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A chegada da televisão do Brasil e seu uso pelos evangélicos brasileiros

No documento Download/Open (páginas 83-90)

1.2. A linguagem visual e o Cristianismo

1.2.5. A chegada da televisão do Brasil e seu uso pelos evangélicos brasileiros

A televisão chegou ao Brasil num período relativamente rápido em relação a sua criação, apenas 9 anos depois das primeiras transmissões regulares nos Estados Unidos. Isso só foi possível graças ao sonho visionário do jornalista brasileiro Assis Chateaubriand que reunido com grandes empresários brasileiros conseguiu subsídios para o financiamento dos equipamentos para a inauguração da primeira emissora de televisão brasileira, a TV Tupi Difusora (TINHORÃO, 2014). A primeira transmissão da televisão brasileira aconteceu no dia 18 de abril de 1950, às 22h, dos estúdios da emissora que se localizava na cidade de São Paulo, no bairro de Sumaré. Nessa transmissão aconteceu a exibição do programa TV na Taba, no qual Homero Silva apresentou números variados, que tinham como objetivo demonstrar o potencial de lazer e cultura que o novo meio de comunicação simbolizava. Nessa exibição ocorreu também o primeiro número musical da televisão brasileira, através da apresentação do Hino da televisão cantado por Lolita Rodrigues e Vilma Bentivegna (SEVERIANO, 2017). A partir daquele momento a relação dos telespectadores brasileiros com o formato da imagem televisiva transformaria de forma significativa sua relação com música, imagem, entretenimento e religião. Mas para que as primeiras exibições televisivas chegassem ao público foi preciso que Chateaubriand importasse (...) duzentos aparelhos receptores, doando boa parte deles a figurões da política e da sociedade. (SEVERIANO, 2017, p. 346). No entanto, o processo de implantação da televisão no Brasil foi lento, e apenas no início da década de 1960 é

que houve um impulso maior, isso aconteceu em consequência do aumento das opções emissoras e os preços dos televisores tornaram-se mais acessíveis.Dentre a grade variada de programas e a maior oferta de emissoras muitos grupos religiosos brasileiros começaram a utilizar a televisão como uma maneira de divulgação de seus conteúdos. A Igreja Católica Romana conseguiu inicialmente uma possibilidade maior do uso dos espaços televisivos para a vinculação de conteúdo religioso no Brasil. Isso porque os setores tradicionais estavam alinhados ao projeto do regime militar. Em função disso tornou-se comum em praticamente todas as redes de televisão a transmissão de missas dominicais.

Outras instituições religiosas que também quiseram ter seus programas televisivos perceberam que os custos para se manter um programa no ar na televisão são muito elevados no Brasil. Logo, soluções para a manutenção financeira foram encontradas, como argumenta Hugo Assmann. Essas estratégias para angariar fundos seriam: A venda do espaço sagrado, com o envio de doações através de campanhas específicas para os contribuintes; a venda de tempo de oração, no qual orações são realizadas aos doadores; o convite para entrar no “Clube”, que é uma associação de contribuintes regulares. (ASSMANN, 1986). Tais estratégias foram aos poucos sendo utilizadas também quando os católicos e os evangélicos conseguiram a concessão de emissoras de televisão. Vale ressaltar que “(...) adquirir um canal não significa, segundo as leis brasileiras, tornar-se dono da frequência, que é sempre revogável pelo governo” (ASSMANN, 1986, p. 86). Em consequência disso a história dos programas evangélicos na televisão brasileira, tal qual como nos relata Alexandre Brasil Fonseca, aconteceu a partir do dia 18 de novembro de 1968 com o programa Fé para Hoje, apresentado pelo pastor adventista Alcides e por sua esposa, e que foi transmitido pela TV Tupi. Posteriormente vieram os programas com transmissões regionais: Café com Deus, apresentado pelo bispo Robert McAlister, da Igreja da Nova Vida; o programa “Encontro com Deus”, apresentado pelo reverendo João Campos da Igreja Presbiteriana do Recife e do pastor Rubens Lopes, da igreja Batista do bairro de Vila Mariana, da cidade de São Paulo. Além do primeiro programa transmitido em rede nacional, graças a concessão do governo federal, Reencontro apresentado pelo pastor Nilson do Amaral Fanini em 1975 (FONSECA, 1987).

