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O início do uso da linguagem visual entre os católicos romanos e os evangélicos

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1.2. A linguagem visual e o Cristianismo

1.2.2. O início do uso da linguagem visual entre os católicos romanos e os evangélicos

Vimos no item anterior a relação do uso da imagem pelos cristãos católicos e protestantes na Europa, passamos agora a construção histórica de seu uso no Brasil. No país, uso das imagens pela Igreja Católica Romana remonta a chegada dos primeiros

missionários jesuítas a partir de 1530. Com o passar do tempo as imagens ganham uma evidência maior porque vão aparecer nas edificações das igrejas, nelas o estilo barroco trona-se preponderante, já no século XVIII. Nesse período “(...) prevalece a ideia, por parte das autoridades religiosas coloniais, de manter um discurso visual unificado – com sensibilidades locais” (RENDERS, 2015, p. 69). Eram obras elaboradas de forma anônima, logo:

Em vez de expressar personalidades individuais, trata-se de personalidades coletivas, das quais, de fato, a personalidade confessional é mais garantida. Esse sujeito confessional segue exemplos, por exemplo gêneros como o do livro emblemático ou a reprodução de imagens de santos com elementos hagiográficos clássicos (RENDERS, 2015, p. 73).

Como salienta Renders estas obras foram produzidas de forma anônima, e por isso não é possível perceber através da história do artista os traços de sua religiosidade individual. O estilo barroco brasileiro utilizado nas pinturas das primeiras Igrejas Católicas Romanas é caracterizado por duas vertentes diferentes. As diferenças acontecem em razão das questões econômicas e geográficas. Pois, as igrejas construídas nas regiões que se tornaram mais ricas por causa do comércio do açúcar e do ouro, em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, tinham como características: “(...) trabalhos em relevo feitos de madeira – as talhas – recobertas por finas camadas de ouro, com janelas cornijas e portadas decoradas com detalhados trabalhados de escultura” (PROENÇA, 1999, p. 196). Nas regiões onde não existia o enriquecimento por causa do açúcar e do ouro: “(...) as igrejas apresentavam talhas modestas e trabalhos realizados por artistas menos experientes e famosos” (PROENÇA, 1999, p. 196). Com o passar do tempo outros estilos artísticos foram utilizados nas construções das Igrejas Católicas Romanas brasileiras, com grande destaque paras as imagens, seja nas pinturas, esculturas ou no uso dos ícones. Tal forma de representação gerou e ainda gera muitas tensões com os evangélicos brasileiros, muitas vezes, em função de sua construção identitária histórica com base iconoclasta.

Já os evangélicos brasileiros percebem o uso da imagem a partir das duas perspectivas europeias. Essas perspectivas estão presentes nas bases doutrinárias das mais variadas ramificações das diversas igrejas evangélicas que foram surgindo no país. Entretanto, alguns fatores culturais contribuíram para que outros elementos delineassem

a forma de uso e a relação da imagem religiosa. A primeira delas diz respeito às imposições legais que o governo português fez às primeiras iniciativas comunitárias evangélicas que aportaram no Brasil. Isso porque nos três primeiros séculos coloniais, a Igreja Católica Romana de Portugal tinha o monopólio total da vida religiosa brasileira e a permissão para as demais manifestações religiosas só foi concedida pela corte portuguesa a partir de 1810, após a assinatura do acordo do tratado do comércio com a Inglaterra. Esse acordo, além de quebrar as barreiras comerciais entre a colônia brasileira e os ingleses, incluía um acordo sobre as igrejas evangélicas. O artigo 12 desse documento dispunha que os cidadãos ingleses não católicos que viessem ou que já moravam no Brasil, poderiam cultuar a Deus dentro de suas tradições, porém, com rígidas limitações. Dentre as limitações estavam a liberdade de religião apenas dentro das igrejas e capelas, no entanto, essas edificações deveriam ser semelhantes a “casa de habitação”. Além do mais, não era permitido nenhuma reclamação contra a religião católica, esta deveria ser respeitada, também não seria permitido aos protestantes ingleses nenhuma tentativa de proselitismo(HAHN, 1985).

