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M: ABACATE TERRA

1.4 ANALOGIA NAS VÁRIAS ÁREAS DO CONHECIMENTO

O termo analogia, como já explanado, tem significados diferentes, dependendo da área de conhecimento na qual está sendo empregado. Muitas vezes, um biólogo tem uma noção

diferente do que teria um físico ou um filósofo. Por extensão de sentido, esse termo é empregado de formas diferentes dependendo do campo de conhecimento. Aqui são apresentados outros empregos para a analogia a fim de enriquecer o seu caráter polissemântico e mostrar como o raciocínio analógico está profundamente enraizado na atividade humana.

Em Biologia, mais especificamente utilizada em estudos de Evolução e Biologia Comparada, a analogia continua com seu sentido comparativo (PERELMAN; OLBRECHTS- TYTECA, 2005), mas está estritamente relacionado à origem embriológica de uma parte do corpo de determinados organismos.

Ao correlacionar órgãos de diferentes animais ou plantas, levando em conta sua formação e utilização, na Biologia utilizam-se os conceitos de homologia e analogia. Órgãos homólogos são aqueles que têm origem embriológica e anatomia semelhante, porém desempenham funções diferentes (e.g., asas de um tucano e patas dianteiras de um cão). Os análogos são os que têm origem embriológica e anatomia diferente, mas que desempenham a mesma função (e.g., asas de um tucano e asas de um pernilongo) (DARWIN, 2005; MARCELOS, 2006).

Segundo o naturalista inglês Charles Darwin (2005), Lamarck foi o primeiro a chamar a atenção para as semelhanças puramente analógicas entre os animais. Darwin as exemplificou com casos como a semelhança entre o rabo dos peixes e a cauda das baleias e a forma do corpo dos ratos e dos musaranhos. Lineu, o pai da Taxonomia, teria, por não identificar as analogias, classificado erroneamente uma cigarra como uma mariposa, por exemplo. É um exemplo de como, na Biotaxonomia, deve-se levar em consideração as analogias e as homologias ao classificar espécies e outros táxons.

É importante clarificar e acentuar a diferença entre a analogia da Biologia e da Didática, pois ambas não possuem vínculo, senão etimológico. A analogia em Biologia se refere apenas a semelhanças de forma ou função entre órgãos de espécies diferentes e a analogia didática ou epistemológica se refere às semelhanças de estrutura presente nas ideias, conceitos ou fenômenos.

Marcelos (2006) verificou que professores de Biologia do Ensino Médio entendem o termo analogia apenas pelo seu conceito biológico, vinculando-os a conceitos de homologia e órgãos vestigiais. O mesmo foi verificado por Rigolon (2008, p. 69) em licenciandos de Biologia. Quando foram solicitados a fornecerem exemplos de analogias, alguns citaram exemplos clássicos da analogia biológica: “Um exemplo de analogia aplicado para área da biologia são os órgãos análogos como o braço do homem e a nadadeira da baleia que possuem estruturação óssea semelhante.”; “Nosso osso coccígeo é análogo à cauda de um cachorro, por

exemplo”. As pesquisas sobre Ensino de Biologia devem, portanto, considerar essa questão ao abordarem a analogia como objeto de pesquisa.

Na área da Física, a analogia é entendida como a correspondência entre fenômenos físicos distintos, mas com grandezas descritas por funções matemáticas que possuem propriedades semelhantes ou idênticas (HOUAISS, 2009). O conceito de analogia física teve origem nos estudos da Física, mas logo foi estendida a outras ciências como a Química, por exemplo. É o que Mol (1999, p. 71) chamou de analogia de fórmula: “analogias em que as similaridades entre os conceitos estão na fórmula que os representa”.

Jorge (1990) exemplifica o raciocínio analógico na Física, propondo que a equação da resistência térmica (Rt= Δt/φ) é análoga à equação da Lei de Ohm, da Eletricidade (Re= ΔV/i). Nesse caso, há uma correspondência entre as duas equações e as suas grandezas físicas. Marzzacco (1998 apud MÓL, 1999, p. 72), por sua vez, estabeleceu analogia entre a “as fórmulas matemáticas que representam a velocidade de uma reação química em função de sua ordem e as fórmulas matemáticas das propriedades de um cubo em função do tamanho das arestas”.

Bozelli (2005, p. 85) verificou que professores de Física costumam fazer analogias similares em sala de aula. Eles aproveitam fórmulas que os alunos já conhecem ou viram previamente e as correlacionam com fórmulas novas (desconhecidas) a fim de torná-las mais inteligíveis e memorizáveis. Por exemplo, um professor ressaltou “que o momento de inércia presente na equação da energia cinética de rotação (K = ½.l.ω2) ‘[...] faz o papel [...] parecido com o que a massa faz no movimento de translação (K = ½.m.v2cm)’”. Para fins didáticos, a equação do Movimento com Aceleração Linear (ϖ = ϖ0 + α.t) também foi comparada à equação do Movimento com Aceleração Angular (v = v0 + a.t).

Segundo Jorge (1990), pela simples mudança das variáveis de uma equação física que rege o comportamento de um sistema obtém-se uma nova equação que rege um sistema semelhante. Para o autor, o aprendizado da Física torna-se mais fácil e agradável se o estudo de um fenômeno novo for comparado a um fenômeno semelhante já conhecido.

Nas Ciências Humanas, o raciocínio por analogia se faz presente em diversas áreas, em cada qual dando uma contribuição diferente. Em Direito, a analogia é aplicada às normas disciplinadoras em casos não previstos na lei comparando-os a ocorrências semelhantes (HOUAISS, 2009). O raciocínio analógico se limita ao confronto, acerca de pontos particulares, entre direitos positivos distintos pelo tempo, pelo espaço geográfico ou pela matéria tratada.