Além desses primeiros programas televisivos dos evangélicos brasileiros, foi muito comum também a transmissão de programas dos denominados tele evangelistas estadunidenses nas emissoras de televisão brasileira, no final da década de 1970 e durante a década de 1980. Esses programas já tinham um forte apelo nos EUA, na denominada

“Igreja Eletrônica” e quando chegaram ao Brasil também obtiveram um significativo sucesso. Com forte apelo na pregação, centrado no carisma dos tele evangelistas, o conteúdo dos sermões era baseado “(...) numa teologia sacrificialista levada às últimas consequências” (ASSMANN,1986, p. 26). Com ênfase no fim do mundo, no Deus irado e na hecatombe nuclear final. Esses programas eram transmitidos por emissoras seculares, e muito desses tele evangelistas chegaram a vir para o Brasil e realizaram grandes eventos em estádios de futebol. Os tele evangelistas de maior destaque foram: Oral Roberts, Rex Humbard, Jimmy Swaggart, Jerry Falwell, Pat Robertson, Jim Bakker, Robert Schuller, Paul Crouch, Roberte Tilton, Bill Bright (ASSMANN,1986). Após essas primeiras décadas do uso das imagens no formato televisivo pelas instituições evangélicas brasileiras entrou em cena a intensificação das concessões de emissoras para diferentes grupos religiosos, especialmente no período da criação e estabelecimento da cultura gospel brasileira. Contudo, trataremos desse assunto deforma mais detalhada no capítulo dois. Tal como aconteceu com o uso do cinema pelos evangélicos brasileiros, exceto em determinadas denominações, o uso da televisão não foi uma transgressão, e sim uma adaptação da religião ao espírito cultural da época. Que em muitos casos teve que ressignificar suas doutrinas para poder utilizar da ferramenta televisiva para a propagação de sua denominação e da própria mensagem do evangelho de Cristo.

Considerações Intermediárias

Buscamos nesse Capítulo construir um cenário histórico, cronológico, todavia, fragmentado, sobre a relação do Cristianismo, mais particularmente os evangélicos brasileiros com as linguagens visuais e musicais. Acreditamos que nossos apontamentos possam ajudar na análise do videoclipe gospel brasileiro, em relação a relação mútua entre formato e conteúdo e as possíveis transgressões. Pois, no pareceu necessário entender como a linguagem musical e a linguagem visual foram utilizadas pela linguagem religiosa. Bem como perceber como o Cristianismo foi adaptando seu discurso e a sua prática para se adaptar, quando não foi ele mesmo o criador dos formatos e produtor dos modelos que se estabeleceram. Além disso o discurso sobre o uso das linguagens musicais e visuais pelo Cristianismo também teve que se adaptar as inovações tecnológicas que possibilitaram uma outra maneira dos seres humanos utilizarem imagens e música, tais como os aparelhos de gravação e reprodução musical e os de reprodução de imagem em movimento.

Ao discorrermos sobre os conteúdos e os formatos que se tornaram comuns na música evangélica do Brasil, percebemos que o modelo foi construído a partir da base estrangeira com ênfase na hinologia, as mudanças de estilos musicais foram consideradas transgressões porque eram diferentes do modelo consensualmente estabelecido. Também pudemos perceber que a relação com a linguagem visual pelo cristianismo é constantemente motivo de tensões, e que muitas vezes apesar dos iconoclasmos, a iconofilia e a iconolatria são bastante presentes. E no estabelecimento do cristianismo no Brasil isso não foi diferente.

No Capítulo Dois nossa pesquisa aborda o videoclipe e a cultura gospel brasileira. Sobre o videoclipe discutiremos suas características como gênero audiovisual, suas fases no Brasil e seu uso pela cultura gospel. Sobre a cultura gospel brasileira construiremos um panorama histórico, discutiremos suas características, o que inclui seus conteúdos.

