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4 O CONSELHO TUTELAR COMO ÓRGÃO TRANSFORMADOR DAS

4.3 Percepções, dinâmica e produção de conhecimento no Direito da Criança e

4.3.3 Produção de conhecimento sobre os Conselhos Tutelares

A formulação das políticas públicas requer sejam acompanhadas de informações e indicadores da realidade para que alcancem seus objetivos e metas, nesse sentido a academia e as produções que dali se originam tem papel fundamental. E essa necessidade é ainda mais premente quando se trata de políticas públicas que passaram por mudanças de paradigmas jurídico-políticos como é o caso da infância. Corroborando com esse argumento, Souza Filho, Santos e Duriguetto (2011)88 se dedicaram a pesquisar e compilar teses e dissertações dos cursos de pós-graduação stricto sensu que trataram do tema do Conselho Tutelar, no período de 1994 a 200989, com dados disponíveis no Banco de Teses da Coordenação de

88 A pesquisa foi desenvolvida em parceria por professores da Faculdade de Serviço Social da Universidade

Federal de Juiz de Fora e da Universidade Católica de Brasília, por intermédio de convênio celebrado entre a Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão/UFJF (FADEPE) e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, surgiu a partir do Projeto financiado pelo International Institute

of Child Rights and Development (IICRD), vinculado à Universidade de Victória - Canadá e pelo Fundo das

Nações Unidas pela Infância (Unicef/Brasil) e desenvolvido pelo Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Brasília (CEDECA) em parceria com Pontifícia Universidade Católica de Goiás. (SOUZA FILHO; SANTOS; DURIGUETTO, 2011).

89 A pesquisa intentou obter como referência temporal os anos de vigência do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), a partir do ano de 1990, mas as primeiras dissertações e teses sobre conselhos tutelares começaram a ser escritas em 1994 e o banco de dados da CAPES só implantado em 1996 com alimentação de responsabilidade das instituições de ensino superior, sem o caráter de obrigatoriedade, o que pode gerar irregularidades e inconsistências na inserção desses dados no sistema. (SOUZA FILHO; SANTOS; DURIGUETTO, 2011).

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação (SOUZA FILHO; SANTOS; DURIGUETTO, 2011).

Verificou-se que no período foram produzidos 88 (oitenta e oito) trabalhos e que os temas retratados trazem acentuada preocupação com duas temáticas: gestão dos Conselhos Tutelares (estrutura e funcionamento) e a intervenção desses órgãos em situações de violência doméstica. Em menor número apareceram os conteúdos acerca da relação dos Conselhos Tutelares com as políticas sociais, particularmente a de educação, e o papel desses conselhos na consolidação da cidadania de crianças e adolescentes. Em relação à distribuição da produção nos níveis da pós-graduação, apenas 11,3% do total da amostra era de trabalhos de Doutorado e em relação às áreas do conhecimento, apenas 09 (nove) trabalhos, 10,2% correspondiam à seara do Direito.

O financiamento que a publicação obteve por parte do governo federal aponta para a sensibilização do poder público em compreender a importância da aproximação entre as agendas de pesquisas acadêmica e a produção de políticas públicas. Os autores apontam que o estudo, em última instância, buscou subsidiar os processos de formulação, monitoramento e avaliação das políticas de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, dentre estas, as políticas de fortalecimento dos próprios Conselhos Tutelares. A partir do cotejamento das informações produzidas, a conclusão a que os autores chegaram é que os Conselhos Tutelares são hoje controvertidos órgãos com uma realidade empírica em constante consolidação do paradigma da proteção integral de crianças e adolescentes.

A constatação do pouco interesse do pesquisador jurídico em relação ao tema dos Conselhos Tutelares é motivo de alerta, que sinaliza para um quadro ainda mais grave, o distanciamento das pesquisas no campo do Direito dos fenômenos sociais. A questão se torna ainda mais relevante quando se parte da hipótese de que o conhecimento jurídico é visto pelas comunidades populares como exclusivo de uma determinada esfera da sociedade, detentora de privilégios em detrimento da maioria da população, pois, ainda caracterizam o conhecimento e o ensino do Direito, ao dogmatismo e formalismo90.

