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7. Síntese conclusiva

11.4.7 Proteção do meio ambiente cultural

A proteção do meio ambiente cultural no direito brasileiro é anterior até mesmo à Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6.938/81), já que – inspirado no direito português –, o Decreto-lei n° 25/37 garante a proteção “dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (art. 1°, caput) por meio do tombamento. Também é cabível a desapropriação para “a preservação e a conservação dos monumentos históricos e artísticos”

422 A exigência de EIA-RIMA foi debatida em longa batalha judicial na ação civil pública ajuizada pelo IDEC,

GREENPEACE e Ministério Público Federal contra o uso da soja RR da Monsanto, que obteve autorização de comercialização sem prévio estudo de impacto ambiental (LISBOA, Marijane. Transgênicos no Brasil: o descarte da opinião pública. In: DERANI, Cristiane (org.). Transgênicos no Brasil e biossegurança. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005, p. 56-57). A ação foi julgada procedente pela primeira instância para determinar a realização de estudo de impacto ambiental, decisão confirmada pelo Tribunal Regional da 1ª Região na apelação cível n° 1998.34.00.027682-0/DF, mas ainda não há decisão definitiva (SERRA, Silvia Helena. Caso soja round ready: a violação do princípio democrático e do princípio da publicidade pela CNBIO. In: DERANI, Cristiane (org.). Transgênicos no Brasil e biossegurança. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005, p.161-162).

423 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Curso de direito ambiental brasileiro, cit., p. 398-399. 424 MACHADO, Paulo Affonso Leme, Direito ambiental brasileiro, cit., 1166-1172.

desde 1941 (art. 5°, “k”, do Decreto-lei n° 3.365/41).

A proteção dos bens culturais foi reforçada na década de 70 com a participação brasileira em tratados internacionais, dos quais destacamos: a Conferência Geral da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) realizada em Paris, de 12 de outubro a 14 de novembro de 1970, em que foram aprovadas medidas para vedar a importação, exportação e transferência de propriedade ilícita dos bens culturais; e a Convenção Internacional relativa à

Proteção da Herança Universal Cultural e Natural, realizada em Paris no ano de 1972426.

A Constituição Federal de 1988 consagrou e ampliou a tutela jurídica do meio ambiente cultural ao prever a proteção “das manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (art. 215, § 1°, da CF/88). Também integram o patrimônio cultural brasileiro “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, tais como “as formas de expressão”, “os modos de criar, fazer e viver”, “as criações científicas, artísticas e tecnológicas”, “as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais”, e “os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (art. 216, caput, I a V, da CF/88).

É importante ressaltar que a Constituição também ampliou o conceito de cultura no âmbito social, pois deixa de tutelar apenas a cultura da elite social restrita ao eixo Rio-São Paulo ou barroco mineiro, mas também se estende para as expressões culturais de diversas

classes sociais de diferentes regiões do país427.

O patrimônio cultural pode ser protegido por meio de inventário, registro, vigilância, tombamento, desapropriação e outras formas de proteção a serem definidas pelo Poder Público (art. 216, § 1°, da CF/88). A própria Constituição determina o tombamento dos documentos e dos sítios que têm reminiscências históricas dos quilombos (art. 216, § 5°, da CF/88).

A competência para estabelecer normas gerais sobre o meio ambiente cultural é da União, podendo os Estados e os Municípios disciplinar a matéria em caráter suplementar (art. 24, VII e § 1°; art. 30, II, ambos da CF/88). Todas as esferas da federação têm competência comum para tutelar o meio ambiente cultural (art. 23, III a V, da CF/88).

426 FERREIRA, Ivette Senise. Proteção do meio ambiente urbano e cultural. In: YARSHELL, Flávio Luiz;

MORAES, Maurício Zanoide. Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005, p. 94-96.

Uma das formas de proteção dos bens culturais se dá por meio do registro do patrimônio cultural imaterial (Decreto n° 3.351/2000), que consiste nas “práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhe são associados – que as comunidades, os grupos e, em

alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural”428.

