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3 ANALOGIAS QUANTITATIVAS

3.1 CLASSIFICAÇÃO PELA NATUREZA DA RELAÇÃO ANALÓGICA

Há algumas décadas, muitos pesquisadores da Educação em Ciências têm se dedicado a estudar formas de uso sistematizado da analogia em situações de ensino (ZEITOUN, 1984; GLYNN, 1991; WONG, 1993a; GALAGOVSKY; ADURIZ-BRAVO; 2001; NAGEM; CARVALHAES; DIAS, 2001; SALIH, 2008). Inerentemente a seus estudos, a necessidade de detalhar os tipos de analogia para classificá-las de acordo com variados aspectos acabou mobilizando bastantes pesquisas, desde a década de 1980 (CURTIS; REIGELUTH, 1984; THIELE; TREAGUST, 1994; MONTEIRO; JUSTI, 2000; SOUZA; SANTOS; NAGEM, 2013), que visam estudar o uso didático da analogia.

Das classificações existentes sobre a analogia e seus usos, a elaborada por Curtis e Reigeluth (1984) é uma das primeiras e mais importantes por apresentar um sistema de classificação das analogias no ensino de ciências adotado fortemente até então. Seu sistema categorizador tem sido utilizado em inúmeros trabalhos (e.g., ZAMBOM; PICCINI; TERRAZZAN, 2009; SANTOS; TERÁN; SILVA-FORSBERG, 2011; BERNARDINO; RODRIGUES; BELLINI, 2013; et al.).

Nesse sistema, particularmente quanto à natureza da relação analógica entre base e alvo, Curtis e Reigeluth (1984), como já mais bem apresentado no capítulo anterior, separaram as analogias encontradas em livros-texto em três classes fundamentais:

a) Estrutural: objetos de semelhança física. E.g.: “Numa glândula acinosa, há um pequeno canal e, na parte mais profunda, as células secretoras se dispõe em torno deum eixo, à semelhança dos gomos de uma tangerina” (HOFFMANN; SCHEID, 2007, p. 11).

b) Funcional: objetos de semelhança funcional. E.g.: Os osteoclastos destroem e reabsorvem o tecido ósseo como roedores que roem uma estrutura (PEDROSO; AMORIM; TERRAZZAN, 2007).

c) Estrutural-funcional: combina as duas categorias anteriores e é, portanto, mais complexa e com similaridade maior. E.g.: Semelhanças entre árvore e o processo evolutivo (MARCELOS, 2006).

A categorização de Curtis e Reigeluth (1984) tem sido recorrente referência nas pesquisas sobre uso didático da analogia, pois acaba tendo implicações na qualidade do processo de ensino e de aprendizagem. Os autores afirmam que as analogias funcionais são mais empregadas em conceitos mais complexos e/ou abstratos enquanto as estruturais, conceitos fáceis e de objetos concretos. Por ter uma maior quantidade de relações entre alvo e base, as funcionais são mais fortes que as estruturais e as estruturais-funcionais mais completas. Ruth V. Curtis e Charles M. Reigeluth, então professores da Syracuse University, em Siracusa, Nova Iorque, nos EUA, publicaram em julho de 1984 o primeiro artigo em que apresenta um sistema de classificação de analogia quanto à natureza da relação analógica. Intitulado The use of analogies in written text, com dezenove páginas (pp. 99-117), o artigo foi publicado no segundo número do 13º volume do Instructional Science, um periódico científico vigente da editora holandesa Elsevier Science Publishers criado em 1972 e dedicado à aprendizagem em Ciências. O artigo foi publicado em revista impressa na época, mas é encontrado atualmente também na forma digitalizada com relativa facilidade em páginas da internet, mediante pagamento.

Nessa pesquisa, Curtis e Reigeluth (1984, p. 102) apresentam os resultados de uma pesquisa sobre as analogias encontradas em livros didáticos de ciência. Foram verificados “26 elementary, secundary and post-secundary science books7”, publicados nos EUA entre 1963 e 1984, que apresentaram alguma analogia: 10 de Biologia, 6 de Ciências, 4 de Química, 3 de

7 Destinavam-se aos alunos dos graus curriculares equivalentes aos atuais Ensinos Fundamental, Médio e Superior do Brasil.

