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6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.1 QUESTIONÁRIOS

6.1.1 Distância Terra-Marte

A primeira questão objetivou conhecer as estratégias didáticas dos licenciandos para ensinar a distância entre os planetas Terra e Marte: “Marte, quando mais próximo da Terra, está a 60 milhões de km. Como você explicaria o quão grande é essa distância para alunos do Ensino Médio?”. Para explicar a distância Terra-Marte, os 58 licenciandos podiam apresentar mais de uma estratégia didática (Tabela 2).

Tabela 2. Estratégias apresentadas pelos licenciandos de Biologia e Física para o ensino da distância Terra-Marte.

Estratégias Biologia Física Total

N % N % N %

Analogia de grandeza 23 62,2 9 42,9 31 53,4 Cálculo do tempo gasto 5 13,5 1 4,8 6 10,3

Escala 4 10,8 2 9,5 6 10,3

Gradação 2 5,4 4 19,0 6 10,3

Ênfase em conceitos básicos 2 5,4 4 19,0 6 10,3

Analogia de proporção 2 5,4 1 4,8 3 5,2

Analogia de unidade 1 2,7 0 0,0 1 1,7

Sem estratégia 2 5,4 0 0,0 2 3,4

Não responderam 3 8,1 3 14,3 6 10,3

Total de licenciandos 37 100,0 21 100,0 58 100,0

Oito licenciandos (13,7%) não responderam ou afirmaram não possuir estratégia explicativa. Desses, BMG13 foi o único licenciando que justificou baseado na impossibilidade da concepção mental da distância: “Mesmo sendo a distância mais próxima para nosso referencial ainda é algo muito distante é difícil conseguir um parâmetro de comparação. Pensem que é algo muito grande, além de qualquer distância que eles já percorreram em sua mais longa viagem.”. A alegação do licenciando é corroborada por Primack e Abrams (2008, p. 41), que afirmam que o universo existe em escalas de tamanho com as quais os humanos não têm conexão consciente. “O que acontece nessas escalas de tamanho está além da experiência humana – e talvez até além da nossa imaginação.”

Seis licenciandos (10,3%) desviaram a atenção do problema de facilitar a visualização da distância para a explicação de conceitos básicos, como unidades de medida e Sistema Solar (Tabela 2). A ação é interessante quando se pretende conhecer os conhecimentos prévios dos alunos e/ou relembrar conceitos básicos para antes da explicação. Ausubel (2003) já preconizava a importância de se conhecer os conceitos prévios dos alunos para que ocorra uma aprendizagem significativa. Segundo o autor, o que o aluno já sabe é a base para o novo conhecimento. O conjunto de saberes que a pessoa traz é essencial, mas sozinho não satisfaz a

questão. Para além de um primeiro momento, a verificação dos conhecimentos prévios dos alunos deve ser seguida de uma estratégia clarificadora sobre a distância interplanetária. BSP5 afirmou que “retomaria as definições matemáticas de metro e quilômetro” e que “traria a história que conta de onde vieram tais padronizações”. FSP5 respondeu que “para explicar essa questão, teria que trabalhar anteriormente a questão de medidas na área da matemática, e a relação de planetas, astronomia na área da Física.” e não apresentou mais ação alguma. As duas estratégias mostram-se limitadas. Os licenciandos podem ter entendido errado o objetivo da primeira questão ou não conhecem estratégia didática apropriada.

Outros seis licenciandos (10,3%) afirmaram que uma apresentação gradual de tamanhos ou apenas de números seria suficiente para conduzir o raciocínio dos alunos de uma esfera de proporções de medidas humanas para medidas astronômicas ou vice-versa. Em outras palavras, o licenciando apresenta uma sucessão de escalas, em ordem crescente ou decrescente, para que os alunos acompanhem. BMG19 respondeu que “um modo de aproximá-los de um número tão grande é tentar reduzi-lo em unidades menores, como quanto equivale 1 milhão de km, 100 km, 1 km”. Já BSP12 faz o caminho inverso e diz que “explicaria que 1 km é igual a 1000 m, e mostraria a eles uma fita métrica de 1 metro. Depois falaria que Marte está a 60 milhões de vezes aquele 1 km de distância”. A gradação, nesse caso, vai da ordem de 1 metro para 103 metros e, abruptamente, para 6 × 107 × 103.