Em função da proibição acerca da aparência das edificações sua arquitetura, bem como o uso de imagens externas ficou bastante restrito. Mesmo após a separação do governo brasileiro da Igreja Católica Romana com a Proclamação da República em 1891, as igrejas evangélicas brasileiras mantiveram uma arquitetura mais simples, com praticamente nenhuma utilização de imagens. Ainda que estas fossem lúdicas como apontava Lutero, bem diferente do que aconteceu na Europa ou nos EUA por exemplo. Assim, no Brasil: “A lei impediu e os hábitos cristalizaram a aversão do protestante brasileiro por tudo que é simbólico no culto: os relógios nas torres, os sinos, a cruz e os paramentos (MEDONÇA, 1985, p. 52). Além do hábito que se instituiu em função da lei, o próprio imaginário cristão protestante brasileiro foi construído para demonstrar um distanciamento de tudo que parecesse católico, tanto na relação com os costumes culturais quanto na relação dos costumes religiosos, pois, era necessário sinalizar a diferença religiosa entre os evangélicos e os católicos romanos. Uma dessas diferenças arquitetônicas que visaram reforçar a diferença vai ser a centralidade do púlpito: “que substitui o altar, com o que o culto protestante fica centrado na figura do pregador e sua eloquência e ortodoxia” (DREHER, 2001, p. 28).

Entretanto, se a arquitetura evangélica brasileira não utilizou de imagens para Helmut Renders (2018) existe uma cultura visual evangélica brasileira, na qual o autor propõe uma periodização em quatro fases: A fase do estabelecimento da cultura visual

evangélica brasileira (1880-1950); a fase do abrasileiramento da cultura visual evangélica estrangeira (1914-1980); a fase de uma cultura evangélica brasileira própria (1950-1988) e a fase da metamorfização “glocal” da cultura visual evangélica brasileira (1988ss) . Na primeira fase Renders descreve que a cultura visual evangélica brasileira é baseada no modelo europeu e estadunidense, onde vão aparecer o uso de Bíblias de Família Ilustradas slides de lanternas com temas bíblicos utilizados na evangelização e as litografias de cenas bíblicas utilizadas nas Escolas Dominicais. A segunda fase a tradução de obras chaves da cultura visual estrangeira para a língua portuguesa, tal como o Livrinho do Coração, de Johannes Evangelista Gossner, o cartaz Os dois caminhos, de Charlotte Reihlen e o plano divino das Igrejas Assembleias de Deus. A terceira fase, no qual o autor destaca as capas da revista organizada pela e para a juventude metodista Cruz de Malta, com temas relacionados aos diversos contextos brasileiros. A criação do Centro Audiovisual Evangélico (CAVE), que produziu uma diversificada variedade de mídias, inclusive musicais, como já destacamos anteriormente, e slides e filmes. Com conteúdo relacionado a modelos de como deveria ser um cristão brasileiro. Neste período também as igrejas evangélicas brasileiras começam a utilizar a televisão como meio de divulgação no formato audiovisual com conteúdo religioso. Entre os destaques que Renders faz dessa fase está um personagem ícone utilizado em diferentes objetos, que foi a formiga Smilliguido, criado por Márcia Macedo D-Haese e por Carlos Tadeu Grzybowski e a ampliação do uso de logotipos pelas igrejas, marcando uma identidade e representação visual das diferentes denominações. A última fase na qual acontece, segundo o autor: “Observa-se hoje um grau de interdependência visual, da perda de significado de imagens anteriores ou da transformação de sua ressignificação contínua nunca antes vista” (RENDERS, p. 28, 2018). Com a mudanças nos logotipos e o aparecimento de símbolos judaicos nas igrejas locais de diferentes denominações, tais como, o candelabro de sete braços e a arca da aliança, além é claro da própria construção do templo de Salomão, pela Igreja Universal do Reino de Deus. Além de adesivos e cartazes de eventos evangélicos brasileiros que misturam escudos de heróis, tal como o Super-Homem, como conteúdo evangélico, no qual o S representa “super santidade” ou o “s” na palavra Jesus. Para Renders o que caracteriza essa fase é o que ele denomina “combinações visuais macro ecumênicas inter-religiosas.

Diante da proposta de periodização da cultura visual evangélica brasileira desenvolvida por Renders, podemos frisar que apesar do iconoclasmo em relação à arquitetura e às imagens de santos e ícones as igrejas evangélicas brasileiras

desenvolveram uma relação com as imagens e seus variados formatos, alguns desses exemplos podem ser percebidos nas imagens do videoclipe gospel que analisaremos no capítulo três.

1.2.3. Imagens em movimento: O formato do cinema e seu uso pelos evangélicos

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