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4. Tutela antecipada urgente (art 273, I, CPC)

4.2 Requisitos

4.2.1 Verossimilhança e prova inequívoca

A legislação brasileira prevê como requisitos para concessão da tutela antecipada a prova inequívoca e a verossimilhança das alegações do autor (art. 273, caput, do CPC). Se adotarmos interpretação literal dos referidos requisitos legais seria necessária sentença de

mérito para formar o convencimento quanto à prova inequívoca108.

Para superar a incompatibilidade de se exigir certeza em juízo de cognição sumária para conceder antecipação de tutela, a doutrina buscou adequar os requisitos legais.

Barbosa Moreira afirma que a prova inequívoca é aquela que tem apenas um sentido e, consequentemente, tem a aptidão de convencer o juiz sobre a verossimilhança das

alegações da parte que requer a antecipação de tutela109. No entanto, a interpretação não

parece adequada, já que se a prova fosse capaz de formar o convencimento do juiz num único sentido, o juízo seria de certeza.

De outro lado, Kazuo Watanabe compara os requisitos da tutela antecipada com os da medida cautelar para afirmar que o juízo de verossimilhança da primeira é mais

aprofundado110. Cândido Rangel Dinamarco ainda afirma que a prova deve apontar a

105 ALVIM, Eduardo Arruda. Antecipação de tutela, 1ª ed., 1ª reimp. Curitiba: Juruá, 2008, p. 154-155. 106 CASTAGNA, Ricardo Alessandro, op. cit., p. 257-258.

107 Em sentido contrário Barbosa Moreira entende que a modificação ou revogação depende de pedido das partes

(MOREIRA, José Carlos Barbosa. A antecipação da tutela jurisdicional na reforma do Código de Processo Civil.

Revista de Processo, vol. 21, n° 81, jan./mar. 1996, São Paulo, p. 210).

108 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Temas de direito processual: oitava série, cit., p. 79-80. 109 MOREIRA, José Carlos Barbosa, antecipação da tutela... cit., p. 104.

probabilidade de existência do direito111. Luiz Guilherme Marinoni afirma que a decisão deve ser fundada na credibilidade das alegações, devendo-se comparar qual das alegações tem

maior verossimilhança, a do autor ou do réu, e o direito material objeto do litígio112.

Assim, o requisito para concessão da antecipação de tutela é a probabilidade da existência do direito, que é formada com base na cognição sumária das alegações e das provas apresentadas pelas partes.

4.2.2 Dano irreparável ou de difícil reparação

Outro requisito para concessão da tutela antecipada urgente é o “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” (art. 273, I, CPC).

O dano irreparável se configura, por exemplo, quando se trata de direito não patrimonial, direito patrimonial com função não patrimonial (como, por exemplo, a indenização em dinheiro para pagar tratamento médico de dano à integridade física provocado por ato ilícito), ou direito patrimonial que demanda tutela específica. O dano de difícil

reparação é aquele difícil de individualizar ou quantificar113.

Em outras palavras, o dano irreparável e o de difícil reparação impedem a plena satisfação do direito depois da sentença de mérito. O dano deve ser fundado em risco iminente, devendo-se demonstrar a probabilidade da sua ocorrência, não bastando a mera

possibilidade remota114.

4.2.3 Reversibilidade115

111 DINAMARCO, Cândido Rangel, Nova era do processo civil, cit., p. 72-73. 112 MARINONI, Luiz Guilherme, Antecipação de tutela, cit., p. 186-187. 113 Idem, p. 155-156.

114 CASTAGNA, Ricardo Alessandro, op. cit., p. 247.

115 A reversibilidade da antecipação de tutela é apontada como requisito antes mesmo da reforma de 1994 no

Código de Processo Civil, já que se entendia que a antecipação não era cabível se tornasse a sentença final inútil, bem como deveria ser possível reparar o dano ao réu em pecúnia. Ressalvava-se o cabimento da antecipação quando o direito ameaçado fosse de reparação impossível (MESQUITA, José Ignácio Botelho de, op. cit., p. 49- 51).

A tutela antecipada não pode ser concedida quando houver risco de irreversibilidade da medida concedida, nos termos do artigo 273, § 2°, do CPC. Não obstante a vedação legal, é possível concedê-la em situações excepcionalíssimas para evitar dano maior ao direito do autor116.

