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2 PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: PARADIGMAS

2.3 Políticas públicas para crianças e adolescentes

As políticas públicas para crianças e adolescentes no Brasil estão organizadas em função de estratégias para sua melhor organização, sendo as políticas de atenção direta divididas em quatro espécies: “Políticas Sociais Básicas”; “Políticas de Assistência Social”; “Políticas de Garantias Judiciais e Processuais” e “Políticas de Proteção Especial”.

A política de proteção da criança e do adolescente está inserida no sistema secundário dento das “Políticas de Proteção Especial”, pois se destinam a um grupo de crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social por estarem sendo ameaçadas ou violadas em sua integridade física, psicológica ou moral. Saraiva (2002, p. 16) afirma que o Estatuto da Criança e do Adolescente estruturou o SGD a partir de três grandes sistemas de garantia, o sistema primário, que dá conta das políticas públicas de atendimento a crianças e adolescentes33; o sistema secundário, que trata das medidas de proteção dirigidas a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social34 e o sistema terciário, que trata das medidas socioeducativas aplicáveis a adolescentes em conflito com a lei, autores de atos infracionais35.

2.3.1 Abordagens conceituais sobre políticas públicas

Entre os séculos XVIII e XIX o Estado tinha a função de defesa interna e externa, mas a partir do século XX passou a voltar seu olhar para o bem dos cidadãos, e para atender as diversas necessidades do povo36 na área de saúde, educação, dentre outros, o ente estatal

começa a desenvolver políticas públicas. As pesquisas em políticas públicas iniciaram o seu desenvolvimento como área do conhecimento (policy science) a partir da década de 50 nos

33 Arts. 4º e 87 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 34 Arts. 98 e 101 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 35 Art. 112 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

36 Os programas de bem comum foram a tônica do Liberalismo Social, desenvolvidos pelo sistema do Welfare

Estados Unidos, a partir da ótica da ação dos governos. Por isso os percursores na construção da temática foram cientistas políticos e sociais norte-americanos. As reflexões acerca das políticas públicas nesta tese não tem o condão de exaurimento da temática, pelo contrário, privilegiarão abordagens conceituais sobre políticas públicas para uma melhor compreensão acerca de um modelo institucional ideal para uma política municipal de fortalecimento dos Conselhos Tutelares37. Saravia (2006) aponta que, ao longo da história, a atividade estatal foi

e vem sendo analisada por uma diversidade de perspectivas e metodologias, a filosófica, a da ciência política, a da sociologia, a jurídica, a das ciências administrativas, além das visões antropológica e da psicologia. Optou-se em apontar as perspectivas da ciência politica, historicamente precursora, e jurídica, por tratar-se de uma tese na área do direito em que conceitos dessa natureza importam e são utilizados.

2.3.1.1 Perspectiva da ciência política

Souza (2006) ao fazer uma revisão da literatura acerca das políticas públicas como campo do conhecimento, destaca como pais fundadores: H. Laswell, H. Simon, C. Lindblom e D. Easton. Laswell (1958) traz a conceituação mais utilizada usualmente, pois ainda na década de 30 já trabalhava a ideia de análise de política pública (policy analysis). Sua compreensão de política pública passa pela resposta às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz. Já Mead (1995) conceitua política púbica como campo da ciência política que observa o governo em relação às questões públicas. Peters (1986) compreende política pública como a soma das atividades dos governos que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. A definição proposta por Lynn (1980) trata a política pública como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos para grupos sociais. E por fim consideramos a análise de Dye (1984), que sintetiza a definição de política pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”.

Norberto Bobbio (2004) também definiu as políticas públicas a partir da perspectiva da ciência política. Para falar-se em política pública, de acordo com Bobbio, é necessário que uma situação determinada requeira solução por meio dos instrumentos de ação política, isto é, da ação que tem como finalidade a formação de decisões coletivas que, uma vez tomadas, se convertam em vinculadoras de toda coletividade, o que significa que qualquer situação que precise ser objeto de intervenção necessitará ser expressa como um problema político, e,

37 Esta análise não priorizará a discussão acerca dos modelos ou formas de políticas públicas, quais sejam: as

portanto, instalar-se na esfera pública como um conflito ou demanda envolvendo atores sociais relevantes com capacidade de exercer pressão sobre a agenda governamental, dentro ou fora da institucionalidade vigente.

2.3.1.2 Perspectiva jurídica

A insuficiência de uma análise apenas jurídica das políticas públicas já foi pontuada, justificando a tese de que uma perspectiva pura nesse sentido é limitada e não compreende a riqueza e diversidade das variáveis que compõem o universo do fenômeno estatal, pois exige a conjugação de uma série de fatores que envolvem a tomada de decisões (SARAVIA, 2006, p. 27).

Bucci (2001, 2006, p. 39, 2009) opta pela concepção de política pública com uma ótica normativa e instrumental, como programa de ação governamental destinado a realizar direitos e/ou objetivos determinados. A autora aponta que as políticas públicas constituem uma temática oriunda da ciência política, mas que a análise sob uma perspectiva jurídica é uma necessidade que se apresenta na medida em que buscam formas de concretizar direitos humanos, em especial os direitos sociais. Assim, as políticas públicas funcionariam como instrumentos de aglutinação de conhecimentos e ações, conformadas pelo direito, embora não redutíveis a ele, esses em torno de objetivos comuns que passam a estruturar uma coletividade de interesses. De acordo com essa visão, a política pública é um instrumento de planejamento, racionalização e participação popular que concretiza princípios e regras com vista a objetivos determinados.