Esses licenciandos parecem superestimar o poder cognitivo dos alunos ao entender que poderiam conceber mentalmente tais números. Rodrigues (2013) lembra que o senso numérico humano esbarra no número quatro e que depois dele, qualquer quantidade torna-se “muitos” para os humanos. FMG4 sobrestima mais ainda essa limitação:

FMG4: 1 km são 100 metros, como já devem saber, imaginem 1000 km e uma coisa bem grande, agora imaginem 1000 vezes a coisa grande, já é uma coisa gigantesca, agora pegue 60 vezes coisas gigantescas dessas e coloque uma atrás da outra e “meça” ( imagine) o comprimento. Essa é a distância da Terra a Marte.

É justamente por causa dessa limitação cognitiva humana que as representações ilustrativas são importantes. Primack e Abrams (2008, p. 41) recomendam o uso de escalas para dar ideia de medidas microscópicas ou astronômicas, já que estão “além da experiência humana”. Tal como os autores, seis dos licenciandos pesquisados (10,3%) afirmaram que o uso de escalas para representar a distância entre Terra e Marte seria o suficiente para ensiná-la a alunos do Ensino Médio. FMG3, por exemplo, disse que “poderia reescalar esses valores para outros mais palpáveis para fazer tal comparação. Pois da mesma forma escalas é um conteúdo

de Ensino Médio.”, mas não informou o meio pelo qual faria a escala. BSP3 afirmou que poderia ser feito “um esquema feito na lousa, sobre o quão grande é essa distância. Ou através da utilização de um programa baixado na internet chamado Stellarium.” Langhi e Nardi (2012, p. 154) relatam que diversas pesquisas têm demonstrado sucesso no ensino de Astronomia com estratégias didáticas associadas ao uso de simulações de programas de computador gratuitos, como o Celestia, o Stellarium e outros veiculados pelo Observatório Nacional (2013). Os autores reforçam a necessidade de que “o professor, ao preparar suas atividades práticas, exerça uma atitude autônoma e crítica ao analisar com cuidado suas possibilidades”. Para isso, o professor deve considerar as concepções alternativas dos alunos, o contexto e a utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).

Em outras palavras, a distância pode ser representada por um desenho na lousa ou por programas de computador, cuja escolha depende de material e tempo disponíveis e do conhecimento prático do professor. BMG14 considerou a ausência de computadores e informou que calcularia “em escala essa distância em relação ao tamanho do quadro-negro e comparando as distâncias Terra-Lua, Terra-Marte, Lua-Marte.” A estratégia é viável, como representada pela Figura 17, mas alguns pontos devem ser levantados.

Considerando um quadro-negro ou lousa de 2 m por 1 m, por exemplo, as representações da Terra e da Lua estariam separadas por 1 cm e Terra e Marte por 156 cm. Quadros-negros menores impossibilitariam uma visualização ideal da representação em escala, pois a distância Terra-Lua ficaria cada vez menor também. Para essa escala (3,3 × 1010:1), extremamente reduzida, fica impossível que os planetas e a Lua também sejam representados em proporção. Para que essa estratégia funcione, portanto, o professor precisa salientar aos alunos que os astros não foram representados na mesma escala (e dizer o porquê, evidentemente).

Outro ponto importante é o professor considerar que essa estratégia só funcionará se os alunos já tiverem entendido a distância entre a Terra e a Lua, em situações anteriores, escolares ou não, ou por revisão prévia (AUSUBEL, 2003). A distância lunar é justamente o parâmetro para demonstrar o quão longe Marte está da Terra. Se o aluno não tem ideia dessa distância, a distância de Marte será igualmente negligenciada.

Figura 17. Possível representação das distâncias entre Terra, Lua e Marte em escala em um quadro-negro.