90 Nessa linha destacamos a experiência do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), que

propõe e apoia projetos de educação voltados para o desenvolvimento das áreas de Reforma Agrária. Trata-se de proposta de democratização do conhecimento no campo, onde jovens e adultos de assentamentos têm acesso a cursos de educação básica (alfabetização, ensinos fundamental e médio), técnicos profissionalizantes de nível médio, cursos superiores e de pós-graduação (especialização e mestrado). As ações do programa, que nasceu da articulação da sociedade civil, têm como base a diversidade cultural e socioterritorial, os processos de interação e transformação do campo, a gestão democrática e o avanço científico e tecnológico (PRONERA, 2018). Apesar de 20 anos de projeto que objetiva promover o intercâmbio entre as políticas educacionais e os movimentos sociais, atores do Sistema de Justiça ainda se manifestam contrariamente à iniciativa do governo federal. Neste sentido, há em curso uma Ação Civil Pública contra a primeira turma de direito do programa

Compartilhamos das mesmas inquietações de Góes Júnior (2015) em sua tese doutoral, na qual o autor afirma que a realidade social não é compatível com as teorias ensinadas nos cursos de Direito, em que os acontecimentos sociais, em lugar de serem rechaçados ou avaliados negativamente por não caberem nas abstrações conceituais, deveriam ser melhor avaliados e desenvolvidos como prática em sala de aula. O autor utiliza como referenciais teóricos para suas reflexões as produções e experiência de Sousa Júnior (2015) do projeto da UNB “Direito Achado na Rua” e Lyra Filho (1980) do movimento da “Nova Escola Jurídica Brasileira”. No entanto, apesar de compreender sua relevância, foge ao escopo desta investigação a discussão teórica acerca dos esquemas referenciais e marcos teóricos que envolvem uma Teoria Dialética do Direito (COSTA; COELHO, 2017).

Unger (2006) afirma que o direito no Brasil é idealizado como meio de expressão detido por uma elite que cerceia a democracia, além de ser controlador pois produz interpretações para revelá-lo. O autor argumenta de forma categórica que o ensino praticado nos cursos jurídicos no Brasil é imprestável e que não serve para formar profissionais que possam melhorar o nível da discussão das instituições nacionais e de nossas políticas públicas.

Concordamos que a interlocução entre o conhecimento acadêmico no campo jurídico e a formulação de políticas públicas ainda é insuficiente no país, sendo necessário um maior reforço e estímulo à produção de pesquisas e estudos conjuntos, inclusive com parcerias firmadas para a construção dos Observatórios da Criança e do Adolescente91, em modelo já institucionalizado pelo governo federal92.

ajuizado pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da Universidade Federal de Goiás (UFG) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) (SPIESS, 2016).

91 O Observatório Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, criado no ano de 1997, foi concebido pata

produzir informações que subsidiem o diagnóstico e as ações para as politicas públicas voltadas para crianças e adolescentes. Atualmente faz a gestão nacional do SIPIA - Sistema Nacional de Registro e Tratamento de Informação. O SIPIA é um sistema nacional de registro e tratamento de informações sobre crianças e

adolescentes, gerando dados agregados em nível municipal, estadual e nacional, sendo base única nacional para formulação de políticas públicas no setor. O sistema de dados foi criado também em 1997, dentro do Plano Nacional da Política de Direitos Humanos e tem o objetivo de gerar informações com o fim de “subsidiar a adoção de decisões governamentais sobre políticas para crianças e adolescentes, garantindo-lhes acesso à cidadania” (PORTAL MJ, 2018).

92 Desde o ano de 2007 o governo federal vem desenvolvendo ações em torno da Agenda Social Criança e

Adolescente, formulada para enfrentar a violência contra crianças e adolescentes no país, bem como defender, garantir e promover os direitos assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em 2011 a autora participou de encontro de iniciativa da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do

Adolescente em parceria com o Centro Brasileiro de Protagonismo Juvenil, que teve o propósito de articular junto às universidades estaduais, a integração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nos espaços e currículos de ensino, pesquisa e extensão, promovendo interfaces entre as instituições de ensino e os adolescentes brasileiros, na ocasião algumas parcerias foram iniciadas. (UERGS, 2011).

Esta tese busca suprir essas lacunas, primando pela produção de conhecimento jurídico crítico e propositivo para que novas estratégias de ação sejam implementadas para o fortalecimento dos Conselhos Tutelares.

No próximo capítulo são endereçadas conclusões parciais da pesquisa, além da problematização de exemplos da práxis dos Conselhos Tutelares.

5 PROJETOS POLÍTICOS MENORISTA E PROTETIVO: A DISPUTA PERSISTE