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3 ANALOGIAS QUANTITATIVAS

2) ANALOGIAS QUALITATIVAS: relacionadas a propriedades qualitativas não quantificadas As analogias puramente qualitativas comparam relações e atributos que não

3.4 CONCEITOS CORRELATOS ÀS ANALOGIAS QUANTITATIVAS

Para que não haja confusão conceitual, é importante definir alguns termos correlatos às analogias quantitativas. Da mesma forma que as analogias qualitativas podem ser confundidas com outras figuras sintáticas e de linguagem e, até mesmo, dependendo da intenção, colocadas no grande grupo das comparações, as analogias quantitativas também podem ser adaptadas para terem outra apresentação escrita.

O conceito de escala é correlacionado ao de analogia quantitativa, pois ambas precisam da noção de proporção para serem entendidas. Nos dois casos, o entendimento inclui a habilidade de conceitualizar tamanhos, quantidades e unidades de medida abstratas que

definem esses constructos. Escala é definida por Houaiss (2009) como a relação entre as dimensões de um desenho e o objeto por ele representado. Os mapas frequentemente são apresentados informando a escala na qual foram produzidos, relacionando a medida de grandeza real com a escalar (a da representação).

As analogias quantitativas podem também ser acompanhadas de ilustração, modelos concretos ou modelos virtuais [pictorial-verbal analogies de Curtis e Reigeluth (1984)]. A proporção entre os diâmetros da Terra e da Lua podem bem ser representados por desenhos no quadro-negro. Se a comparação, porém, mantém apenas pelos desenhos e não aludem a outros objetos, trata-se meramente de uma representação em escala (HOUAISS, 2009; JONES et al., 2013) e não de uma analogia.

Outros conceitos correlatos podem tornar a comparação quantitativa menos interessante para a ciência e seu ensino, pois tendem ao implícito e ao subjetivo.

Na metáfora o significado é transposto de um domínio ao outra sem que seja especificado e dependerá da sensibilidade do receptor para compreender que elemento é interessante de se extrair da base para o alvo num determinado momento (GUIMARÃES; LESSA, 1988). Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) entendem a metáfora como uma analogia condensada e, tratando-se de quantidades, ela também assim o pode ser.

Enquanto a analogia quantitativa emprega como conectivos elementos como “equivale a”, “é equivalente a”, “se a tivesse a grandeza física de b, c teria a de d”, “maior que”, “menor que”, etc., a metáfora usa muito a afirmativa “é”. Por exemplo, Primack e Abrams (2008, p. 190), explicando o tamanho da estrela Betelgeuse, afirmam que “a Terra é um mero pedregulho ao seu lado”. Os autores trazem para a escala humana uma comparação entre tamanhos astronômicos. A Terra, de facto, não tem nada de pedregulho, nem em forma e nem em função, além da sua proporção em relação à Betelgeuse. Cabe ao leitor perceber que a comparação é apenas quantitativa.

A metonímia é de certa forma parecida coma metáfora. De acordo com Houaiss (2009) a metonímia “consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal, por ter uma significação que tenha relação objetiva, de contiguidade, material ou conceitual, com o conteúdo ou o referente ocasionalmente pensado”. Recoeur (2000, p. 206) afirma que a metáfora “não difere da metonímia porque a associação se faz aqui por semelhança no lugar de se fazer por contiguidade. [...] A teoria da metonímia de modo algum faz apelo a tal troca entre o discurso e a palavra”.

Quando Resende (2015) afirma que uma quadrilha teria desmatado 30 campos de futebol por ano no Paraná, faz uso de uma metonímia derivada de uma analogia quantitativa.

Propriamente dito, a quadrilha desmatou áreas florestais de equivalência à área de 30 campos futebolísticos e não os campos em si. Dessa forma, o objeto do domínio base pode passar a funcionar como uma unidade de medida. No Brasil, o campo de futebol é bastante empregado como unidade de área, assim como piscinas olímpicas para volume. Os primeiros nomes da humanidade para medidas de grandezas foram justamente os nomes de objetos a que essas medidas equivaliam. Hoje, um pé é reconhecido como uma unidade de comprimento do sistema anglo-saxão, correspondente a 30,48 centímetros no sistema métrico decimal (HOUAISS, 2009), mas houve uma época em que o pé era metonímico. Se alguém dissesse que viu “uma serpente de três pés” e isso fosse entendido de modo literal, haveria ali uma aberração, uma mentira ou uma alucinação. Por metonímia, era apenas uma cobra de cerca de 90 centímetros. Semelhantemente, o emprego metonímico para medidas aconteceu para diversas partes do corpo humano, “o primeiro e mais antigo sistema de medidas” (CREASE, 2013, p. 12), como polegada, palmo, cúbito, braça, etc.

O segundo passo para que essas palavras tomadas como medida se consolidem para esse desígnio é o fenômeno da catacrese. Houaiss (2009) define essa figura de linguagem como uma metáfora já absorvida pelo uso comum da língua, de emprego tão corrente que não é mais tomada como tal, e que serve para suprir a falta de uma palavra específica que designe determinada coisa. Ricoeur (2000) afirma que a catacrese existe quando a palavra deixa de ter sentido metafórico e passa a ter um novo significado. O autor afirma que, pelo fato de às línguas faltarem signos para todas as ideias, a catacrese consolida novos significados.

A catacrese, em geral, consiste em que um signo já afetado por uma primeira ideia o seja também por uma nova ideia que ela mesma não tenha possuído ou não tenha outra própria na língua. Ela é, por consequência, qualquer tropo de uso forçado e necessário, qualquer tropo do qual resulte um sentido puramente extensivo; [...]. (RICOEUR, 2000, p. 103).

