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5 PROJETOS POLÍTICOS MENORISTA E PROTETIVO: A DISPUTA

5.4 A atuação do Conselho Tutelar como espaço de produção de verdades e

5.4.2 Aptidão institucional do Conselho Tutelar para funcionar como estrutura de

O último ponto de cogitação desta tese está na tentativa de responder ao ponto de discussão apontado no quarto capítulo: se o Conselho Tutelar como órgão tem aptidão institucional para funcionar como estrutura de contrapoderes sociais e se o desenho institucional existente está sendo implementado. Ao longo desta tese foram apontados equívocos na definição de atribuições e que refletem a incorporação do paradigma menorista nas atribuições do órgão. Pires (2018) em sua dissertação de mestrado descreveu a institucionalização do órgão no município do Rio de Janeiro, apontando sua constituição legal e os processos estabelecidos para a materialização das atribuições do órgão, sendo a Lei Municipal nº 3.282, de 10 de outubro de 2001, o referencial local para a atuação do órgão.

A partir da descrição legal da atuação dos Conselhos Tutelares na cidade, destacamos que as atribuições do órgão, com fundamento nas resoluções do CONANDA, leva a uma atuação contenciosa, pois os principais pontos de crítica descritos pela doutrina estão presentes na normativa municipal. Sêda (1995) realça os principais “erros” nas leis municipais que denotam uma roupagem menorista ao órgão. Para o autor, o que deve funcionar ininterruptamente são os serviços de atendimento caso sejam de emergência e não o Conselho Tutelar; também aponta que nos quadros do órgão não deverá constar equipe técnica, pois o Conselheiro Tutelar requisitará estudos, laudos e pareceres técnicos necessários para o atendimento aos casos, já que não são criados para fazer o que outros serviços devem fazer em suas atividades-fim110. Também critica a confecção de estudo de caso pelos membros do Conselho Tutelar, pois afirma que o mesmo deverá ser feito por assistente social, que é o profissional habilitado pelas leis brasileiras para cumprir essa função; e por fim afirma que o Conselho Tutelar, apenas em casos extremos, deve requisitar serviços nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança ou representar ao sistema de justiça ou segurança pública segundo o tipo de problema a resolver, pois cumpre uma função- meio e não uma função-fim. A conclusão posta pelo autor é que a organização do serviço público municipal deve ser feita de tal maneira que crianças e adolescentes sejam atendidos em suas necessidades imediatas (seus direitos) em agências públicas específicas, e não pelo Conselho Tutelar.

O ECA exige que conste da lei orçamentária municipal e da do Distrito Federal previsão dos recursos necessários ao funcionamento do Conselho Tutelar, à remuneração e formação continuada de seus membros111, devendo a lei municipal prever a organização do processo de trabalho do órgão para a organização logística e funcional enquanto equipamento púbico composto de profissionais técnico-administrativos lotados no órgão. Com o fim de demonstrar ao gestor local as dificuldades pelas quais o órgão passa, o Colegiado Municipal dos Conselhos Tutelares do Rio de Janeiro elaborou relatório de gestão no início do mandato 2016-2019112, que foi apresentado ao Prefeito da cidade em reunião com representantes dos

18 (dezoito) Conselhos Tutelares. A partir desse momento foi aberto o diálogo com a gestão municipal para a implementação das demandas do órgão. As questões atendidas foram apenas

110 Art. 7º - § 1º, 2º e 3º - Lei Municipal nº 3.282/2001.

111 Art.132 e 134 - parágrafo único- Estatuo da Criança e do Adolescente (ECA).

112 O documento foi aprovado na Reunião Ordinária do Fórum Municipal do Colegiado de Conselheiros

Tutelares ocorrida em 25 de março de 2017, estando presentes no momento representantes das Associações Municipais (ACTMRJ) e Estaduais (ACTERJ) de Conselheiros Tutelares. A deliberação foi pela formulação e encaminhamento do documento com propostas ao Prefeito da cidade visando o fortalecimento dos Conselhos Tutelares cariocas. O ato de aprovação pode ser consultado no Livro de Atas do Colegiado Municipal à disposição na sede da Associação Municipal dos Conselheiros Tutelares do Rio de Janeiro (ACTMRJ).

àquelas que envolviam a representação, sendo concretizada a institucionalização do Conselho Consultivo113 e da participação de representantes no Gabinete de Gestão Integrada Municipal (GGIM)114.

