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Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)

16. Controle concentrado de constitucionalidade

16.4 Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF)

A ADPF é outra ação inserida no controle concentrado de constitucionalidade (art. 102, § 1°, da CF/88), cabível para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental provocada por ato do Poder Público e quando houver significativa divergência constitucional quanto à lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive anteriores à Constituição Federal de 1988 (art. 1° da Lei n° 9.882/99).

À primeira vista, o objeto da APDF é muito amplo, já que admite o questionamento de “preceito fundamental”, que pode ser interpretado como qualquer norma relativa a direitos e garantias individuais, cláusulas pétreas, princípios sensíveis (art. 34, VII, CF), podendo ser

675 Idem, p. 134-135.

676 STF, Pleno, MC na ADIN n° 361/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 05/10/1990, DJ 26/10/1990, p. 11976; STF,

Pleno, MC na ADIN n° 1387/DF, rel. Min. Carlos Velloso, j. 06/03/1996, DJ 29/03/2006, p. 9344; STF, Pleno, MC na ADIN n° 1458/DF, rel. Min. Celso de Mello, j. 23/05/1996, DJ 20/09/1996, p. 34531. Acórdão citados por: PIOVESAN, Flávia, op.cit., p. 122.

admitidos outros preceitos fundamentais677. Porém, ela tem caráter subsidiário, ou seja, não é cabível “quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade” (art. 4°, § 1°, da Lei n° 9.882/99).

O caráter subsidiário da ADPF exclui seu cabimento quando for cabível outra ação com a mesma eficácia, ou seja, que produza efeitos erga omnes e vinculantes, podendo colocar fim à ampla divergência jurisprudencial. Não basta que seja possível ajuizar ação de

qualquer natureza para afastar o cabimento da ADPF678.

Segundo entendimento consolidado do STF, a ADPF é cabível para impugnar atos normativos de autoridades administrativas, leis e atos normativos anteriores à vigente

Constituição Federal, violação de preceitos implícitos na Constituição de 1988679, normas

municipais, decisões judiciais contraditórios que ameaçam a segurança jurídica, e declaração

de constitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais680.

A ADPF pode ser ajuizada por ação autônoma perante o STF ou consistir em um incidente no processo. No segundo caso, a parte legitimada para ajuizar ADPF pode alegar violação a preceito fundamental no processo, que deve ser julgada de maneira abstrata pelo

STF enquanto a lide é julgada pela instância inferior681. O incidente tem pouca utilidade

porque se entende que apenas o legitimado para ajuizar a ação principal pode provocá-lo, quando é mais vantajoso para ele levar ao STF o descumprimento do preceito fundamental em ação autônoma para que tenha objeto mais amplo.

Assim como as demais ações constitucionais, o quorum de deliberação da APDF exige a presença de pelo menos dois terços dos ministros, ou seja, oito ministros (art. 8°, da Lei n° 9.882/99). Porém, a lei não disciplina o quorum necessário para a procedência da ação. Entende-se que deve ser a maioria absoluta – pelo menos seis ministros – porque a concessão da medida cautelar exige o referido quorum (art. 5°, caput, da Lei n° 9.882/99), não podendo

a decisão de mérito ter critério menos rigoroso682. Ademais, diante da omissão legal, pode-se

aplicar o mesmo quorum da ADIN por analogia.

677 DIMOULIUS, Dimitri; LUNARDI, Soraya, op. cit., p. 175.

678 STF, Pleno, ADPF n° 33/PA, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 07/12/2005, DJ 27/10/206, p. 31. 679 DIMOULIUS, Dimitri; LUNARDI, Soraya, op. cit. p. 173-174.

680 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira, op. cit., p. 613-614, 617-624 e 638. 681 O incidente de descumprimento de preceito fundamental é criticado por ser uma releitura da competência

avocatória do STF no período da ditadura militar em que o Supremo podia julgar as demandas que tramitavam perante as instâncias ordinárias se houvesse relevante interesse social (CRUZ, Gabriel Dias Marques. Arguição

de descumprimento de preceito fundamental: lineamentos básicos e revisão crítica no direito constitucional

brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 71-72).

Ao contrário da legislação das demais ações constitucionais, a ADPF prevê expressamente o cabimento de reclamação constitucional em caso de violação da decisão proferida pelo STF (art. 13, da Lei n° 9.882/99).