Da mesma forma, Valle (2016, p. 33) se dedicou a uma análise jurídica das políticas públicas, reconhecendo que há um estranhamento ente áreas do conhecimento distintas, já que o direito opera em uma lógica de rigidez e as políticas públicas estão mais abertas à adaptabilidade e ao dinamismo. Nesse sentido, destaca a recomendação de Theodoulou (2005), de que as politicas públicas são um tema que, no plano ideal, envolvem todos os níveis de governo e não estão restritas a atores formais, pois os atores informais podem ser revelar extremamente relevantes. A autora conceitua as políticas públicas incialmente como decisão quanto ao percurso da ação formulada por atores governamentais, revestida de autoridade e sujeita a sanções. Neste trabalho compreende-se políticas públicas como o conjunto de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado, de modo direto e/ou por meio de entes privados, visando ampliar o grau de cidadania de um grupo social, étnico, cultural e econômico.

2.3.2 Ciclo das políticas públicas

Não há unanimidade por parte dos autores na temática sobre as etapas a serem seguidas dentro do ciclo das políticas. Melo Fonte aponta quatro fases, a definição de agenda, formulação, implementação e avaliação (FONTE, 2015).

Saravia (2006) assenta que as políticas públicas passam por diversos estágios dentro do seu processo de construção, e que tal processo é tradicionalmente conhecido como ciclo das políticas públicas, dividido em etapas normalmente consideradas em matéria de políticas públicas, mas adverte que nos países da América Latina há necessidade de um maior grau de especificidade nas políticas, daí a identificação de cinco etapas ou momentos no ciclo das politicas públicas, separando o momento da elaboração da formulação. As etapas do ciclo são: a) Definição de agenda - é a identificação dos principais problemas sociais – atenção para quem define a agenda, diferença entre os policytakers, aqueles a quem se destina a implantação de determinada política, e os policymakers, com o sentido de legislador ou elaborador das políticas (FONTE, 2015). A inclusão de uma temática na agenda setting não está relacionada com a pressão que a consciência coletiva faz para que essa ou aquela questão não seja ignorada. Outros autores fazem a distinção entre a agenda sistêmica (ou pública) e a agenda institucional (ou formal), que na verdade traz o mesmo sentido de quem define a agenda. Para Souza (2006) a resposta está em que existem participantes sociais visíveis e invisíveis, sendo os visíveis os políticos, meios de comunicação, partidos e movimentos sociais e os invisíveis os acadêmicos e burocratas, a diferença está em que os primeiros definem a agenda e os segundos as alternativas. A ocupação do espaço público é fundamental para a discussão, deliberação e ação de pressão do poder público para a inclusão das pautas de grupos em situação de vulnerabilidade nas agendas das políticas públicas. Para Valle (2016, p. 39-40) os momentos de “reconhecimento do problema” e “formação da agenda” são distintos, considerando a autora que na primeira etapa há apenas a identificação de um dado fático que exigirá a intervenção estatal, para que no segundo momento os problemas identificados sejam colocados em ordem de precedência, reconfigurando ou não as inicialmente pensadas, em um mecanismo mais ou menos aberto a agentes não governamentais. b) Elaboração - é a definição e identificação dos problemas. c) Formulação - é a seleção das ações, momento da definição dos recursos e prazos de ação. d) Implementação ou execução – é a ação em si. e) Avaliação - etapa final e muito importante para a verificação das falhas e do sucesso das ações para que assim os resultados sejam melhores.

2.3.3 Neo-institucionalismo histórico e avaliação de políticas públicas

Compreender o panorama histórico-evolutivo em que uma política pública está inserida tem como objetivo refletir sobre a mudança e a evolução dos referenciais que norteiam sua construção. O neo-institucionalismo histórico foi apontada incialmente por Hall e Taylor (2003), e a opção em apresentá-la neste trabalho tem como fim colocar acento sobre duas importantes dimensões da ação pública nas sociedades complexas: as instituições como fator de ordem e a política como interpretação do mundo. De acordo com os autores, trata-se de perspectiva teórica que atrai muita atenção e também certas críticas, não constituindo uma corrente de pensamento unificada. Ao contrário, pelo menos três métodos de análise diferentes apareceram nessa área no último quarto de século: o institucionalismo histórico, o institucionalismo da escolha racional e o institucionalismo sociológico. Todas elas tratam, por ângulos diferentes, do papel desempenhado pelas instituições na determinação de resultados sociais e políticos.

Para Mahoney e Thelen (2010), três fatores explicariam os diferentes tipos de mudança nas políticas públicas: o contexto político, as características da instituição preexistente e o tipo do agente dominante. Na visão institucionalista histórica, as instituições são resultados de processos complexos, marcadas pelo conflito e pela contingência que, por apresentarem implicações distributivas, trazem consigo uma permanente tensão, não possuindo assim, caráter funcional para resolver problemas de ação coletiva. Os institucionalistas históricos possuem ainda uma concepção de desenvolvimento institucional que privilegia as trajetórias de processos ao longo do tempo e o papel da herança do passado sobre os fatos do presente (o mecanismo de path dependence).

Neste trabalho os paradigmas conceituais inseridos nas políticas públicas para crianças e adolescentes dialogará com o referencial teórico de Michel Foucault, o que será lançado no próximo capítulo.

3 A TEORIA DO PODER EM MICHEL FOUCAULT E SUA INTERLOCUÇÃO