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5 OBJETIVOS E DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

5.1 PROBLEMATIZAÇÃO E OBJETIVOS

5.2.1 Pesquisa qualitativa

A metodologia desta pesquisa, como é a da maioria das pesquisas em Educação atualmente, baseia-se em princípios filosófico-epistemológicos de natureza qualitativa. Talvez não fosse tão importante discorrer sobre os métodos qualitativos, uma vez que tais processos há tempos estão arraigados no cerne das pesquisas sociais e efetivamente consolidadas como ferramentas ideais para a recolha e o tratamento de informações mais aprofundadas sobre conceitos e procedimentos humanos (FLICK, 2009), mas esta modalidade de pesquisa ainda é vista por cientistas de formação mais positivista e/ou circunscrito ao pensamento quantitativo das Ciências Exatas e Naturais como inferior à pesquisa quantitativa. “Alguns autores entendiam medida como sinônimo de ciência, e tudo o que saísse deste registro era considerado suspeito” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 64).

A pesquisa quantitativa é vital para outras áreas do conhecimento e até chegou a ser aplicada nas Ciências Humanas, numa tentativa de equipará-las às outras ciências. O método quantitativo adota uma orientação que aceita a conduta humana como decorrente de fatores,

internos e externos que atuam sobre as pessoas, gerando determinados resultados. Esses fatores poderiam ser estudados não somente pelo método experimental, mas também por levantamentos amostrais. Essa visão é chamada de Positivismo (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2004).

Os estudos orientados pela doutrina positivista são influenciados, inicialmente, pela abordagem das Ciências Naturais, que postulam a existência de uma realidade externa que pode ser examinada com objetividade, pelo estabelecimento de relações causa-efeito, a partir da aplicação de métodos quantitativos de investigação, que permitem chegar a verdades universais. Dessa forma e sob essa ótica, os resultados das pesquisas são reproduzíveis e passíveis de generalização (TERENCE; ESCRIVÃO FILHO, 2006).

Compreende-se o Positivismo como uma combinação do Empirismo com a Lógica: a matemática estabelece as regras da linguagem a priori e o conhecimento empírico obtém-se pela observação e pelo raciocínio indutivo (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2004). Os positivistas, com sua metodologia puramente quantitativa, defendem a verificabilidade dos enunciados científicos e o estabelecimento de relações lógicas entre os mesmos, impondo um critério ideal de agir e pensar, isto é, um caráter normativo (TERENCE; ESCRIVÃO FILHO, 2006).

No início da década de 1960, o filósofo estadunidense Thomas Kuhn, apresenta uma discussão na qual mostra o esgotamento do paradigma positivista, o que dá mais força a abordagens de pesquisa diferentes da positivista. Desse modo, abriu-se espaço para o uso de técnicas qualitativas na geração de conhecimento (TERENCE; ESCRIVÃO FILHO, 2006).

A pesquisa qualitativa, inicialmente usada em Antropologia e Sociologia, começou então a ser incorporada em outras áreas. Na década de 1980, as pesquisas das Ciências Sociais e Humanas e, especialmente em Educação, em decorrência disso, modificaram-se. O que antes era dominado por questões de mensuração, definições operacionais, variáveis, teste de hipóteses e estatística “alargou-se para contemplar uma metodologia de investigação que enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo das percepções pessoais” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 11). Esta abordagem é a Investigação Qualitativa.

Os dados recolhidos são chamados de ‘qualitativos’, “o que significa ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 16). Favorece-se, essencialmente, compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação. Os dados são recolhidos em decorrência de um aprofundado contato com os indivíduos em seus contextos naturais (BOGDAN: BIKLEN, 2004; TERENCE; ESCRIVÃO FILHO, 2006).

Segundo Flick (2009), a pesquisa qualitativa é de particular relevância ao estudo das relações sociais devido à pluralização das esferas de vida que exige uma nova sensibilidade para o estudo empírico das questões. A pesquisa está cada vez mais obrigada a utilizar-se das estratégias indutivas. Para Bardin (2011), a pesquisa qualitativa é válida, sobretudo, na elaboração das deduções específicas sobre um acontecimento ou uma variável de inferência precisa, e não em inferências gerais.

Resumidamente, a investigação qualitativa pode ser caracterizada por algumas condições próprias (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2004; BOGDAN; BIKLEN, 2004, FLICK, 2009):

i) a fonte de pesquisa é o ambiente natural: é muito importante a presença do investigador no campo de pesquisa. Lá, o contexto faz toda a diferença. O comportamento humano é significativamente influenciado pelo contexto sociocultural em que ocorre.