Capítulo Dois

O Desenvolvimento do Videoclipe e da Cultura Gospel no

Brasil: Histórias Paralelas

“O videoclipe “(...) fazia muito sentindo – aproximava o músico da audiência usando a imagem, que é mais forte do que o som. Quando imagem e som se combinam, o resultado é um produto incrível. E essa novidade realmente mexeu com as pessoas, com o jeito de consumir música, de se relacionar com o artista e com a estética do produto audiovisual”. (Zico Goes). “A cultura gospel revela-se mais do que uma simples

mudança no modo de ser evangélico e sim uma estratégia de integração à modernidade e suas expressões hegemônicas –seja o pentecostalismo, no campo religioso, ou o capitalismo globalizado no sócio-

histórico – com a garantia de preservação da expressão cultural religiosa, já conhecida e aprovada no coração das igrejas”. (Magali do Nascimento Cunha).

Introdução

Transgressões e formatos estabelecidos. Pós-modernidade e hibridismo. Formato e conteúdo. São palavras e conceitos que definem nosso objeto de estudo o videoclipe gospel brasileiro. Podemos notar, que todas essas palavras conceituam muito bem tanto o videoclipe quanto a cultura gospel brasileira, como será percebido nas discussões que estamos propondo nesse segundo capítulo. Até o presente momento de nosso texto buscamos criar um panorama histórico conceitual do cristianismo com as linguagens visuais e musicais, para com isso evidenciarmos que as propostas de transgredir os modelos não é algo exatamente novo para o cristianismo, e que periodicamente busca uma proximidade religiosa com o que temos denominado espírito da época. A partir desse momento é necessário discutirmos o que é um videoclipe, sua importância dentro da distribuição do conteúdo da indústria musical em escala mundial. Bem como traçar um panorama histórico dos seus antecedentes, seu estabelecimento como um gênero audiovisual e como ele foi produzido no Brasil. Optamos por narrar a história do videoclipe brasileiro a partir de três fases, tal como fazem outros pesquisadores do tema,

pois, acreditamos que o videoclipe brasileiro tem suas particularidades em relação ao modelo estabelecido mundialmente. As três fases do videoclipe brasileiro estão divididas dessa forma: O videoclipe e o modelo produzido pelo programa Fantástico; a fase MTV Brasil e a fase da internet. Cada uma dessas fases traz liberdade de produção e de divulgação para o videoclipe e vai estabelecendo suas características modelo.

Paralelamente ao desenvolvimento do videoclipe, aconteceu também no Brasil a criação da denominada cultura gospel brasileira. Que é um novo modelo para se experimentar a fé em nosso tempo com desdobramentos dos princípios doutrinários e bíblicos através da música, do consumo da mídia e do entretenimento. Ou seja, provar do conteúdo “sagrado” pelo viés de elementos, que por muitos anos eram considerados “profanos”. Nessas negociações da cultura gospel acontecem muitas transgressões, hibridismos e novos modelos estabelecidos. Nossa opção de descrição e discussão sobre essa cultura partirão especialmente da pesquisa de Magali Nascimento Cunha, que inclusive é a autora que desenvolve o conceito de cultura gospel brasileira. Ao conceituar videoclipe e cultura gospel brasileira, nos será possível entender melhor as especificidades do nosso objeto de estudo, o videoclipe gospel, bem como basear nossas discussões sobre como o formato muda o conteúdo, como esse conteúdo é transformado pelo formato e como ocorrem as transgressões. Na primeira parte do capítulo trabalharemos os conceitos referentes ao videoclipe, na segunda parte a cultura gospel e finalizaremos o capítulo com os primeiros apontamentos sobre o uso do videoclipe pela cultura gospel, a partir da descrição de dois programas que exibem videoclipes gospel: o Clip Gospel e o Clip RIT.

