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Restrições legais quanto à concessão de tutela de urgência

14. Efetividade da tutela jurisdicional do meio ambiente

14.2 Tutela específica

14.4.1 Restrições legais quanto à concessão de tutela de urgência

A tutela de urgência é essencial para a efetiva garantia do direito ao meio ambiente, pois pode evitar dano ambiental irreversível ou de difícil reparação durante o trâmite longo e complexo do processo. Caso contrário, a sentença favorável poderá se tornar mero “prêmio

de consolação”, nas palavras de Ricardo de Barros Leonel486.

O fundamento constitucional para o cabimento da tutela urgência é o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5°, XXXV, CF/88), que determina a tutela efetiva

481 LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2009, p. 171-172.

482 TESSLER, Luciana Gonçalves, op. cit., p. 296-297. Talamini defende que é cabível a execução provisória da

multa para manter seu caráter coercitivo e, caso a decisão final seja contrária ao beneficiário da multa, ela deve ser devolvida (TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 258-260). No entanto, essa possibilidade criaria complexidade adicional desnecessária no processo, que precisaria de duas execuções: uma provisória para executar a multa e outra definitiva para devolução do valor.

483 MARINONI, Luiz Guilherme, Tutela inibitória: individual e coletiva, cit., p. 187-188. 484 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 264-265.

485 MARINONI, Luiz Guilherme, tutela inibitória: individual e coletiva, cit., p. 183. 486 LEONEL, Ricardo de Barros, Manual do processo coletivo, cit., p. 323.

dos direitos ameaçados de lesão ou violados487. Ela é cabível em todas as ações coletivas e de controle concentrado de constitucionalidade que veremos nos próximos capítulos. Embora seja instrumento indispensável para a tutela jurisdicional, algumas leis especiais tentaram restringir a concessão de tutela de urgência contra o Poder Público para privilegiar os interesses governamentais diante dos demais interesses da coletividade.

Primeiramente, é vedada a concessão de liminar em cautelar e a antecipação de tutela contra atos do Poder Público se estes não puderem ser impugnados por mandado de segurança (art. 1°, caput, da Lei n° 8.437/92 c/c art. 1°, da Lei n° 9.494/97). Também é vedada a concessão de tutela antecipada satisfativa (art. 1°, § 3°, da Lei n° 8.437/92).

Mesmo se for cabível liminar em ação cautelar ou antecipação de tutela, o representante legal do órgão ou entidade do Poder Público deve ser previamente intimado (art. 1°, § 4°, da Lei n° 8.437/92). Se a tutela de urgência for requerida em sede de ação civil pública, o representante judicial da pessoa jurídica de direito público deve se manifestar em

até 72 horas (art. 2°, da Lei n° 8.437/92)488.

A constitucionalidade da vedação legal de tutela de urgência foi objeto de ação declaratória de constitucionalidade. O STF afirmou a validade e eficácia dos dispositivos legais em sede de medida cautelar para resguardar os interesses estatais, especialmente quanto à antecipação de tutela com repercussão pecuniária, como a incorporação imediata de

acréscimos de vencimentos na folha de pagamento489. O foco da decisão do STF foi o

prejuízo ao orçamento da Administração Pública.

Nesse sentido, Athos Gusmão Carneiro afirma a constitucionalidade da restrição legal, pois a tutela de urgência concedida em caráter liminar não é garantia processual, mas sim exceção ao princípio do contraditório. Por isso, a sua restrição não seria por si só ilegal. Porém, o autor admite que a vedação legal pode ser afastada se houver absoluta necessidade de satisfação imediata do direito material sob pena de a tutela jurisdicional definitiva se tornar

inócua490, o que configura negativa da prestação jurisdicional efetiva.

A restrição legal imposta viola o princípio da igualdade, já que trata o particular e o Poder Público de forma diferente sem fundamento razoável. Diante da mesma situação, o particular pode ser compelido a fazer ou deixar de fazer em caráter liminar, enquanto o Poder

487 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do direito ambiental processual: a defesa judicial do

patrimônio genético, do meio ambiente cultural, do meio ambiente artificial, do meio ambiente do trabalho e do meio ambiente natural do Brasil, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 67.

488 A mesma restrição foi prevista para o mandado de segurança coletivo, mas essa parte do dispositivo legal foi

revogada pela nova lei do mandado de segurança (Lei n° 12.016/2009).

489 STF, Pleno, MC na ADC 4/DF, rel. Min. Sydney Sanches, j. 11/02/1998, DJ 21/05/1998, p. 2. 490 CARNEIRO, Athos Gusmão, op. cit., p. 219-220.

Público pode violar o direito do demandante. Trazemos o seguinte exemplo citado por Ricardo de Barros Leonel: se um particular mover ação para impedir o despejo de resíduos poluidores, com pedido liminar para que seja imediatamente cumprida a obrigação de não fazer, pode obter a medida antes mesmo da citação. Entretanto, se a mesma ação for movida em face do Poder Público, o particular não pode sequer obter a liminar, pois teria antecipado os efeitos da sentença condenatória, e ainda que fosse cabível, o representante do Poder

Público deveria ser previamente intimado491.

Para compatibilizar a restrição legal para concessão das tutelas de urgência com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, deve-se admitir seu cabimento em face do Poder Público se a denegação implicar na completa ineficácia da tutela satisfativa ao final do processo. Assim, por exemplo, é cabível a concessão de antecipação de tutela em ação civil pública para suspender os efeitos da licença ambiental concedida para empreendimento com significativo impacto ambiental, se não houver prévio estudo de impacto ambiental ou este estiver eivado de alguma nulidade. Nesse caso, não devem ser aplicadas as restrições da medida liminar porque prevalece o interesse público primário na proteção do meio ambiente em relação ao eventual interesse estatal ou governamental.

Também deve ser relativizada a regra de prévia intimação do representante da pessoa jurídica de direito público se nesse período puder ocorrer dano irreparável ou de difícil reparação. No exemplo acima, pode ser deferida a liminar inaudita altera parte se o agente privado estiver na iminência de iniciar a atividade potencialmente danosa ao meio ambiente.