Física, 2 de Geografia e 1 de Geologia. Os pesquisadores encontraram um total de 216 analogias, média de 8,3 analogias por livro.

Os autores não detalham como a categorização sugerida foi construída. Eles apenas afirmam que “the analogies were organized into categories as patterns emerged”, o que se subentende ter sido feita por algo parecido com a Análise Categorial da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011), pela qual os dados são agrupados considerando-se a parte comum existente entre eles.

Como parte dos resultados, com relação à natureza da relação analógica, Curtis e Reigeluth (1984, p. 103) apresentam três categorias já mencionadas: “structural relationship; functional relationship; structural and functional relationship”. Para cada categoria, um exemplo sobre Biologia extraído de um livro investigado é apresentado: célula cepácea e quarto; retroalimentação glandular e termostato; célula humana e fábrica. As analogias estruturais são 70% dentre as 216 encontradas, segundo os autores.

Curtis (1988, p. 169), depois, publica um artigo em que reafirma a coerência da classificação de Curtis e Reigeluth (1984). Segundo a autora, “the results indicate that the categories in the Curtis and Reigeluth classification system for analogy construction were consistent across disciplines”.

De 1984 para cá, quase a totalidade das pesquisas que tinham como um de seus objetivos a classificação de analogias na Educação empregou os critérios de Curtis e Reigeluth (1984). Vários pesquisadores das analogias no ensino publicaram trabalhos no Brasil (e.g., MONTEIRO; JUSTI, 2000; ZAMBOM; PICCINI; TERRAZZAN, 2009; FRANCISCO JÚNIOR, 2010; BERNARDINO; RODRIGUES; BELLINI, 2013; SANTOS; TERÁN; NAGEM, 2013) e em outros países (e.g., DUIT, 1991; THIELE; TREAGUST, 1992; 1994; DUARTE, 2005; GONZÁLEZ GONZÁLEZ, 2002; NEWTON, 2003) utilizando essa classificação. Ao que tudo indica, as analogias levantadas em seus trabalhos se enquadravam, natural ou, em alguns casos, arbitrariamente, nas três categorias.

Monteiro e Justi (2000), por exemplo, ao analisarem as analogias encontradas em livros didáticos brasileiros destinados ao ensino de Química no Ensino Médio, mostram ter encontrado, em ao menos duas obras, a analogia que compara a proporção entre o núcleo atômico e o átomo com a proporção entre uma pulga e um campo de futebol. As autoras não explicitam em qual das três categorias de Curtis e Reigeluth (1984) a analogia foi categorizada, sugerindo que a analogia se adequaria bem ao sistema. Entretanto, a semelhança entre os dois domínios, nesse caso, não é relacionado às formas dos objetos e muito menos à função.

A classificação das analogias de Curtis e Reigeluth (1984) foi alterada, dez anos depois, por Thiele e Treagust (1994), que, por vezes, em muitos trabalhos, são citados em preferência aos primeiros autores. A nova categorização, maior, utiliza as categorias da anterior e adiciona mais três categorizações possíveis: conteúdo do alvo, localização da analogia no texto e presença de limitação da analogia. Quanto à natureza da relação analógica entre alvo e base, as três categorias mantiveram-se.

Na classificação de Curtis e Reigeluth (1984, p. 103), entretanto, structural relationship é definida sinteticamente como a relação em que alvo e base “have the same general physical appearance or be similarly constructed” e functional relationship como os objetos analogados “share similar functions”. Thiele e Treagust (1994, p. 67) ampliam ambas as definições ao afirmar que “in a structural analogy, the external or internal shape, size, or colour, etc., of the analog is shared by the target. In a functional analogy, the function or behaviour of the analog is attributed to the target”.

A respeito disso, Rigolon (2013) apontou que, em diversas pesquisas sobre seu uso didático (MONTEIRO; JUSTI, 2000; RIGOLON, 2008; SOUZA; DINIZ; NAGEM, 2013), algumas analogias acabavam sendo classificadas em categorias que não condiziam a sua natureza analógica.