Os requisitos para o registro são a continuidade histórica, que exige a existência do bem em um período razoável de tempo para que não haja banalização do registro, e a relevância

nacional429. O registro não implica em restrição ao direito de propriedade do bem, mas visa

promovê-lo como parte do meio ambiente cultural430.

O tombamento, por sua vez, é outro instrumento bastante conhecido para a proteção do patrimônio cultural e histórico. É um ato do Poder Público que declara o valor cultural de

determinado bem móvel ou imóvel e institui regime jurídico especial para seu uso e fruição431.

O ato tem natureza declaratória, já que apenas visa preservar o bem tombado, não constitui seu valor cultural432.

O tombamento pode ser feito pelo Poder Executivo, cujo órgão competente no

âmbito federal é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN)433. Na esfera federal,

o processo de tombamento se inicia por iniciativa do IPHAN – com prévio estudo quanto à relevância cultural – ou do proprietário do bem (art. 7°, do Decreto-lei n° 25/1397), devendo ser indicado o bem móvel ou imóvel. Se o tombamento não se deu por iniciativa do proprietário, ele deve ser notificado para concordar ou impugnar o tombamento no prazo de quinze dias (art. 9°, 1, do Decreto-lei n° 25/1937). Se o proprietário concordar, ocorrerá o tombamento voluntário, mas caso ele apresente impugnação, o órgão competente pela iniciativa do tombamento deve se manifestar (art. 9°, 3, do Decreto-lei n° 25/1937). O Ministro da Cultura deve decidir, podendo contrariar a manifestação do IPHAN, e caberá

recurso ao Presidente da República (Decreto-lei 3.866/41)434.

428 UNESCO. Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, Paris, 17/10/2003, art. 2°, item

1.

429 O registro deve abranger também o patrimônio cultural regional e local em razão da multiplicidade cultural

brasileira. A cultura nacional decorre da somatória de diversas culturas locais (MILARÉ, Édis, Direito do

ambiente, cit., p. 578-579).

430 MACHADO, Paulo Affonso Leme, Direito ambiental brasileiro, cit., p. 1102-1104.

431 RODRIGUES, José Eduardo Ramos. Tutela do patrimônio ambiental cultural. In: PHILIPPI JR., Arlindo;

ALVES, Alaôr Caffé. Curso interdisciplinar de direito ambiental. Barueri: Manole, 2005, p. 544.

432 MAZZILLI, Hugo Nigro, op. cit., p. 226.

433 No Estado de São Paulo o órgão competente é o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico,

Arqueológico e Turístico do Estado – CONDEPHAAT e no Município é o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de São Paulo – CONPRESP (MARÇAL, Liliana de Almeida Ferreira da Silva, op. cit., p. 117).

No início do processo administrativo pode ser decretado o tombamento provisório para a proteção imediata do bem cultural, que se submete ao mesmo regime do tombamento definitivo (art. 10, par. único, do Decreto-lei n° 25/1937). Assim, é admissível tutela antecipada no processo administrativo para garantir que o bem com valor cultural seja devidamente preservado até a decisão definitiva do tombamento.

O tombamento também pode ser determinado por lei, que deve disciplinar seu regime jurídico. A vantagem é a maior dificuldade de afastar o tombamento, pois exigiria

nova lei435. Afasta-se crítica quanto à falta de órgão técnico para avaliar a relevância cultural,

já que o Poder Legislativo dispõe de assessoria técnica em todas as esferas da federação436. É

cabível ainda o tombamento por meio de decisão judicial proferida em ação civil pública e

ação popular ajuizada para proteger determinado bem de valor cultural437.

O proprietário do bem tombado tem o dever de conservá-lo, fazer as obras de conservação, mas se não tiver condições de arcar com as despesas de reparo deve levar ao conhecimento do órgão competente a necessidade da obra, sob pena de multa correspondente ao dobro do valor do dano (art. 19, caput, do Decreto-lei n° 25/1937). O órgão competente deve determinar a execução das obras, a expensas da União, no prazo de seis meses (art. 19, § 2°, do Decreto-lei n° 25/1937). Decorrido o referido prazo com inércia do órgão competente, o proprietário pode requerer o cancelamento do tombamento (art. 19, § 2°, do Decreto-lei n° 25/1937).

