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4 O CONSELHO TUTELAR COMO ÓRGÃO TRANSFORMADOR DAS

4.1 Sistema de Garantia de Direitos (SGD)

O Conselho Tutelar é parte integrante do Sistema de Garantia de Direitos (SGD), atuando na qualidade de agente protetivo e indutor das políticas públicas para crianças e adolescentes. A própria construção do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil transcorreu por meio da reoralização do discurso e práticas jurídicas, dando voz a novas estruturas populares e participativas presentes na sociedade civil, da mesma forma que o SGD.

O Sistema de Garantia de Direitos (SGD) traduz uma interpretação do arcabouço principiológico estatuído pela Constituição com a opção pela Teoria da Proteção Integral, e busca institucionalizar uma lógica de articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, e de seus atores, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis federal, estadual, distrital e municipal49. Sua construção teórico-política foi esboçada inicialmente por Nogueira

Neto (CABRAL, 1993), no entanto, Saraiva (2010, p.64-65) também se dedicou ao tema, afirmando que o sistema constitucional estabeleceu direitos fundamentais destinados a crianças e adolescentes em três níveis, ou subsistemas de garantias que se relacionam e

dialogam, e que o Estatuto da Criança e do Adolescente se organiza fundado nesses três eixos centrais que atuam de forma harmônica entre si, com acionamento sucessivo ou simultâneo50.

O SGD foi formalizado com a publicação da Resolução CONANDA nº 113, de 19 de abril de 2006, que dispõe sobre os parâmetros para sua institucionalização e fortalecimento, contendo definições e competências. O SGD contém três eixos, além de atores e espaços reconhecidos como parte do processo político para a implementação dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil. O funcionamento articulado destes três eixos visa superar a concepção e o formato que vigorava até então no Código de Menores, em que a centralidade local estava na figura do Juiz de Menores, e a competência executória das ações estava na União, onde um único órgão estabelecia as ações a serem desenvolvidas.

O que o sistema busca é imprimir o caráter da transversalidade às políticas públicas para crianças e adolescentes no Brasil, considerando a lógica da proteção integral, pois, caso contrário, se as ações se pretendessem ser geridas por um polo exclusivo de competência, estariam fadadas ao fracasso. A construção das desejáveis articulação e integração são a essência do SGD e do contexto de todas as políticas para a infância do país – por isso a opção pelos três eixos de ações a ele associadas, a saber: promoção, defesa/garantia e controle social, que são expostos a seguir.

O primeiro deles indica que os atores sociais componentes promoverão ações que busquem atingir objetivos relacionados ao atendimento a crianças e adolescentes. A promoção será referenciada pelas políticas sociais básicas que se destinam a garantir a todas as crianças e adolescentes os seus direitos tendo como critério a universalização deste atendimento. São exemplos: atuações nas áreas de saúde, educação, segurança e profissionalização, com destaque para as políticas sociais básicas assistenciais/inclusivas que abrangem contingentes populacionais excluídos, todas elas, a exigirem a já referida transversalidade. O ator do SGD que deve atuar prioritariamente no primeiro eixo é o estatal - Estado - compreendido como poder público nas esferas municipais, estaduais, distritais e federais, englobando o Poder Executivo, como responsável pela execução das políticas públicas para crianças e adolescentes e o Poder Legislativo, uma vez que a implementação das políticas protetivas

50 Saraiva (2010, p. 64-65) descreve os três eixos em: sistema primário de garantias, que tem como foco a

universalidade da população infanto-juvenil brasileira, sem quaisquer distinções, estabelecendo os fundamentos da política pública a ser executada. O sistema secundário de garantias que tem como foco a criança e o

adolescente enquanto vitimizados, isto é, vulnerados em seus direitos fundamentais. Este sistema tem como operador originário o Conselho Tutelar, pois a lei prevê a aplicação de medidas protetivas a crianças e

adolescentes e/ou pais e responsáveis. E o sistema terciário de garantias, que tem como objeto o adolescente em conflito com a lei, na condição de vitimizador.

começa com a prioridade na destinação de recursos públicos na elaboração das leis orçamentárias, de acordo com o disposto na alínea “d” do art. 4º do ECA.

O segundo eixo é de defesa/garantia, que indica uma prestação de auxílio e resistência a ataque ou agressão, no sentido de proteger, resguardar e interceder por. É a atuação concreta para que crianças e adolescentes não tenham seus direitos ameaçados ou violados, exigindo ações de natureza jurídica e social objetivando a cessação ou a responsabilização para reparação do dano causado. Este eixo congrega órgãos públicos, tais como os de Segurança Pública, Ministério Público, Defensoria Pública e Poder Judiciário. Mas há também atores da sociedade civil que têm atuação destacada: os Centros de Defesa e o Conselho Tutelar. Os Centros de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente são instituições da sociedade civil que irão agir na defesa jurídico-social, sem prejuízo da ação da Defensoria Pública ou mesmo do Conselho Tutelar e/ou Ministério Público. Nesse nível, as ações devem ser integradas, devendo desenvolver-se em redes de proteção especial articuladas por várias políticas públicas, como saúde, assistência social, educação e segurança, considerando que a atuação envolve interesses difusos e coletivos relacionados à infância e adolescência.

Inegável que integra o conjunto de ações a ser desenvolvida, a garantia em favor das crianças e adolescentes de proteção em situações de violações de direitos, ou risco de tal violação – o que pode exigir o acionamento dos serviços do Estado voltados para a intervenção protetiva. Enquanto porta de entrada para a denúncia e atendimento a violações de direitos, a legislação prevê a atuação dos Conselhos Tutelares, os quais, entre outras funções, têm como competência a aplicação de medidas de proteção e a articulação da rede protetiva. Em sequência, quando não atingidos os objetivos iniciais, ou em caso de agravamento da violação de direitos em questão, devem atuar outros órgãos estatais, como, o Ministério Público e o Poder Judiciário (COSTA, 2013).

O terceiro e último eixo é o controle social, com funções de fiscalização exercidas sobre atividades de pessoas ou órgãos para que não se desviem das determinações normativas. Exercer o controle é monitorar as políticas públicas na área da infância e adolescência para verificar sua adequação aos preceitos constitucionais e legais.

O ECA criou dois importantes espaços institucionais compostos por membros da sociedade civil, os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares. Os Conselhos de Direitos de Crianças e Adolescentes são espaços de participação social e política, paritários em sua composição por possuírem igual número de representantes governamentais e não-

governamentais51 e deliberativos, pois podem propor o que for necessário nas políticas públicas e podem controlar as ações públicas em todos os níveis.

Ressalta-se que internacionalmente também há uma instância de controle e monitoramento das políticas para a infância, em nível mundial, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU, já que a Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, em seu artigo 43 e seguintes, dispôs sobre a atuação de órgão internacional de controle das políticas públicas nacionais de proteção de crianças e adolescentes. O Comitê é composto de 10 (dez) membros dos Estados signatários, com a atribuição de fiscalizar as ações dos Estados-partes e questionar quais as ações para a efetivação da proteção aos direitos de crianças e adolescentes no país; o Brasil, na qualidade de Estado-parte, apresenta informes periódicos.