A catacrese poderia ser o que Nagem et al. (2003, p. 10) chamam de analogia congelada, “quando os termos já são utilizados há anos, não trazendo nenhuma surpresa ao leitor (congelada)”.

Segundo Sardinha (2007, p. 21), “as figuras de linguagem muitas vezes são associadas a uma visão prescritiva de língua. Por exemplo, a catacrese é prescrita como um uso indevido, mas tolerado por já ter se tornado comum. ‘Bulbilho’ seria o termo certo para dizer ‘dente de alho’.”

O exemplo da “serpente de três pés” começou historicamente como uma metonímia e hoje já é uma catacrese. Outras unidades de medida para outras grandezas também tiveram seus

nomes cunhados por associação de equivalência à medida de objetos. Houaiss (2009) explica que o cavalo-vapor (horsepower) é uma unidade de medida de potência equivalente a 735,5 watts. Foi introduzida em 1782 para a medida da potência de máquinas a vapor definida a partir do esforço do trabalho de um cavalo para elevar verticalmente 528 pés cúbicos de água até uma altura de 1 metro em um minuto. O que começou como uma analogia de grandeza passou de metonímia num primeiro momento e à catacrese num segundo.

Quando obedece aos valores reais dos objetos, como fazem a metonímia e a catacrese, a metáfora, ainda sim, mesmo com suas limitações referentes à subjetividade, tem valor na comunicação e no ensino. Isso, sobretudo, deve ter seus cuidados de uso inerentes para evitar erros conceituais. A hipérbole, por sua vez, para fins científicos, deve ser evitada ou utilizada com bastante cautela, considerando a mensagem que se quer passar, pois resulta do exagero da característica do objeto (HOUAISS, 2009). Quando a hipérbole é tomada de modo literal, a noção de tamanho fica totalmente comprometida. Por exemplo, o poeta Olavo Bilac diz em sua poesia Alvorada do Amor: “Rios te correrão dos olhos, se chorares!”. A equivalência entre o volume de lágrimas e o de um rio, obviamente, é hiperbólica.

Ainda sobre maneiras de se ilustrar números e medidas, podem se incluir os pseudonumerais, que são expressões de cunho informal que simulam a função de um numeral (HOUAISS, 2009). Da mesma forma que algumas analogias de qualificação e alguns adjetivos não mostram a verdadeira medida do objeto, o pseudonumeral não informa a quantidade. Quando se fala que alguém tem “um zilhão de tarefas”, só se sabe que são muitas, mas não quantas. O mesmo vale para trocentos, multilhão, etc. (a maioria neologismos). Estritamente, os pseudonumerais tendem à hipérbole e, por isso, devem ter uso evitado nas informações científicas.

Nesse sentido, até a analogia de qualificação proposta por Rigolon (2013), quando sugere uma interpretação não literal da característica, corre o risco de propiciar um conceito errado. Em um programa de TV, por exemplo, um participante afirmou que “a lagosta era grande como um jacaré”. Ao pé da letra, a informação seria falsa, pois as medidas não se equivalem para animais adultos. Nesse caso, a comparação também foi uma hipérbole.

Existe uma sutil diferença entre classificar uma analogia como qualitativa, analogia de qualificação, ou como quantitativa para comparar uma medida entre dois objetos. Quando se diz, por exemplo, que um objeto A é grande (alto, largo, fundo, espesso, etc.) como um objeto B, está-se o qualificando, pois tal atribuição é uma qualidade relativa que depende de um comparativo. Ser grande ou pequeno é sempre em comparação a alguma coisa. “Assim como os tamanhos, o número que define um tamanho não lhe diz se algo é ‘grande’ ou ‘pequeno’.

Ele só ajuda a compará-lo com alguma outra coisa” (PRIMACK; ABRAMS, 2008, p. 190). Portanto, afirmar que “A é alto como B” é uma analogia de qualificação, mas afirmar que “A tem altura de B” ou “A tem altura equivalente a B” é uma analogia quantitativa, mais precisamente uma analogia de grandeza.

Se as analogias quantitativas podem ser condensadas a metáforas, estas podem também serem condensadas a um adjetivo. As adjetivações expressam qualidades de tamanho a objetos, muitas vezes, conferem medidas irreais ou não dão a ideia precisa da medida. Primack e Abrams (2008, p. 190) afirmam que a ciência precisa de uma língua na qual possa discutir as medidas “sem cair em palavras vagas como ‘imenso’, ‘minúsculo’ ou a mais enganosa de todas, ‘infinito’. (Só porque um tamanho é grande demais para percebermos não quer dizer que ele é literalmente sem limites.)”.

Em alguns casos, é difícil saber se o adjetivo é metafórico ou literal. Adjetivos como faraônico, gigantesco, ciclópico, homérico, hercúleo, titânico, etc. fazem referência a seres (faraós, gigantes, ciclopes, Homero, Hércules, Titãs), para os quais não há medidas exatas mensuráveis e, portanto, inapropriadas para dar a noção de tamanho. Certamente, são metafóricos. Válidos para tal propósito são os adjetivos que fazem jus à comparação proporcional, como dizer que “um planeta tem proporções jupiterianas” (tamanho de Júpiter), “uma carreta elefântica” (peso de um elefante), “um micélio de dimensões bacterianas” (tamanho de uma bactéria), “um crime holocáustico” (quantidade de mortos equivalente à do Holocausto), entre outros. Mas, enfim, até que ponto a qualidade “elefântica” deve ser literalmente interpretada? Aliás, como saber que tipo de interpretação deve ser dada?

Por tantas questões relacionadas às analogias quantitativas, é importante que se tenha em mente quais passos e aspectos devem ser considerados e explicitados aos utilizá-las para o ensino de conteúdos científicos.