O relatório apontou dados do ano de 2016, de que a gestão municipal recebeu destinação orçamentária para o fortalecimento dos Conselhos Tutelares da cidade do Rio de Janeiro no valor de 12 (doze) milhões de reais, o que na prática foi distribuído entre várias ações estratégicas do planejamento da SUBDH/SMDS, inviabilizando o investimento de 100% da quantia destinado nas ações de “Fortalecimento dos Conselhos Tutelares”. O documento também apresentou os relatos dos membros dos 18 (dezoito) Conselhos Tutelares, apontando para a falta de estrutura física e de pessoal nas sedes. Quanto à estrutura física foi exposto que os órgãos funcionam em instalações adaptadas e insatisfatórias, em sua grande maioria sem acessibilidade e fácil acesso à população, sem climatização adequada, sem espaços qualificados para o atendimento, com deficiência em acesso à rede informatizada. No que tange aos arquivos, as informações destacaram que os mesmos são instalados em locais inadequados e impróprios para o armazenamento de documentos, sendo recorrente o seu extravio.

Sobre a estrutura de pessoal, o documento apontou que apesar do CMDCA-RIO possuir deliberação115 sobre percentual de estrutura mínima de funcionários para os Conselhos Tutelares, a mesma não vem sendo cumprida, além do fato de que os servidores que estão exercendo funções administrativas não atuam de forma satisfatória. Ressaltou-se que a falta de estrutura de pessoal é tamanha, que traz como consequência a precariedade do trabalho desenvolvido, como exemplo foi descrito o fato de que os procedimentos não são sequer autuados nem numerados, sem controle de entrada e saída de documentos.

Pontuou-se também que no ano de 2016 o Colegiado dos Conselhos Tutelares elaborou seu Regimento Interno116, que ainda não foi publicado sob a forma de Decreto Municipal para ter validade, estando em fase de elaboração e discussão pelo grupo o “Manual de Procedimentos Operativos” buscando a uniformização de procedimentos por parte de todos

113 Decreto Municipal nº 43658, de 15 de setembro de 2017, que instituiu o Conselho Consultivo dos Conselhos

Tutelares do município do Rio de Janeiro, composto de 05 (cinco) membros titulares e igual número de

suplentes, que estejam no pleno exercício de suas funções de Conselheiros Tutelares, devendo ser escolhidos em Assembleia Ordinária para um mandato de 02 (dois) anos.

114 Conforme notícia em: (RIO PREFEITURA, 18 abr. 2017). 115 Deliberação CMDCA nº 915/2012.

116 Quanto à organização do processo e da dinâmica de trabalho do órgão, o CONANDA aponta que o

instrumento normativo que tratará desses pontos é o Regimento Interno do Colegiado, regulador e orientador das atividades a serem desenvolvidas pelos Conselheiros Tutelares, aprovado pelo Colegiado Municipal ou Distrital, de acordo com o art. 18- §1 e 2º - Resolução CONANDA nº 170/2104.

os Conselhos Tutelares. No caso do município do Rio de Janeiro o documento foi elaborado no início do mandato 2016-2019, e até o mês de julho de 2019 ainda não tinha sido publicado, sofrendo na época da apresentação da proposta interferência em seu conteúdo por parte do CMDCA-RIO, fato este proibido pela lei municipal117.

Ao final o documento traz 02 (duas) conclusões: a necessidade de investimento prioritário nas ações de fortalecimento do órgão e o fomento às capacitação continuadas para os Conselhos Tutelares, uma vez que o município do Rio de Janeiro ainda não instituiu a Escola de Conselhos, apesar de constar como meta do Plano Municipal de Educação Permanente do SUAS (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 2015).

A partir das reflexões empreendidas, ao menos no caso do município do Rio de Janeiro, é possível afirmar que a atuação do Conselho Tutelar como agente de transformação é prejudicada pelas disposições da lei local e pelas atuações do Poder Executivo municipal e do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA-RIO). As principais dificuldades apontadas no relatório de gestão, elaborado no ano de 2016, ao final do mandato, ano de 2019, ainda não tiveram feedback por parte da gestão municipal, especialmente em termos de planejamento financeiro e administrativo para a solução dos problemas apontados. Considerando o caso da cidade do Rio de Janeiro, o desenho normativo-institucional existente para o Conselho Tutelar não é capaz de implementar a proteção integral.