Também Mól (1999, p. 69), em sua pesquisa de doutorado, ao analisar as analogias publicadas na seção Applications and Analogies do Journal of Chemical Education, no período de 1932 a janeiro de 1999, mostrou ter problemas para o uso satisfatório do sistema classificatório de Curtis e Reigeluth (1984). O autor afirmou: “encontramos algumas analogias que não se enquadram em nenhum desses grupos e que podem constituir um quarto grupo, por terem em comum relações de igualdade caracterizadas por suas representações através de fórmulas matemáticas ou químicas”. Para resolver o impasse, acabou criando deliberadamente uma categoria adicional, a das analogias de fórmula.

Uma confusão de denominações e classificações parece ter se instalado. Mól (1999) exemplificou a analogia estrutural com as analogias de Pinto (1998), que são comparações entre proporções de tamanho de diversas bolas esportivas com proporções de átomos. O autor, coincidentemente ou não, acabu seguindo as recomendações de Thiele e Treagust (1994) sem citá-los.

Rosa, Pimentel e Terrazzan (2007), por exemplo, ao levantar as analogias de um livro didático de Química, citaram os referenciais teóricos de classificação de Mól (1999) e classificaram a analogia de proporção entre o tamanho de uma pulga e um estádio de futebol com a proporção entre o núcleo atômico e o átomo como uma analogia de fórmula. Se Mól

(1999), que cunhou a categoria analogia de fórmula, considerou que analogias de proporção de tamanho seriam analogias estruturais (THIELE; TREAGUST, 1994), a analogia da pulga foi erroneamente classificada como uma de fórmula. Resultados incongruentes assim demonstram a superficialidade das definições classificatórias das analogias, o que implicam em resultados imprecisos.

Souza, Santos e Nagem (2013), do Grupo de Estudos de Metáforas, Modelos e Analogias na Tecnologia, na Educação e na Ciência (Gematec), ao estudarem as analogias presentes em livros da área da Saúde, também concluíram que haviam caraterísticas compartilhadas entre alvo e base que não se enquadravam nos sistemas classificatórios anteriores. Os autores propuseram, então, em 2013, um novo sistema de classificação que, com relação ao vínculo analógico, dá bastante ênfase às propriedades dos objetos que atuam sobre os sentidos humanos e lançam o conceito de analogia sensorial (Quadro 5). Ademais, os autores separam a categoria analogia funcional em duas, funcional e processual. Ressalta-se que Souza, Santos e Nagem (2013) não incluem a analogia de fórmula de Mól (1999).

Segundo os autores (SOUZA; SANTOS; NAGEM, 2013, p. 3436-3437), “os resultados mostraram a necessidade de ampliar o sistema de classificação utilizado no ensino de ciências de modo a contemplar as analogias encontradas no presente estudo. [...] Ela é flexível de modo a ser reconstruída e se aplica a outras áreas do conhecimento”.

Quadro 5. Classificação de analogias para o ensino na área da Saúde de acordo com a natureza do vínculo analógico.

Tipologia Caracterização: Quando a vinculação entre alvo e base ocorre por semelhança...

Estrutural ...na forma e/ou estrutura. Funcional ...na função.

Estrutural/Funcional ...na função e na forma e/ou estrutura. Processual ...de processos.

Sensorial

Visual ...de cor. Auditiva ...de som. Olfativa ...de odor.

Gustativa ...gustativa (sabores).

Tátil ...tátil (sensação térmica, aspereza, viscosidade). Fonte: SOUZA; SANTOS; NAGEM (2013, p. 3434).

No mesmo ano, Rigolon (2013) propõe uma nova classificação para a relação analógica, incluindo as categorias de Mól (1999) e Souza, Santos e Nagem (2013), de modo a suplantar as categorizações de Curtis e Reigeluth (1984) e Thiele e Treagust (1994). O autor emprega o conceito de analogia quantitativa e, além de rearranjar as demais categorias, as agrupa sob o conceito de analogia qualitativa.

Os sistemas de classificação das analogias estão em processo de consolidação ainda e demandam mais estudos. Curtis e Reigeluth (1984) já afirmavam que esses esquemas devem se ajustar para melhorar a pesquisa sobre analogias no ensino e a utilização das analogias pelos livros e professores:

Further research and analysis is recommended on the use of analogies in written text in order to continue to develop and test prescriptions such as the ones proposed here. Textbooks from a variety of content areas should be analysed for possible additions and modifications in this classification scheme. (CURTIS; REIGELUTH, 1984, p. 115).