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As características do conteúdo musical da Cultura Gospel Brasileira

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2.1. Música para apreciar também com os olhos: A criação do formato videoclipe

2.2.2. As características do conteúdo musical da Cultura Gospel Brasileira

Como já afirmamos anteriormente o guarda-chuva da música gospel brasileira contemporânea abrange variados ritmos e estilos musicais. Entretanto, em termos de conteúdo das letras das canções os temas são similares aos de outros períodos históricos. Se a hinologia desenvolvida pelos primeiros missionários evangélicos que chegaram no Brasil baseavam suas canções em temas como: a cristologia, a vida no provir, a peregrinação dos fiéis na terra, o convite ao pastoreio e ao serviço comunitário, tal como vimos no capítulo um. Os temas nas canções gospel são relativamente diferentes, todavia, em alguns casos não há novidade temática nenhuma. No que se refere a música gospel o conceito de “vinho novo em odres velhos”, metáfora que Magali Cunha desenvolveu para descrever a cultura gospel fica ainda mais explicitado. Numa referência a narrativa bíblica que está presente nos evangelhos de Mateus (Mt0 9.14-17), Marcos (Mc 2.18-22) e Lucas (5.33-39), na qual Jesus conta uma parábola para exemplificar a razão pela qual seus discípulos não precisam fazer jejum e afirma que “ninguém põe vinho novo em odres velhos; de outra sorte, o vinho novo romperá os odres e entornar-se-á o vinho, e os odres se estragarão” Lc 5:3725. Com essa metáfora Cunha ressalta o caráter híbrido da cultura

gospel, que no que se refere a linguagem musical o conteúdo velho das canções junto a melodias novas. Joêzer Mendonça também define esse hibridismo com uma outra expressão: (...) música que os jovens querem com as letras que os pais preferem” (MENDONÇA, 2014, p. 166). E Leda Yukiko Matayoshi sobre o rock gospel destaca: “(...) os acordes do rock, mesmo estridentes, substituem as transgressões por temas evangélicos sugerindo liberação com restrições: algum sexo, nenhuma droga e muito rock’n’rool” (MATAYOSHI, 1999, p. 106).

25 BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada Letra Extragigante. Tradução João Ferreira de Almeida. Quarta Impressão. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2016. Edição Almeida Revista e Corrigida.

A ênfase no individualismo, por exemplo, já era percebida nos hinos, bem como uma linguagem ligada a erotização também. Tratar a igreja como a noiva de Cristo, e este como noivo, também nos remete ao recurso de algumas canções produzidas pelas mulheres da mística durante a Idade Média. Essas mulheres buscavam expressar nas canções uma relação de maior intimidade com o divino, e que também receberem a influência do estilo da lírica trovadoresca, como já vimos no capítulo um. Além desses temas que voltaram com a música gospel brasileira, outros também surgiram. Entre eles: a imagem de Deus relacionada à monarquia e à guerra e o uso de termos hebraicos tal como acontece no Antigo Testamento (CUNHA, 2007). Os conteúdos relacionados aos textos bíblicos veterotestamentários, constroem na atualidade: “(...) uma noção de religião templária, intimista, centrada no louvor e na adoração”(CUNHA, 2007, p. 187). A partir disso, segundo Cunha: “(...) É elaborada uma teologia da realeza, do poder, do domínio, da guerra, da seleção, da hierarquia, que pode ser partilhada na terra” (CUNHA, 2007, p. 187). A “destruição do mal” também é um tema bastante presente nas letras, porém, esse tema já era percebido na própria hinologia, dos primeiros missionários que chegaram ao Brasil, como já destacamos anteriormente. Entretanto, na cultura gospel ele é apresentado com outros elementos, especialmente porque dentro da sua construção religiosa o mal:

(...) impede que as pessoas alcancem as bênçãos da prosperidade, por isso os “filhos do Rei” devem invocar todo o poder que lhes é de direito para estabelecer uma guerra contra as “potestades do mal”, representadas, no imaginário evangélico pela Igreja Católica Romana e pelos cultos afro-brasileiros (CUNHA, 2007, p. 201).

O conceito de que esse “mal” que impede a prosperidade e a obtenção da bênção pode até ser um tema novo, porém, perceber os católicos romanos e os elementos da cultura afro-brasileiras como “inimigos” já eram questões presentes na hinologia. E se a felicidade e a vida plena almejada pelo protestantismo peregrino dos primeiros missionários, seriam alcançadas em sua plenitude apenas na vida eterna, junto ao divino, na linguagem temática da cultura gospel esse estilo de vida foi substituído pela relação de troca com Deus, para ser feliz no presente, o fiel se:

(...) compromete com Deus, e Deus, por seu turno, o recompensa na forma de bênçãos materiais como auto sustento financeiro, acesso aos bens oferecidos pelo sistema por meio do consumo e saúde do corpo para que desfrute desses benefícios. Dessa forma, a

expectativa pelo “porvir” é substituída pelo “aqui e agora” (CUNHA, 2007, p. 182).

Além disso: “A característica de “povo de Deus” está sempre aliada com uma felicidade plena” (DOLGHIE, 2002, p. 138). Lucas Ávila destaca os seguintes temas: “individualismo, percebido no princípio da capacidade individual do ser humano quanto a religião, (...) hedonismo, demonstrado pela busca por bem-estar financeiro, físico e emocional, (...) antropocentrismo (...) para exigir bênçãos de Deus” (ÁVILA, 2017, p. 66). Conceitos da Teologia da Prosperidade e Batalha Espiritual também são assuntos bastante recorrentes nas letras das canções gospel. Joêzer Mendonça descreve como características da linguagem musical da cultura gospel:

(...) repertório constituído de melodias e harmonias simples, vocais de acompanhamento em uníssono e arranjo instrumental pop, além, é claro, de apresentarem extensa repetição de refrãos, palavras de ordem emocionadas e variação súbita de temperamento (da contrição à euforia) na mesma canção” (MENDONÇA, 2014, p. 169).

Mendonça aponta também fatores relacionados à vocalidade nas melodias gospel: “(...) há necessidade de que o intérprete cristão incorpore os sentidos e sentimentos verbalizados nas letras a fim de gerar credibilidade e também identificação entre a canção e a congregação/público” (MENDONÇA, 2014, p. 175). Além do mais, ele salienta que: “(...) as letras das músicas perderam a sua capacidade de diferenciar-se teologicamente, cedendo mais espaço para uma poética de clichês e chavões evangélicos. (...) suaviza a doutrina e enfatiza a intimidade com Deus” (MENDONÇA, 2014, p. 179). Podemos dizer que no que se refere ao conteúdo das canções houve poucas transgressões e inovações em relação aos modelos historicamente estabelecidos pela linguagem musical cristã.

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