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7. Síntese conclusiva

11.4.6 Proteção da biodiversidade

A biodiversidade consiste na “variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas

403 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 281-284.

404 MILARÉ, Édis, Direito do ambiente, cit., p. 1286 e 1292.

405 MACHADO, Paulo Affonso Leme, Direito ambiental brasileiro, cit., p. 1065-1067.

406 Os instrumentos do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro são: (i) zoneamento ecológico-econômico

para regular o uso e atividades dos recursos naturais; (ii) monitoramento costeiro com a finalidade de acompanhar o uso e ocupação do solo e da água por atividades socioeconômicas; (iii) sistema de informações do gerenciamento costeiro no âmbito nacional ; (iv) plano de gestão e sistema nacional de gerenciamento costeiro (SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 161-163).

aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade

dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas”408.

A biodiversidade guarda a riqueza essencial do meio ambiente, o patrimônio genético, que consiste na “informação de origem genética, contida em amostras do todo ou de parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal na forma de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos” (art. 7°, I, da MP 2.186-16/01). O Brasil tem um dos maiores patrimônios genéticos do mundo em razão da ampla biodiversidade inserida nos seus ecossistemas.

Por isso, a legislação brasileira se empenha em proteger a biodiversidade – e, consequentemente, seu patrimônio genético – por meio da preservação do habitat natural, ou ainda da recuperação e manutenção das diversas espécies da fauna e da flora no seu ambiente de origem ou fora do lugar natural, como plantações, jardim botânico, zoológico, aquário,

etc409. Além disso, também devem ser submetidas ao controle do Poder Público as atividades

de pesquisa e manipulação do material genético da fauna e da flora (art. 225, § 1°, II, da CF/88).

Uma das tentativas de proteção da biodiversidade se deu por meio da Política Nacional da Biodiversidade, instituída pelo Decreto 4.339/2002. A política nacional deveria ser instituída por lei e não decreto, o que justifica a primeira crítica. Além disso, o decreto

pressupõe a pré-existência de uma política nacional, que não existe410. O decreto ainda tem

princípios contraditórios, conjunto assistemático de declarações411 e não prevê a

implementação da tutela da biodiversidade412. Parece que a criação da norma pelo Poder

Executivo foi uma tentativa demagógica de demonstrar preocupação com a proteção da biodiversidade.

Felizmente, os outros instrumentos normativos para a proteção da biodiversidade são um pouco mais efetivos. A MP n° 2.186-16/2001 prevê o controle da exploração do patrimônio genético pela União (art. 10). A exploração consiste na coleta de material,

pesquisa por longo período com possível uso de conhecimento da população tradicional413,

identificação do produto que pode ser explorado, patente do produto e exploração

408 CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO

AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, Rio de Janeiro, 1992, incorporada pelo Decreto legislativo n° 2/94.

409 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 96

410 MILARÉ, Édis, Direito do ambiente, cit., p. 1005

411 ANTUNES, Paulo de Bessa, Direito ambiental, cit., p. 811. 412 MILARÉ, Édis, Direito do ambiente, cit., p. 1010.

413 Denominado de “conhecimento tradicional associado”, que é definido como “informação ou prática

individual ou coletiva de comunidade indígena ou de comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético” (art. 7°, II, da MP n° 2.186-16/01).

comercial414.

O uso do conhecimento da comunidade tradicional415 pelos pesquisadores deve ser

recompensado por meio da divisão de lucros, pagamento de royalties, acesso e transferência de tecnologias, licenciamento - livre de ônus - de produtos e processos e capacitação de recursos humanos (art. 25, da MP n° 2.186-16/01). Não é necessário que sejam concedidos todos os benefícios, podendo a recompensa ser acordada livremente entre as partes, desde que se promova efetiva melhoria para aqueles que cederam conhecimento sobre a diversidade biológica416.

Na prática, a proteção do patrimônio genético é deficiente em razão da falta de fiscalização adequada pelo Poder Público. Os interesses financeiros da indústria na pesquisa sobre os recursos nacionais conseguem fazer com que prevaleçam seus interesses em relação

à proteção da biodiversidade417.

Outra forma de proteção da biodiversidade se dá pela fiscalização da engenharia genética, que consiste na “atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante” (art. 3°, IV, da Lei n° 11.105/05) para a criação de “organismos geneticamente modificados – OGM”. A plantação de OGM em grande quantidade ocorreu nas décadas de 80 e 90, quando se percebeu o risco da atividade ao meio ambiente e à saúde humana devido a

sua intervenção no ecossistema418. Em 2000, a Convenção sobre Diversidade Biológica

publicou o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, que disciplina as trocas internacionais de OGM, bem como incentiva os países-membros a disciplinarem a matéria e

criarem agências governamentais para controlar a sua produção e exploração419.

No direito brasileiro a matéria é disciplinada no âmbito federal pela Lei n° 11.105/05, e o STF entende que os estados e municípios não poderiam disciplinar de forma mais restritiva a matéria, pois estaria inserida na competência concorrente (art. 24, V e II, da

CF/88)420. A lei federal foi criticada por não prever código de ética421 para a pesquisa e

utilização de OGM, bem como por não exigir como regra o EIA-RIMA para a concessão da

414 MEIRELLES, Hely Lopes; AZEVEDO, Eurico de Andrade; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito

administrativo brasileiro, 36ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 613.

415 A comunidade tradicional não se confunde com comunidade pobre ou marginalizada, embora muitas vezes a

população tradicional viva sob condições precárias. As comunidades tradicionais devem ser preservadas porque estão ameaçadas em razão da crescente urbanização e abandono da zona rural, utilização de produtos industrializados em larga escala, que desestimula a produção local e a natureza oral dos conhecimentos que se perdem (ANTUNES, Paulo de Bessa, Direito ambiental, cit., p. 817-818).

416 Idem, p. 794.

417 MILARÉ, Édis, Direito do ambiente, cit., p. 1034-1035. 418 Idem, p. 1045-1046.

419 Idem, p. 1047.

420 STJ, Pleno, ADI n° 3645/PR, rel. Min. Ellen Gracie, j. 31/05/2006, DJ 01/09/2006, p. 16. 421 MILARÉ, Édis, Direito do ambiente, cit., p. 1048.

licença.

Quanto ao EIA, cabe à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) avaliar se a atividade provoca risco ao meio ambiente para exigi-lo (art. 16, § 3°, da Lei n°

11.105/05)422, quando deveria ser exigido como regra geral porque há grave risco à saúde e ao

meio ambiente (art. 225, § 1°, IV, da CF/88)423. Ademais, a CTNBio não tem capacidade

técnica de avaliar o risco ambiental porque apenas três dos seus membros são da área do meio

ambiente424 e sua composição tem caráter preponderantemente político425.

Outra crítica é quanto à falta de transparência das decisões da CTNBio, que deveria se pautar pela publicidade e proteção ao meio ambiente, porém muitas vezes atua no interesse de determinadas empresas. A questionável idoneidade da entidade ainda se agrava porque ela não sofre controle de outros órgãos públicos, que não podem reexaminar a licença concedida, mas apenas registrá-la.

Em síntese, embora o Brasil tenha uma das maiores biodiversidades do mundo, a legislação pátria e o Poder Público ainda são incapazes de tutelá-la adequadamente.