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2 PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: PARADIGMAS

2.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Lei 8.069, de 13 de julho

2.2.4 Gestão compartilhada, democrática e participativa e municipalização do

Outra mudança significativa foi o princípio da municipalização, consagrando a descentralização político-administrativa no atendimento e proteção à criança e ao adolescente, uma tendência inserida na Constituição Federal de 1988. Essa opção estratégica prevê a criação de dois importantes órgãos: o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente e o Conselho Tutelar. Estes colegiados são formados por representantes da sociedade, e que permitem o controle das ações desenvolvidas na área da infância e da adolescência, sendo assim, órgãos orientados à garantia e defesa dos direitos estabelecidos na perspectiva da gestão compartilhada, democrática e participativa.

No município do Rio de Janeiro a Lei Municipal nº 1.873, de 29 de maio de 1992, com as modificações introduzidas pela Lei Municipal nº 4.062, de 24 de maio de 2005, que cria o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA-RIO), estabelece que o órgão deverá elaborar e fixar planos de aplicação e critérios de utilização das doações subsidiadas e demais receitas do Fundo Municipal para Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro, além de deliberar sobre a aplicação dos recursos do fundo32.

Dessa forma, a partir do ECA, as políticas públicas de proteção para crianças e adolescentes devem se organizar em uma rede de atendimento, e não mais a partir de estruturas hierárquicas, devendo os serviços, programas e projetos serem interligados, no âmbito municipal. A tarefa de levar os serviços (saúde, educação, profissionalização, alimentação, assistência social, habitação, cultura, esporte e lazer) da rede municipal de atendimento para a criança e o adolescente que dele necessita é das instâncias colegiadas de controle social. De acordo com Assis (2003), o controle social é viabilizado por meio de canais institucionais presentes na gestão governamental, com participação dos sujeitos coletivos nas tomadas de decisão, sendo um processo dinâmico e contínuo, capaz de promover uma nova sociabilidade política e um espaço legítimo do exercício da cidadania, onde interesses são confrontados, necessidades são expostas e alternativas construídas. Na política da infância esses espaços são o Conselho Municipal de Direitos, que cria ou qualifica serviços prioritários, e o Conselho Tutelar que articula para que esses serviços cheguem até a família da criança e do adolescente com direitos violados ou na iminência de violação, abandonando a centralização típica do paradigma da situação irregular.

A mudança do referencial jurídico-social-normativo da situação irregular para a proteção integral traz consequências diretas para o campo das políticas públicas de proteção de crianças e adolescentes. No Direito do Menor imperava a Teoria da Situação Irregular, com a concepção da política como instrumento de controle social da infância e da adolescência vítima da omissão e transgressão da família, da sociedade e do Estado, uma vez

32 Art. 19. São atribuições do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente-CMDCA/RIO em

relação ao Fundo Municipal para Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente:

I - administrar o Fundo Municipal para Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente-CMDCA/RIO e estabelecer políticas de aplicação de recursos;

[...]

III - elaborar o plano de ação e o plano de aplicação para utilização do Fundo, em consonância com a política estabelecida pelo CMDCA/RIO e com a lei de diretrizes orçamentárias;

IV - submeter à plenária do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, as demonstrações mensais de receita e despesa do Fundo;

que as políticas públicas e seus agentes objetivavam apenas a assistência à infância “ameaçada”.

De acordo com o paradigma menorista não havia espaço para a participação de outros atores sociais, que não as autoridades policial, judiciária e administrativa. As vulnerabilidades socioeconômicas de crianças e adolescentes carentes, abandonados e infratores eram tratadas como casos de justiça, sendo que a pobreza era legalmente penalizada através de mecanismos como a cassação do poder familiar e a imposição da medida de abrigamento e internação sem critérios temporais e condições bem definidos. Por fim caracterizava o paradigma menorista a falta de fiscalização e monitoramento das políticas públicas para crianças e adolescentes, já que não havia previsão de uma política de participação e transparência por parte das instâncias governamentais e não-governamentais.

Com o advento da proteção integral, crianças e adolescentes deixam de ser apenas objeto de medidas judiciais e passam a ser sujeitos de direito, com uma nova concepção das políticas públicas como instrumento de desenvolvimento social, garantindo proteção especial àquele segmento considerado em risco social e pessoal. O objetivo das políticas deixa de ser apenas assistencial e passa a ser a garantia dos direitos pessoais e sociais de crianças e adolescentes por meio da criação de oportunidades que permitam o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade. De acordo com a nova concepção, seu objetivo é a efetivação das políticas sociais básicas através das políticas assistenciais supletivas, serviços de proteção e defesa das crianças e adolescentes vitimizadas, além de proteção jurídico-social. O método de gestão adotado - a municipalização das ações - permite maior participação da sociedade na formulação das políticas e no controle das ações. A estrutura da política de atendimento para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes muda para uma concepção sistêmica com o foco no conceito de rede, se concretizando por meio dos Conselhos Tutelares, Conselhos de Direitos, Fundos dos Direitos da Criança e órgãos executores das políticas públicas básicas para crianças e adolescentes. Há a substituição da centralidade na execução das políticas, pelo funcionamento de um órgão que atue como regulador geral e coordenador em âmbito nacional.

Os mecanismos de participação são ampliados para instâncias colegiadas, o marco legal protetivo aponta para a vulnerabilidade socioeconômica de crianças e adolescentes, propiciando o atendimento desjudicializador pelo Conselho Tutelar nos casos que sejam exclusivamente questões sociais, além da fiscalização e monitoramento das políticas, por meio da participação ativa da comunidade e por meio de mecanismos políticos e jurídicos de defesa dos interesses de crianças e adolescentes.

Os atores representativos da sociedade civil, em especial o Conselho Tutelar, nas questões que envolvem as políticas públicas para crianças e adolescentes, atuam de acordo com as etapas e mecanismo postos à disposição para sua operacionalização, especialmente nos casos de disputa de forças que envolvem a atuação desses agentes de contrapoderes sociais.