A representação em escala pode evoluir para uma analogia de proporção se acrescentados objetos cujos tamanhos exemplifiquem as medidas proporcionais. Nesse sentido, alguns licenciandos (5,2%) apresentaram algumas analogias de proporção (RIGOLON, 2013) como estratégia. Além da representação em escala no quadro-negro, o licenciando BMG14 sugeriu como análogos às distâncias Terra-Lua-Marte: “a distância entre duas cidades longes uma da outra e uma terceira mais próxima (cidades de conhecimento dos alunos)”. A analogia é viável e supera a representação em escala em, pelo menos, dois aspectos: a) por utilizar como análogos cidades de conhecimento dos alunos, consegue estabelecer uma ponte entre o domínio conhecido e o desconhecido (GENTNER, 1981; DAGHER, 1995) e, assim, ancorar de modo significativo a nova informação no sistema cognitivo dos alunos (AUSUBEL, 2003); b) não depende necessariamente de uma representação pictórica, seja no quadro-negro ou no computador. É claro que se a analogia for pictórico-verbal, a retenção da informação é maior (GONZÁLEZ GONZÁLEZ, 2002), mas o desenho não é uma condição sine qua non. Para essa situação, por exemplo, o professor pode usar como base a cidade de Viçosa, em Minas Gerais, sua vizinha São José do Triunfo, a cinco quilômetros de distância, e Uberlândia a 780 quilômetros dali (desde que os alunos conheçam Uberlândia, outra cidade com distância aproximada ou outro trajeto que conheçam, como, por exemplo, ida e volta x vezes à localidade y).

BMG15 alegou que para tentar “facilitar a visualização por parte dos alunos”, “tentaria fazer analogias, utilizando ‘objetos’ com que eles estejam mais familiarizados, tais como [...]

objetos dispostos em uma mesa, aumentando a distância entre eles proporcionalmente à distância referida.” A analogia pode ser representada por objetos, mas caso a distância fosse proporcional ao tamanho dos próprios planetas, dificilmente seria encontrada um mesa que pudesse contê-los. Por exemplo: Marte (6 779 km) tem quase metade do diâmetro terrestre (12 742 km). Se fossem representados por sementes de 1 e 2 mm respectivamente, deveriam estar a 8,8 metros um do outro.

Apenas um licenciando de Biologia (1,7% do total) apresentou uma analogia de unidade. A analogia de unidade, segundo Rigolon (2013), é a que compara apenas o número e não inclui a grandeza física. BMG4 comparou os 60 milhões de quilômetros da distância Terra- marte com a quantia de R$1.000.000,00 multiplicada por 60.

BMG5: “Explicaria que é uma distância muito grande, não sendo possível usar formas de medidas convencionais. Mas como acredito que eles saibam o quanto é grande a quantia de 1 milhão de reais, poderia fazer a analogia falando que a distância é tão grande, referente a 60 vezes o milhão.”

Essa analogia não permite a visualização da distância. Mesmo que o aluno saiba quanto dinheiro são 60 milhões de reais, o que é muito difícil, ele não conseguirá transferir a magnitude da cifra à distância interplanetária por serem objetos de naturezas diferentes.

A maioria dos licenciandos (53,4%), nos dois cursos, sugeriu que comparasse a distância diretamente com outras distâncias menores. São analogias de grandeza (RIGOLON, 2013). Essas se mostram válidas dependendo do tamanho do objeto a ser comparado (Tabela 3).

Tabela 3. Bases das analogias de grandeza apresentadas pelos licenciandos de Biologia e Física para o ensino da distância Terra-Marte.

Bases Biologia Física Total

N % N % N %

Distância entre pontos, cidades ou países conhecidos 8 26,7 2 22,2 10 25,6 Distância entre pontos, cidades ou países 7 23,3 2 22,2 9 23,1

