, a inteligência; a visão, o conhecimento, e os objetos visíveis fora da caverna são as Formas platônicas, o verdadeiro objeto do conhecimento.

A Alegoria da Caverna também é chamada de Parábola da Caverna, pois é apresentada na forma de uma narrativa. As parábolas são mais indiretas que as alegorias. São comumente lembradas como algumas narrativas dos livros do Evangelho utilizadas para ensinamentos morais e religiosos (HOUAISS, 2009).

A alegoria pode ser chamada também de mito, quando a interpretação é algo para a posteridade. As fábulas também são um tipo de alegoria na qual a narrativa tem animais como personagens que ilustram um preceito moral. Tanto alegoria como parábola, mito ou fábula

acabam sendo contos que, cada qual do seu modo, apresentam como característica básica o sentido figurado em contraposição ao literal, as comparações implícitas tendo por base analogias ou relações estruturais (MACHADO, 1991).

A alegoria, a fábula e a parábola estão destinadas a inculcar um comportamento melhor, diferentemente do modelo. No entanto, segundo Machado (1991, p. 84), a fábula e a parábola são mais textuais enquanto as alegorias podem “extrapolar o discurso argumentativo ou os limites do verbal, assumindo formas múltiplas como a pintura, a escultura ou a pantomima”.

Machado (1991) examina o uso de alegorias utilizadas na Matemática com o exemplo da Alegoria do Hotel Infinito para pensar-se o conjunto dos números naturais da aritmética transfinita de Cantor. A história que se segue é devida ao matemático David Hubert (séc. XIX) e descrita por Hans Freudenthal (1975).

Certo hotel tem uma infinidade de quartos numerados: l, 2, 3, ... Esse hotel está hoje completamente cheio. No fim da tarde, chega mais um hóspede. — Lotado — diz o porteiro. — Não importa — diz o gerente — o hóspede do quarto l passa para o 2, este do 2 vai para o 3, o do 3 para o 4 e assim por diante, de modo que o novo hóspede pode entrar no quarto l, vazio.

Mais tarde, porém, chegam outros 1.000 novos hóspedes. — Lotado — diz o porteiro. — Não importa — diz o gerente — o hóspede do quarto l vai para o 1001, o do 2 para o 1002, e assim por diante e os novos hóspedes podem entrar livremente nos quartos de l a 1000.

Subitamente, aparecem pessoas em número infinito: senhores Al, A2, A3,... — Lotado — diz o porteiro. — Não importa — diz o gerente — nós mandamos o hóspede do quarto l para o quarto 2, o do quarto 2 para o 4, o do 3 para o 6, cada um para o quarto com o número dobrado, e então as pessoas Al, A2, A3... podem ser acomodadas como hóspedes nos quartos l, 3, 5,... (FREUDENTHAL, 1975 apud MACHADO, 2008, pp. 88-89).

Para Machado (2008), com algumas adaptações, naturalmente, a Alegoria do Hotel Infinito pode ser empregada na compreensão do fato de o conjunto dos números racionais ser enumerável, como poderia sê-lo para a percepção da não enumerabilidade do conjunto dos números reais.