De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), todas as vezes que se buscam similitudes entre sistemas, estes são considerados exemplos de um direito universal; assim

também, todas as vezes que se argumenta em favor da aplicação de uma regra a casos novos. É, também, o argumento que pressupõe que a Justiça deve tratar de maneira igual, situações iguais. As citações de jurisprudência são os exemplos mais claros do argumento por analogia, que é bastante útil porque o juiz será, de algum modo, influenciado a decidir de acordo com o que já se decidiu, em situações anteriores. Abreu (2005) exemplifica essa situação: se uma mãe dá um bom presente para um filho e um não tão bom para o outro, este pode reivindicar um presente melhor apelando para o senso de justiça materna, pedindo que sua situação seja análoga a do seu irmão.

A analogia serve tanto para que o juiz estabeleça um julgamento equitativo a casos parecidos como para o advogado estimular o senso de justiça do juiz ou do júri a qualificar uma determinada situação de modo similar a outra. Assim, a analogia se configura como uma figura retórica, um recurso que visa à adesão dos ouvintes a uma ideia. Abreu (2005) afirma que se utiliza a situação análoga como uma tese inicial, que deve ser explicada muito bem e ser de fácil entendimento. Posto isso, apela-se para o raciocínio analógico de quem a ouve para que seja aplicada, então, à tese principal.

Segundo Bellini (2006), as analogias constituem importantes figuras de argumento no conhecimento científico. Para a autora, também na sala de aula, os professores agem como retóricos quando, por meio do livro didático, adequam os conhecimentos e os argumentos científicos aos estudantes.

Na Linguística, analogia participa na construção de novas palavras adaptadas a um modelo preexistente (HOUAISS, 2009). Por exemplo: a palavra “friorento” tem “or” por analogia a “calorento”; as crianças, em sua linguagem infantil, podem falar “fazeu”, do verbo fazer, por analogia à “correu” e “comeu”. De acordo com Houaiss (2001), a analogia interfere também no processo de formação de neologismos, como no caso da palavra “aidético”, onde se omite o ‘s’, que faz parte da sigla Aids, para ser análoga às palavras “diabético”, “morfético”.

Na área da Literatura, principalmente na Poesia e Música, a metáfora, mais que a analogia, sempre teve grande participação. Neste caso, as analogias são entendidas como figuras de linguagem, o que dá o tom poético ao texto. As figuras de linguagem são formas de expressar o pensamento ou o sentimento de modo vivo, enérgico, vibrante, capaz de impressionar o ouvinte ou leitor e escapar ao uso corriqueiro que se faz das palavras e da língua. Não fugindo demais do eixo central deste trabalho, fica como exemplo de uma analogia musical um trecho da música “Cabelo Loiro”, de Tião Carreiro & Zé Bonito, interpretada por Tião Carreiro & Pardinho (1964 apud PINTO, 2008) no álbum “Repertório de Ouro”. Na última estrofe, antes do refrão, consta: “Beija-flor que beija rosa se despede do

jardim/ Assim fez o meu amor quando despediu de mim”. O próprio nome da ave é metafórico, pois o beija-flor tecnicamente não beija as flores, mas delas se alimenta. O contato do seu bico com a flor lembra um beijo. Os compositores tentaram demonstrar que a despedida da mulher amada, que na canção despreza o interlocutor, foi sutil e o beijo de adeus, delicado, como o tratamento que o beija-flor dá à flor antes de voar embora, presumivelmente para outra flor. Essa interpretação é, como toda metáfora e analogia poética acabam sugerindo que seja, idiossincrásica e, portanto, pode ser diferente quando feita por outras pessoas.

A polissemia das palavras e expressões metafóricas, bem como das analogias, foi objeto de estudo e de uso da Filosofia desde os tempos da Grécia Antiga. De lá para cá, a analogia foi encaminhada para os processos e discursos científicos e a metáfora ficou mais restrita à Literatura (DUIT, 1991).

Na Filosofia Medieval, a analogia era aplicada ao provável parentesco ontológico de semelhança entre o ser finito da criatura e o ser pleno de Deus. A analogia passa a ser um dos pilares do pensamento de Tomás de Aquino (séc. XIII) para entender a natureza divina. Segundo Campos (2008, p. 5), a filosofia de Aquino baseia-se na analogia entre criador e criatura. Se Deus, segundo Aquino, é a causa de todas as coisas, logo, como causa, transmite- se a si mesma. “Pelo que os efeitos se lhe assemelham, porquanto participam da sua perfeição.” Tomás de Aquino procura saber, pois, se por meio das coisas sensíveis, que já serviram de via para provar a existência de Deus, pode-se alcançar algum êxito, por analogia, em se saber o que Deus é.

O filósofo e poeta português Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro de Campos, captou a filosofia analógica da ontologia dos humanos, defendida por Tomás de Aquino, no seu poema “Afinal”. Segundo Capela (2009, p. 143), nas palavras do poeta, a própria ideia de Deus teria nascido da ideia de causa primeira, que evoca a ideia de força: “Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas, (...)./ Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,/ Porque, seja ele quem for, com certeza é Tudo,/ E fora d’Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.”.

A Filosofia Moderna tem feito uso da analogia para assuntos mais concretos. Nesse caso, a analogia é um processo efetuado pela passagem de asserções verificáveis para outras de difícil constatação, realizando uma extensão ou generalização probabilística do conhecimento (HOUAISS, 2009). Esse processo cognitivo foi transportado para a Ciência Moderna para que os cientistas tivessem mais uma opção na elaboração de conceitos, ideias e formulações de teorias. A importância da analogia para a Ciência é apresentada na seção seguinte.