Estádio ou campo de futebol 3 10,0 2 22,2 5 12,8

Viagem 5 16,7 0 0,0 5 12,8

Raio ou diâmetro terrestre 3 10,0 1 11,1 4 10,3

Circunferência terrestre 3 10,0 1 11,1 4 10,3

Objeto conhecido 0 0,0 1 11,1 1 2,6

Prédio 1 3,3 0 0,0 1 2,6

Total de analogias 30 76,9 9 23,1 39 100,0

Um quinto (20,6%) dos objetos-base utilizados foram grandes distâncias da Terra, como o raio, o diâmetro e a circunferência. BSP2 disse que compararia com distâncias conhecidas pelos alunos, “como por exemplo quantos planetas Terra caberiam entre um e outro

planeta, [...]” e FMG9 compararia a distância “com o número de voltas que daríamos no planeta para chegar a essa medida mesma distância”11. Calculando-os, obtém como resposta, respectivamente, 4 708 planetas Terra e 1 497 voltas. Como se vê, são distâncias demasiado pequenas (12 472 km e 40 075 km) para serem comparadas à Terra-Marte (60 000 000 km), pois os quocientes da divisão ainda são muito grandes.

Essas analogias, portanto, não são práticas, não conseguem ilustrar a grandiosidade da distância frente aos parâmetros terrestres. A efetividade das analogias de grandeza apresentadas diminui conforme diminuem os tamanhos dos objetos análogos apresentados pelos licenciandos. As demais respostas sugeriram comparações com distâncias entre cidades, estados e países, muitas vezes, sem especificar quais; outras ressaltando que devem ser conhecidas pelos alunos. FSP4 realizaria “uma comparação por meio de algo conhecido, como a distância entre dois lugares conhecidos. Ex: A menor distância entre a Terra e Marte é igual a x vezes a distância entre Bauru e New York; ou outro exemplo deste tipo.”. Sabendo-se que a distância entre essas duas cidades, em linha reta, é de 7 459 km, seriam necessárias 8 043 viagens para equivaler à Terra-Marte. A situação piora quando sugeridos objetos menores como campo de futebol (BMG15, BMG16), estádio de futebol (FMG6, FMG7) e prédio (BMG16). Os objetos análogos apresentados sugerem que os licenciandos talvez não tenham pensado mais profundamente e refletido sobre sua efetividade.

Apesar de muitos terem utilizado objetos relativamente pequenos em analogias de grandeza, cerca de um quarto dos licenciandos dos dois cursos (9 da Biologia [24,3%] e 5 da Física [23,8%]) demonstrou preocupação em utilizar distâncias e tamanhos conhecidos em suas comparações, o que mostra sua preocupação em relacionar o cotidiano com a Ciência. Isso vai ao encontro das ideias de Farias e Bandeira (2009), que justificam o uso da analogia por ser uma estratégia pedagógica que aproxima o conteúdo de ciências do estudante, usando comparações com objetos do seu dia a dia.

Por fim, a última categoria de estratégia apresentada pelos licenciandos foi a de cálculo do tempo gasto para percorrer a distância por variados meios (6 licenciandos; 10,3%). Estipulando-se a velocidade do objeto ou do meio de transporte que percorreria a distância, é possível, de certa forma, converter um valor de comprimento por um de tempo. Como explica BMG5 e FSP2:

BMG5: Faria comparação com a duração da viagem de carro até a cidade vizinha que todos já visitaram. Por exemplo: se vocês gastarem uma hora de carro até a cidade mais próxima, que fica a 60 km, vocês

gastariam 1 milhão de vezes mais dentro do carro viajando. Podemos converter essa escala em dias - ou anos - para que os alunos percebessem a dimensão.

FSP2: Imagine 1 km. Agora multiplique por 60 milhões. Imagine andar tudo isso... Se a luz tem velocidade de 3.103 m/s, calcule o quanto que ela vai gastar pra andar tudo isso.

O cálculo do tempo gasto é uma estratégia bastante apropriada, recomendada pelo Observatório Nacional (2013), referência no ensino de Astronomia no Brasil. Os objetos e meios sugeridos pelos licenciandos para a viagem foram caminhada, carro, avião, foguete e luz, que levariam para completar a viagem, respectivamente, 114 anos, 68 anos, 10 meses, 100 dias e 3 minutos. Em outras situações, é muito comum se informar a distância pelo tempo que normalmente se leva para percorrê-la. Por exemplo, dizer que um estabelecimento está a 30 minutos de um lugar ou que uma cidade fica a 4 horas dali.