Todavia, antes de entrarmos nas discussões sobre videoclipe desse capítulo dois é necessário que façamos considerações sobre a ligação entre o que estamos considerando a transgressão da religião, particularmente o cristianismo protestante ao utilizar videoclipe. Vale ressaltar que desde o capítulo anterior estamos enfatizando que nossa pesquisa leva “(...) em consideração processos de transformação ou de mudança, distanciamentos, iniciativas ou transgressões” (AUGÉ, 2012, p. 26), acerca do uso da imagem e da música pelo cristianismo, ou seja, a transgressão do uso do videoclipe não é um evento recente. No entanto, ela tem suas particularidades, especialmente pelo deslocamento do lugar da religião no espírito da época em que estamos. Como afirma Eric Hobsbawm, nos últimos cinquenta anos a religião passou por mudanças profundas, pois: “Durante a maior da história de que há registro ela forneceu a linguagem, com frequência a única linguagem, para o discurso sobre as relações dos seres humanos com

os outros seres humanos, com o mundo exterior, e com o nosso comportamento diante das forças incontroláveis fora da vida diária” (HOBSBAWM, 2016, p. 237). Em nossos tempos, apesar de ainda ser um componente fundamental da experiência humana seu amplo território de atuação foi o que podemos chamar de processo de desterritorialização. Ainda que a religião:

(...) continua a oferecer o único modelo em geral aceito para a celebração dos grandes ritos da vida humana, desde o nascimento, passando pelo casamento, até a morte e, com certeza nas zonas temperadas, os ritos dos eternos ciclos do ano – Ano-Novo e colheita, primavera (Páscoa) e inverno (Natal). Raramente foram substituídos com eficácia por equivalentes seculares, talvez porque a racionalidade dos Estados seculares, para não falarmos em sua hostilidade ou indiferença com as instituições religiosas, os leva a subestimar a força bruta do ritual e na vida comunitária. Mas poucos de nós conseguimos escapar dessa força (HOBSBAWM, 2016, p. 237-238)

No processo de desterritorialização a religião também teve que se adaptar às situações, tecnologias, mídias que não nasceram de sua influência, exatamente como acontece com o videoclipe. Tal qual vimos no capítulo um através de nossa construção histórica conceitual sobre o uso das linguagens visuais e musicais. O videoclipe é um gênero audiovisual pós-moderno que nasceu muito longe dos territórios da religião, mesmo que muitas bandas denominadas seculares utilizem símbolos religiosos em suas imagens. Se pensarmos no conceito de lugares e “não lugares” desenvolvido por Marc Augé, a religião que sempre foi um lugar, seja em termos de espaço físico ou um lugar antropológico, haja vista que: “A instrução do território no espaço fica assim expressa. Terra=sociedade=cultura=religião” (AUGÉ, 2012, p. 107). E a religião possui as características comuns do conceito de lugares, porque: “Ele se pretendem (pretendem- nos) identitários, relacionais e históricos”(AUGÉ, 2012, p. 52). Todavia, a religião como esse lugar de pertença começa a se utilizar dos recursos dos denominados não lugares, para acompanhar o processo histórico do presente. Cabe-nos ressaltar que estamos entendendo aqui as mídias, em especial a televisão e a internet, que são as distribuidoras do videoclipe, como um desses não lugares, conceituados por Augé. Esses não lugares tem como características a “(...) força de atração, inversamente proporcional à atração territorial, ao peso do lugar e da tradição; (...) é a oportunidade de uma experiência sem

verdadeiro precedente histórico de individualidade solitária e de mediação não humana (basta um cartaz ou uma tela) entre o indivíduo e o poder público” (AUGÉ, 2012, p. 108- 109); “(...) são tanto as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens” (AUGÉ, 2012, p. 37). Dentro dessa nossa perspectiva de desterritorialização da religião, consideramos que sua perda de lugar dentro da sociedade resulta no natural caminho do espírito da época para ainda se fazer lugar, utilizando o não lugar do videoclipe como ferramenta transgressora de transmissão de conteúdo.

2.1. Música para apreciar também com os olhos: A criação do formato

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