É preciso sopesar os valores e direitos envolvidos no conflito, com fundamento no

princípio da proporcionalidade117, e considerar qual poderia ser o mal maior: a negativa da

tutela irreversível ou a concessão118.

Adotamos os critérios de Paulo Henrique dos Santos Lucon para avaliar o cabimento da medida urgente irreversível, quais sejam: (i) juízo de mal maior em que se avalia quem

sofrerá o dano maior com a concessão da medida119; (ii) juízo de mal mais provável no qual se

examina o dano mais provável, aquele temido pelo autor ou pelo réu120.

Podemos citar como exemplos de antecipações de tutela irreversíveis cabíveis: a autorização da transfusão de sangue para evitar a morte do demandante, a permissão para o

filho viajar com um dos cônjuges contra a vontade do outro121, a determinação para a

seguradora de saúde, ou o Estado, pagar um tratamento médico.

Ocorre que a antecipação de tutela irreversível pode satisfazer a pretensão de direito

material, tornando inútil o provimento final de mérito122. Esse problema não tem solução na

legislação processual vigente, já que toda antecipação de tutela necessitaria de uma decisão de mérito posterior (art. 273, § 5°, CPC). Para contornar essa situação, só restaria ao juiz confirmar a antecipação de tutela em sentença de procedência, ainda que não tenha qualquer relevância prática.

116 ALVIM, Eduardo Arruda, Antecipação de tutela, cit., p. 150-151.

117 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

(tentativa de sistematização), cit., p. 378.

118 MOREIRA, José Carlos Barbosa, Temas de direito processual: oitava série, cit., p. 83. Nesse sentido é o

entendimento da jurisprudência ao sopesar os valores objeto do litígio como, por exemplo, na negativa de antecipação de tutela irreversível que suspendia acordo de acionistas firmado com o Estado do Paraná no edital da licitação (STJ, 2ª Turma, MC n° 13304/PR, rel. Min. Eliana Calmon, j. 25/09/2007, DJ 03/10/2007, p. 186).

119 Ao examinar o cabimento da antecipação de tutela irreversível, o STJ entendeu que o requerido sofreria maior

dano com a tutela antecipada porque teria que fazer investimento que dificilmente seria indenizável. Ademais, era mais provável o direito alegado pelo demandado (STJ, 1ª Turma, AgRg na MC n° 9823/MA, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 17/05/2005, DJ 30/05/2005, p. 210).

120 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Considerações sobre a tutela jurisdicional diferenciada. In: CIANCI,

Maria et al (coord.). Temas atuais das tutelas diferenciadas: estudos em homenagem ao Professor Donaldo Armelin. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 699. Nesse sentido também é o entendimento de Cassio Scarpinella Bueno (Curso sistematizado de direito processual civil: tutela antecipada, tutela cautelar, procedimentos cautelares específicos, cit., p. 25).

121 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

(tentativa de sistematização), cit., p. 274 e 376.

Todavia, a situação se torna mais complexa se a demanda em que foi concedida a medida irreversível for julgada improcedente. Se o provimento antecipado irreversível puder ser reparado por indenização, o juiz pode exigir caução para tentar amenizar o risco, com

fundamento no artigo 804 do CPC123 aplicado por extensão analógica. Caso o juiz não exija

caução, é possível impor a reparação dos danos com fundamento na responsabilidade objetiva

do autor124, prevista no artigo 811, I, do CPC125.

Se a ação for julgada improcedente nos dois primeiros exemplos da transfusão de sangue e da viagem do incapaz com um dos seus genitores, a sentença não tem qualquer efeito

prático e, em princípio, não é cabível reparação dos danos, pois não houve dano material126.

Todavia, poder-se-ia interpretar a expressão “prejuízo” do artigo 811, I, do CPC, como dano material ou como dano moral sofrido pelo réu em razão da antecipação da tutela. Assim, nesses casos poderia ser pleiteada a reparação do dano moral.

Diante da dificuldade acima exposta, é importante tratar a reversibilidade como requisito geral para a antecipação de tutela, que só pode ser superada em situações

excepcionais, já que na prática a tutela se torna definitiva127.