A arguição de descumprimento de preceito fundamental pode ser usada para a tutela

do meio ambiente, como vemos na APDF n° 101/DF683 em que havia divergência

jurisprudencial quanto à permissão de importação de pneus usados de países que não pertenciam ao Mercosul. O STF entendeu que a permissão de importação de carcaças de pneus violava o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado das presentes e futuras gerações, o direito à saúde e o princípio do desenvolvimento sustentável, pois o Brasil já tem grande quantidade de pneus descartados e a importação de carcaças apenas aumentaria o volume do lixo e de poluição. Além disso, as empresas nacionais que fazem a remoldagem dos pneus têm matéria-prima suficiente no Brasil, não sendo necessário importar ainda mais carcaças.

17. Síntese conclusiva

O atual sistema de tutela jurisdicional coletiva dispõe de técnicas e ações aptas a proteger com eficácia o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A tutela inibitória é técnica processual que pode ser aplicada nas ações coletivas para evitar ato ilícito, independentemente da ocorrência de dano. Assim, se houver risco de descumprimento da legislação ambiental, independentemente da ocorrência de dano, a tutela inibitória pode ser concedida. Citamos como exemplo o cabimento de tutela inibitória para determinar que o projeto de empreendimento potencialmente danoso ao meio ambiente observe a legislação ambiental.

A tutela específica é outra técnica processual cabível para evitar o dano ambiental ou garantir a sua reparação integral, pois pode ser imposta obrigação de fazer ou não fazer. Assim, por exemplo, a decisão judicial pode impedir o dano ambiental ao impedir a realização de determinada obra, ou impor a sua reparação integral.

Para aplicação de ambas as técnicas processuais, o magistrado dispõe de diversos meios coercitivos para que o demandado cumpra a decisão judicial, tais como multa diária,

busca e apreensão, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva. Os meios coercitivos devem ser impostos para garantir o efetivo cumprimento da decisão que impõe obrigação de fazer ou não fazer.

Todavia, algumas previsões legais buscam restringir a efetividade da tutela coletiva, incluindo o direito ao meio ambiente, por meio da restrição da concessão da tutela de urgência perante o poder público. A lei veda a antecipação de tutela, a concessão de tutela de urgência em caráter liminar que não possa ser deferida por mandado de segurança e, mesmo quando a tutela de urgência é cabível, determina a prévia intimação do representante judicial da Administração Pública. Todavia, vimos que as referidas restrições não podem ser aplicadas se comprometerem a efetividade da tutela jurisdicional ao final do processo.

Outro mecanismo que pode restringir a efetividade da tutela jurisdicional é a suspensão dos efeitos da decisão que concede a tutela de urgência. Embora o incidente seja suscitado muitas vezes para suspender os efeitos das decisões que garantem a tutela do direito ao meio ambiente, também é cabível a suspensão da decisão que possa causar dano ambiental.

As técnicas processuais acima apontadas podem ser aplicadas na ação popular, na ação civil pública e no mandado de segurança coletivo, que são cabíveis para a tutela jurisdicional do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Diante de um mesmo risco ou efetivo dano ambiental é possível ajuizar diferentes ações, devendo o autor avaliar qual pode ser a mais efetiva.

As ações de controle concentrado de constitucionalidade também podem garantir a proteção do direito ao meio ambiente porque permitem que seja declarada a inconstitucionalidade de determinada norma, ou interpretação jurisprudencial, contrária ao artigo 225 da Constituição Federal. É possível, por exemplo, determinar a suspensão de dispositivo legal que viole a proteção do meio ambiente.

Embora a tutela jurisdicional do direito ao meio ambiente disponha de técnicas processuais efetivas, as ações coletivas e de controle concentrado de constitucionalidade não são suficientes por si sós para garantir a proteção integral do meio ambiente, especialmente para afastar o risco de dano. Por isso, é necessária também a concessão das tutelas de urgências para evitar que o dano ambiental ocorra no curso do processo.

Veremos nos próximos capítulos que a tutela de urgência é técnica processual indispensável para evitar o risco de dano ao meio ambiente e, consequentemente, garantir a efetividade prática do princípio da precaução.

PARTE IV

TUTELA DE URGÊNCIA E PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

18. Semelhanças entre a tutela de urgência e o princípio da precaução

Embora pertençam a ramos distintos do direito, a tutela de urgência do processo civil – que abrange a medida cautelar e a antecipação de tutela – e o princípio da precaução do direito ambiental possuem características comuns, como veremos abaixo.