Após o tombamento, o bem que pertença à União, Estado ou Município se torna inalienável, podendo ser transferido apenas de uma esfera da federação para outra (art. 11,

caput, do Decreto-lei n° 25/1937). O proprietário particular, por sua vez, deve respeitar o

direito de preferência da União, Estados e Municípios se decidir alienar a título oneroso o bem tombado (art. 22, caput, do Decreto-lei n° 25/1937).

A lei ainda impõe outras restrições ao direito de propriedade. A coisa tombada não pode ser destruída, demolida ou mutilada sem prévia autorização do órgão competente para a proteção do patrimônio cultural (art. 17, caput, do Decreto-lei n° 25/1937). Caso o bem seja móvel, o proprietário não pode exportá-lo a qualquer título, salvo se for por curto período de tempo para intercâmbio cultural e sem a transferência do domínio (art. 14, do Decreto-lei n° 25/1937).

435 RODRIGUES, José Eduardo Ramos, op. cit., p. 558-559.

436 MACHADO, Paulo Affonso Leme, Direito ambiental brasileiro, cit., p. 1119. 437 RODRIGUES, José Eduardo Ramos, op. cit., p. 555.

Diante de tais restrições, há divergência doutrinária quanto ao direito de indenização ao proprietário particular de bem tombado. Como o tombamento impõe apenas restrição parcial ao direito de propriedade, o Poder Público não tem dever de indenizar o

proprietário438. Mas se as restrições impostas pelo tombamento impossibilitarem o uso da

propriedade, o proprietário deverá ser indenizado porque implicará em desapropriação indireta439.

O tombamento atinge também os imóveis vizinhos, pois estes não podem impedir ou reduzir a visibilidade do bem tombado em alterações ou modificações da sua construção, ou por meio de anúncios e cartazes (art. 18, do Decreto-lei n° 25/1937). A restrição implica na constituição de servidão administrativa nos imóveis vizinhos, pois ficam sujeitos às limitações

impostas pelo prédio dominante tombado440. A resolução que determina o tombamento pode

delimitar a extensão das restrições na vizinhança do bem tombado441.

O tombamento ainda pode ser feito em determinada região da cidade para preservar as suas características originais de ocupação, desde que seja precedido por estudo técnico e garanta a participação popular. Nesse caso, não há individualização dos imóveis tombados, mas sim definição do perímetro do tombamento. As novas construções na região ficam

sujeitas à prévia aprovação do órgão responsável pelo tombamento442.

A proteção do patrimônio cultural também poderá ser feita por meio da desapropriação, caso as restrições impostas pelo tombamento não sejam suficientes. Nesse caso, União, Estado ou Município se tornarão proprietários do bem tombado mediante indenização ao proprietário do bem (Decreto-lei n° 3.365/41).

Existem ainda outras formas de proteção do meio ambiente cultural, como a proteção dos monumentos arqueológicos e pré-históricos (Lei n° 3.924/61), das obras de domínio público (art. 24, § 2°, da Lei n° 9.610/98), dos arquivos, registros, museus, bibliotecas, pinacotecas, instalações científicas ou similares, edificação ou local, ou quaisquer bens

especialmente protegidos por lei443.

438 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.

919.

439 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2011, p. 141. No mesmo sentido:

MEIRELLES, Hely Lopes; AZEVEDO, Eurico de Andrade; BURLE FILHO, José Emmanuel, op. cit., 2010, p. 610-611. Esse também é o entendimento firmado no STJ (1ª Turma, REsp n° 220983/SP, rel. Min. José Delgado, j. 15/08/2000, DJ 25/09/2000, p. 72; 1ª Turma, REsp n° 28239/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 13/10/1993, DJ 22/11/1993, p. 24902).

440 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di, Direito administrativo, cit., p. 146. 441 MARÇAL, Liliana de Almeida Ferreira da Silva, op. cit., p. 116. 442 Idem, p. 114-115.