Os objetos não são reduzidos a simples variáveis, mas sim representados em sua totalidade, dentro de seus contextos cotidianos. Portanto, os campos de estudo não são situações artificiais criadas em laboratório, mas sim práticas e interações dos sujeitos na vida cotidiana. (FLICK, 2009, p. 24).

ii) a investigação qualitativa é descritiva: os dados são palavras e imagens (transcrições, fotos, vídeos, desenhos) e não números. “A palavra escrita assume particular importância na abordagem qualitativa, tanto para o registro dos dados como para a disseminação dos resultados” (BOGDAN; BIKLEN, 2004, p. 49). Os dados qualitativos são essencialmente significativos. “Eles não incluem contagens e medidas, mas sim praticamente qualquer forma de comunicação humana – escrita, auditiva ou visual; por comportamento, simbolismos ou artefatos culturais” (GIBBS, 2009, p. 17).

iii) interessa-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados.

iv) a análise dados é mais indutiva: parte-se de dados particulares e, por meio de uma sequência de operações cognitivas, chega-se a leis ou conceitos mais gerais. Não se recolhem dados com o intuito de confirmar ou refutar hipóteses prévias. Pelo contrário, as abstrações são construídas à medida que os dados recolhidos agrupam-se. O investigador não se presume conhecedor das questões importantes antes de efetuar sua investigação.

v) importância vital do significado: interessa-se no modo como as pessoas dão sentido às suas atividades, isto é, o ponto de vista do informador. O objetivo é perceber o que os sujeitos da investigação experimentam, como interpretam suas experimentações e como estruturam o mundo em que vivem. “A pesquisa qualitativa leva em consideração que os pontos

de vista e as práticas no campo são diferentes devido às diversas perspectivas e contextos sociais a eles relacionados” (FLICK, 2009, p. 24).

A metodologia quantitativa e a qualitativa, em pesquisas de Ciências Sociais, são, por sua natureza, bem distintas, praticamente opostas. Em quase todos os pontos, do início ao fim de uma pesquisa, elas se diferem. Terence e Escrivão Filho (2006) sintetizam essas diferenças, apresentadas também por Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2004) (Quadro 7).

Apesar de todos os mecanismos de controle metodológico, a pesquisa qualitativa acaba sendo alvo de críticas dos pesquisadores quantitativos positivistas. Como envolve relações humanas, das quais fazem parte, por exemplo, o próprio pesquisador, “torna-se muito difícil evitar a influência dos interesses e da formação social e cultural na pesquisa e em suas descobertas” (FLICK, 2009, p. 22). Esses fatores influenciam desde a formulação das questões iniciais e, principalmente, na interpretação dos dados.

Segundo Peruzzo (2009, p. 142), ao mesmo tempo em que o investigador pode interferir no grupo pesquisado, ele se torna receptáculo de influências, estando sujeito a transpor um subjetivismo que poderia comprometer o estudo. “Apesar de todos os cuidados esse fator é um dos pontos duramente criticados, justamente por ser considerado transgressor dos princípios da neutralidade e, consequentemente, comprometedor dos resultados. Por isso, esse tipo de pesquisa é difícil de ser realizada.”

O que se poderia considerar, no entanto, como um empecilho à pesquisa científica ‘pura’, no entanto, acaba por ser parte não mais velada do processo da produção de conhecimento. O que nas Ciências Exatas e Naturais não leva em consideração, como a influência da formação, dos desejos e da ideologia do pesquisador, na leitura dos resultados e até na metodologia, as Ciências Sociais as tornam explícitas e até necessárias. Enquanto com os métodos quantitativos, evita-se a interação entre investigador e sujeitos da pesquisa, “os métodos qualitativos consideram a comunicação do pesquisador em campo como parte explícita da produção de conhecimento”, e não como uma variável que interfere negativamente no processo (FLICK, 2009, p. 25). A subjetividade torna-se parte do processo de pesquisa. As reflexões dos pesquisadores sobre suas próprias atitudes e observações em campo tornam-se dados em si mesmos, constituindo-se parte da interpretação.

Quadro 7. Características das abordagens qualitativa e quantitativa. Elemento Pesquisa qualitativa Pesquisa quantitativa

Inferência Dedutiva Indutiva

Objetivo Comprovação Interpretação

Finalidade Predição e teste de teorias e de hipóteses

Descrição e entendimento de realidades, perspectivas e cotidianos

Realidade

investigada Objetiva Subjetiva

Foco Quantidade Natureza do objeto

Amostra Grande Pequena

Instrumentos de coleta de dados

Questões objetivas, aplicações em curto espaço de tempo, pouca interação entrevistador-entrevistado

Questões abertas e flexíveis, exploração da interação pesquisador-entrevistado Análise dos

dados Estatística e numérica

Interpretativa e descritiva, ênfase na análise de conteúdo e do discurso

Plano de pesquisa

Proposta estruturada e formal desenvolvida previamente

Proposta flexível que evolui com o aprendizado

Resultados Comprovação de hipóteses, a generalização independente do contexto Proposições e especulações, resultados situacionais e contextuais Confiabilidade e validade

Pode ser determinada, dependendo do tempo e recurso

Difícil determinação, dada à natureza subjetiva da pesquisa Fontes: Quadro elaborado a partir de Bogdan e Biklen (1994), Terence e Escrivão Filho (2006),

Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2005).